Teve por berço casual o lugar da Póvoa, onde os pais habitavam uma pequena casa de renda, no começo do caminho para os Penedos.
Cheia de vida no corpo e na alma, ainda se entretém com a agulha de coser, pronta a desfiar o rosário das suas lembranças.
O pai, de sua graça Joaquim Francisco Fontes, era cantoneiro do "Cantão" da Mamarrosa e tinha a seu encargo a manutenção das estradas públicas entre a Quinta do Gordo e a Palhaça. Como tantos jovens de Bustos, não se livrou da 1ª Grande Guerra (Moçambique). Tal com a mãe, Jacinta Simões "Carriça", eram ambos naturais da Azurveira e é dali que a Ti Rosa guarda grande parte das suas lembranças.
É com desenvoltura que recorda a labuta do pai, dividido entre as valetas do seu "Cantão" e o duro trabalho na arte de ferreiro na oficina do Ti Manuel Aires da Azurveira. Nas traseiras da oficina, o aido ainda abrigava uma estufa de chicória, cultivo muito em voga nos difíceis tempos da 1ª Grande Guerra. Coberta a telha, a estufa era explorada por gente de fora e não era a única na área, que o café escasseava e era preciso encontrar sucedâneo. A técnica para secar as raízes da chicória consistia em pôr lenha a arder na estufa, passo que antecedia a torrefacção e a moagem final.
Irmãos era coisa que não podia faltar, porque a morte gostava da criançada e era preciso prevenir: Manuel, Florentino, Maria, Nazaré e Severiano, além da Rosa, quase todos deixaram descendência nossa conhecida, parte da qual labutou ou labuta por Américas e África.
Viveu o tempo das contradanças e dos moinhos de vento e a água, que só na área da Barreira e Azurveira eram pelo menos quatro: um no Cabeço da Fonte, que pertenceu ao Alberto Mota e era movido a vento; outro, era do dr. Santos Pato, perto da represa que ainda ali existe e dois outros espraiavam-se ao longo da vala da Barreira.
A Ti Rosa ainda se lembra da torre da velha igreja ser levantada; e digo levantada, porque a que existia era mais baixa e tinha sineta com corda exterior.
Fez parte de contradanças, de que era ensaiador o Amândio Catrino da Mamarrosa, cesteiro de profissão que tinha Bustos como 2º lar. O homem da bandeira era o Ti João Martins e vêm-lhe à lembrança outras dançadeiras: Zelinda, irmãs Rosa e Maria Figueireda, Cândida (irmã do Fernando Correia, emigrada no Brasil) e Carménia.
Aqui fica uma quadra da contradança "Roda da Saia", assim chamada porque o grupo dançava à roda da que vestia uma saia comprida e muito rodada, cujas pontas iam agarrando em círculo que se queria perfeito:
Enquanto dura a juventude
Dançamos sempre, sem fadiga.
Temos a alma no olhar
E o olhar numa cantiga.
Os lembrares da Ti Rosa do Melro são mais que muitos e dá gosto ouvi-la logo pela manhã a desfiar um sem fim de histórias do nosso passado.
As nossas e os nossos avós e bisavós trabalhavam de sol a sol, quantas vezes a troco de nada. Mau grado a dureza e a fome do dia a dia, sobrava-lhes tempo e alegria para as peças teatrais, os cantares e os dançares em grupo. (1)
Não deve haver ditado popular mais apropriado: Quem canta, seus males espanta!
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(1) Sobre o tema, ver texto de 29/8/2005