18 de agosto de 2007

Tempo em que se morre

Agora é verão, eu sei.
Tempo de facas, tempo
em que perdem os anéis
as cobras, à míngua de água.
Tempo em que se morre
de tanto olhar os barcos.

É no verão, repito.
Estás sentada no terraço
e para ti correm todos os meus rios.
Entraste pelos espelhos:
mal respiras.
Vê-se bem que já não sabes respirar,
que terás de aprender com as abelhas.

Sobre os gerâneos
te debruças lentamente.
Com rumor de água
sonâmbula ou de arbusto decepado
dás-me a beber
um tempo assim ardente

Poisas as mãos sobre o meu rosto,
e vais partir
sem nada me dizer,
pois só quizeste despertar em mim
a vocação do fogo ou do orvalho.

E devagar, sem te voltares,
pelos espelhos entras na noite acesa.

*
Eugénio de Andrade, "Obscuro Domínio" 1970-71
*
Sempre ele, desde uma Feira do Livro em Aveiro, aos 27/5/84, que foi Dia da Mãe, tendo lido nessa noite o "Poema à Mãe" no então "Bar Café Concerto", sito à rua Eça de Queiroz, n.º 36, em Aveiro.
Chegara pouco antes ao Eugénio pela boca doce duma amiga, estava eu acabadinho de sair do 1º de vários divórcios, a bem dizer...
*
OSCARDEBUSTOS

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