13 de outubro de 2005

'PESCADOR DE SONHOS' NA HOMENAGEM A CARLOS LUZIO


O MEU DESERTO

Sou um pescador de sonhos
Num mar sem praias,
Sou um caminhante cansado
Sem caminhos para andar,
Sou um delinquente que, de tanto abusar
Talvez nunca seja castigado,
Sou um rude camponês
Que espera colher pão
Sem nunca ter lançado sementes,
Sou um vagabundo sem destino
Pisando terras de outros donos
Sem que me mordam os seus cães,
Sou a mansarda sem tecto
A perfumaria sem essências,
Um pecador dando golpes de peito
Carregando cem anos de penitências,
Sou um relógio sem tempo
Esquecido num salão vazio,
Sou o menino travesso
Que sentindo o calor de um beijo
Se sente tremendamente frio,
Sou um jovem prematuramente ancião
Que já só pode andar ajudado
Mas que, se tentam dar-lhe a mão,
Se sente humilhado,
Sou um pássaro quase louco
Que canta sem solfejo,
Um bote sem remos, perdido,
Que naufraga pouco a pouco
E isso não o entendo.
E, por muito tempo que eu viva
E me encha de fé a cada momento
Continuo a ser louco à deriva
Neste deserto que invento…

27 MAI 86
in Carlos Luzio, “Pescador de Sonhos”,
capítulo “Os Desertos do Amor”, edição 2005

*
Apresentação
“Apesar dos pontos comuns existentes entre aqueles que escolhem o caminho da poesia, não estará correcto falar de uma experiência poética universal. Relembramos aqueles, que à semelhança de Pessoa, transformam a realidade através do poema. Para estes, o poema é espaço de transfiguração da memória, reinvenção do “eu”. Por outro lado, existem aqueles para os quais a fronteira entre o mundo poético e o universo pessoal se revela muito ténue, quase inexistente.
A experiência poética de Carlos Luzio enquadra-se neste último modelo, onde os planos da vida e da poesia se fundem e se confundem.”
...
Excerto de “Pescador de Sonhos – Uma Análise”, de Michele Mota

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