Canto as armas e os remos
as pedras e os metais
e as mãos que transformando
se transformam. Eu canto
o remo e a foice. Os símbolos.
Canto o martelo e a pena.
Meu sangue é uma guitarra
tangida pelo Tempo.
Canto as armas e as mãos.
E as palavras que foram
areias tempestades
minutos. E o amor.
E também a memória
do cravo e da canela.
E também a quentura
doutras mãos: terra e astros.
E também a tristeza
e a festa. O sangue e as lágrimas.
O vinho: puro ardor.
A também a viagem:
navegação lavoura
indústria – esse combate.
Procurai-me nas armas
no sílex no barro.
Pedra: meu nome é esse.
E escreve-se no tempo.
Canto o carvão e as cinzas
as gazelas e os peixes
na fogueira contínua
das cavernas. E a pele
do tigre sobre a pele
do homem. Eis meu rosto:
está gravado na rocha.
Procura-me no fóssil
e no carvão. Meu rosto
é cinza e primavera.
Canto as armas e os homens,
Porque a Tribo me disse:
tu guardarás o fogo.
E por armas me deu
o bronze das palavras.
Meu nome é flecha. E perde-se
no pássaro. Começa
meu canto onde começa
a construção. Pastores
do tempo são meus dedos.
Caçadores de coisas
impossíveis. Eu canto
os dedos que transformam
e se transformam. Canto
as marítimas mãos
de Magalhães. As mãos
voadoras de Gagárine.
Procurai-me no mar
procurai-me no espaço.
Estou no centro da terra.
Meu nome é cinza. E espalha-se
no vento. Sou adubo
fermentação floresta
e cintilo nas armas.
Canto as armas e o Tempo.
As minhas armas o
meu tempo. E desarmado
pergunto à flor pergunto
ao vento: viste lá
o meu país? E o meu
país está nas palavras.
Porque a Tribo me disse:
tu guardarás o fogo.
E por armas me deu
esta espada este canto.
*
Manuel Alegre: O Canto e as Armas / Ed. Poesia Nosso Tempo, 1970 (a 1ª edição é de 1967)
*
Adquiri o livro em Lisboa em Junho de 70, antes da guerra me bater à porta. A foto do Manuel Alegre na contracapa foi tirada na Real República Bota Abaixo, em Coimbra, onde ele passava muito tempo e tinha amizades fundas. E cumplicidades. Ali fui repúblico poucos anos depois: entre 1966 e 69, donde parti para Lisboa e depois prá guerra que o pariu; ali estive de novo, entre 1974 e 76, já depois de ter regressado de dar o corpo às áfricas nossas.
Cada vez que releio este 1º poema do 2º livro de poesias do Manuel Alegre lembro-me do Carlitos Luzio. E quase pergunto: o seu autor foi o aguedense Manuel Alegre ou o Carlos Luzio de Bustos?
É que ambos passaram pela guerra e são PESCADORES DE SONHOS.
E se um vai deixar, o outro já deixou, os SONHOS POR CUMPRIR…
*
oscardebustos
as pedras e os metais
e as mãos que transformando
se transformam. Eu canto
o remo e a foice. Os símbolos.
Canto o martelo e a pena.
Meu sangue é uma guitarra
tangida pelo Tempo.
Canto as armas e as mãos.
E as palavras que foram
areias tempestades
minutos. E o amor.
E também a memória
do cravo e da canela.
E também a quentura
doutras mãos: terra e astros.
E também a tristeza
e a festa. O sangue e as lágrimas.
O vinho: puro ardor.
A também a viagem:
navegação lavoura
indústria – esse combate.
Procurai-me nas armas
no sílex no barro.
Pedra: meu nome é esse.
E escreve-se no tempo.
Canto o carvão e as cinzas
as gazelas e os peixes
na fogueira contínua
das cavernas. E a pele
do tigre sobre a pele
do homem. Eis meu rosto:
está gravado na rocha.
Procura-me no fóssil
e no carvão. Meu rosto
é cinza e primavera.
Canto as armas e os homens,
Porque a Tribo me disse:
tu guardarás o fogo.
E por armas me deu
o bronze das palavras.
Meu nome é flecha. E perde-se
no pássaro. Começa
meu canto onde começa
a construção. Pastores
do tempo são meus dedos.
Caçadores de coisas
impossíveis. Eu canto
os dedos que transformam
e se transformam. Canto
as marítimas mãos
de Magalhães. As mãos
voadoras de Gagárine.
Procurai-me no mar
procurai-me no espaço.
Estou no centro da terra.
Meu nome é cinza. E espalha-se
no vento. Sou adubo
fermentação floresta
e cintilo nas armas.
Canto as armas e o Tempo.
As minhas armas o
meu tempo. E desarmado
pergunto à flor pergunto
ao vento: viste lá
o meu país? E o meu
país está nas palavras.
Porque a Tribo me disse:
tu guardarás o fogo.
E por armas me deu
esta espada este canto.
*
Manuel Alegre: O Canto e as Armas / Ed. Poesia Nosso Tempo, 1970 (a 1ª edição é de 1967)
*
Adquiri o livro em Lisboa em Junho de 70, antes da guerra me bater à porta. A foto do Manuel Alegre na contracapa foi tirada na Real República Bota Abaixo, em Coimbra, onde ele passava muito tempo e tinha amizades fundas. E cumplicidades. Ali fui repúblico poucos anos depois: entre 1966 e 69, donde parti para Lisboa e depois prá guerra que o pariu; ali estive de novo, entre 1974 e 76, já depois de ter regressado de dar o corpo às áfricas nossas.
Cada vez que releio este 1º poema do 2º livro de poesias do Manuel Alegre lembro-me do Carlitos Luzio. E quase pergunto: o seu autor foi o aguedense Manuel Alegre ou o Carlos Luzio de Bustos?
É que ambos passaram pela guerra e são PESCADORES DE SONHOS.
E se um vai deixar, o outro já deixou, os SONHOS POR CUMPRIR…
*
oscardebustos
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