21 de outubro de 2005

A CULTURA NA «CIDADE»

António de Cértima (auto-retrato)
Um senhor natural de Oliveira do Bairro ofereceu um conjunto de 55 livros e uma colecção de 65 jornais à Biblioteca Municipal de Oliveira do Bairro. Não terá sido grande dádiva, aliás feita sob condições, mas o «Jornal da Bairrada», em 13-10-05, enalteceu o gesto anunciando-o com destaque, em título, como o «primeiro espólio» oferecido por quem assim passava a «ser mais um amigo da biblioteca». Insistiu: esta biblioteca, «pela primeira vez, recebe um espólio, ainda que disponha de algum (pouco) do escritor António de Cértima.»

Ora bem, o espólio recebido em 1994 por oferta da viúva de Cértima não foi nada, mesma nada, «pouco». E chega a maré de saber, onde pára ele? O pior, porém, está aqui: nem o título nem o texto citado correspondem à verdade factual, garante-o o signatário na qualidade de testemunha-participante do caso.

O texto era assinado por Armor Pires Mota, o que é estranho dado este jornalista conhecer os factos (relembrara-lhos até recentemente). Tornei a contactá-lo e, mais uma vez, o assunto ficou embrulhado em nicles. Armor responsabilizou a Câmara pela afirmativa, ficando ele de ombros encolhidos e sem vestígio de memória.

Deste modo, que pensar da «cultura» que a Câmara faz reinar na «cidade» do nosso concelho – autodeclarado no pulsar do dinamismo! - e da regra deontológica seguida pelo jornal?

O Jornal. A linha ideológica de um jornal pode admissível e respeitavelmente ser de direita, ser CDS, mas, para que não tenha que receber lições de ninguém, o jornal terá que saber reconhecer os factos objectivos e sempre com a máxima isenção. Se é este ou não é o caso do «Jornal da Bairrada», os seus leitores que o digam!
Por outro lado, a qualidade do jornalismo que exibe não pode ser considerado exemplar a não ser pela boca de quem não saiba o que diz ou queira mostrar-se tão tendencioso quanto o que enaltece. E tudo isto contribui para empanar o ambiente cultural da «cidade».

A Câmara. A acção cultural desenvolvida pela Câmara presidida pelo dr. Acílio Gala na parte final do seu mandato mostra-o a correr para publicar todos os livrinhos dos amigos em tempo útil, ou seja, enquanto havia tempo. O orçamento municipal pagará o luxo, mas fica a dúvida: até que ponto a «cultura» oliveirense aumenta o brilho com essas (muitas) edições? Haverá no concelho assim tantos escritores dignos de publicação (o que faz lembrar a rejeição draconiana de editar a primícia poética de uma jovem bustuense, a Marineide)?

O caso. A oferta da viúva, ainda bastante «escondida» e nunca agradecida, tem que ficar exposta para que conste. Até hoje, foi tabu. Na sequência das comemorações do centenário de nascimento do escritor e diplomata António de Cértima, nascido em Giesta, Oiã, em 1894, organizei um programa que se estendeu por seis meses apoiado pela Câmara Municipal.
Estabeleci contacto pessoal prévio com a viúva, D. Maria Arminda, visitando-a amiúde em Lisboa, de modo que publiquei um estudo biográfico a ele dedicado e reuni material para exposição biobibliográfica, vídeo, estátua, etc. Entusiasmado, Acílio Gala pensou então na biblioteca municipal, projecto que a seguir acompanhei muito de perto. E foi no meio de tudo isto que incentivei a viúva a oferecer à biblioteca concelhia, então em projecto, as colecções de livros que enchiam as estantes da sua casa. Gala aplaudiu e combinei tudo. Um dia, manhã cedo, viajei do Porto até Oliveira, Gala meteu-me na viatura presidencial e, acompanhados por um espaçoso furgão, partimos. Trabalhámos todo o dia, rodeados de poeira, a encher caixotes e a metê-los no furgão até o encher. Livralhada em português, espanhol, francês, até árabe, de cambulhada! E, com missão cumprida, em Oliveira peguei no meu carro e regressei à Invicta, cansado, para jantar a desoras.

Talvez duas semanas depois, confirmei: Acílio Gala, que recebera em mãos aquela importante oferta, não enviara ofício de agradecimento à viúva! E logo me fez sentir que, na sua ideia, eu é que deveria agradecer a D. Maria Arminda! Fiquei varado, sem comentários.
A seguir invalidou uma «sala memorial» dedicada ao escritor e diplomata, prometida e prevista para uma dependência da biblioteca e para a qual eu ainda hoje tenho, como fiel depositário, o espólio literário mais significativo do autor da «Epopeia Maldita» e «Soldado, Volta!». Não vejo destino condigno a dar-lhe.
Já com a Biblioteca Municipal a funcionar e com as minhas relações com Acílio Gala a complicarem-se gravemente, obtive ali umas respostas evasivas para o que perguntava: a livraria de Cértima ia ser classificada e posta em público mais tarde. E mais tarde, já de relações estragadas, ainda tive o descoco de ir colocar nas mãos rotas de Gala 50 exemplares do meu «A Última Aposta». Oferecidos, claro.

É verdade que o dr. Acílio Gala andou estes anos todos a repetir o seu pessoal apego à cultura, aos livros. Vê-se finalmente quanto valiam na realidade afirmações proferidas por mera política engana-tolos. A esperança que nos resta agora é a de que os caixotes com esses livros, e serão milhares (suponho sem os ter contado), não tenham sido atacados pelos ratos dos armazéns camarários! Ou não terão sido eles os únicos beneficiários de tanta «cultura» CDS?!

Arsénio Mota

4 comentários:

  1. Anónimo22:04

    É bom saber que depois de gala derrotado é que começam a aparecer as vozes contestatárias que antes estiveram caladas. Tenham decoro...

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  2. Anónimo11:08

    Decoro deve ter quem pretende ensinar decoro. Anonimamente! Belo professor, não haja dúvida. Porque... quem convenceu este anonónimo professor que só agora, com Gala retirado, é que surgem vozes contestatárias? Então reinava o silencio e o homem caiu?! Milagre!!!

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  3. Anónimo14:51

    Arsénio Mota devia perguntar ao comentador anónimo onde ou como poderia divulgar os factos que revela. O Jornal da Bairrada teima na sua. Ainda bem que existe este blogue! Preparem-se os amiguinhos de Gala para enfrentarem mais e mais revelações, porque de certeza elas vem aí..

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  4. Anónimo22:26

    "É bom saber que depois de gala derrotado ..." anonymos 10.04.54
    Não deve ter lido o bogue anterior e não acompanhou o NB. Arsénio Mota ou ARS tem pelo menos 2 trabalhos editados sobre a cultura dde Gala:13.05.2005 LEONTINA ACONSELHA LER «FILOSOFIA NA ALCOVA» DO MARQUÊS DE SADE!!! (notícias de bustos)
    março 21, 2005 Cultura na Cidade (Bustos – do passado e do presente).

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