17 de abril de 2007

Momento para António Almeida Ferreira dos Santos Pato (16.09.1919 – 16.04.1989)

António dos Santos Pato[1]
António Almeida Ferreira dos Santos Pato, de seu nome completo, é talvez um dos autores literários locais que menos atenção tem obtido. Dever-se-á isso à escassez do seu espólio e à modéstia intrínseca do seu génio. Ainda assim, vale a pena conhecer mais de perto este conterrâneo desaparecido.

António dos Santos Pato nasceu a 16 de Setembro de 1919 e faleceu a 16 de Abril de 1989 com 70 anos de idade. Era filho do dr. Manuel dos Santos Pato, da Barreira, Bustos, e portanto irmão do eng. Manuel dos Santos Pato, o conhecido e estimado eng. Neo. Herdou, por sinal, a casa familiar nos últimos anos habitada pela sua viúva, D. Maria Máxima Calisto.

A produção literária que se conhece de António resume-se a 37 composições líricas que remontam, ao que nos consta, a um caderno manuscrito por ele oferecido, em 1942, à sua então namorada (irmã da mulher do dr. António Vicente), com pais em Portomar, Mira. Esse caderno foi (desajeitadamente) passado a limpo e composto em computador em 1995, por um neto do autor, que lhe deu título: «Poemas do Avô». Assim nos chegou às mãos.

São, portanto, versos muito sentimentais e românticos, com evidentes marcas da época e da intenção. Escritos nos anos ’40, parecem postos em álbum de juventude a folhear com melancolia e alguma ponta de emoção. Mas que, apesar de tudo, revelam o pulsar lírico e o gosto pela poesia daquele bustuense.

António dos Santos Pato cegou[2], de uma vista em pequeno. Era de feitio calmo e calado. Estudou aplicadamente no Instituto Industrial do Porto mas desgostou-se com as notas que lhe atribuíam, suspeitando de motivos políticos derivados do seu pai (republicano e figura grada em Bustos, da oposição a Salazar) e desistiu do curso. Um emprego no Banco de Portugal, prometido e sempre adiado, manteve-o à espera até aos 25 anos de idade. Entretanto montou oficina de galvanoplastia em Aveiro, na zona da Nª Sª das Barrocas. O negócio correu-lhe mal, pois muitos clientes «ferravam-lhe o cão». Resolveu emigrar para o Brasil (onde ingressou na Volkswagen) com a mulher e uma filha de dois anos, que por lá morreu. Veio passar férias a Portugal e, devido aos seus conhecimentos em galvanoplastia, a Sachs de Malaposta contratou-o. Manteve-se ali vários anos, mas a sorte parece que nunca lhe sorriu. Reformou-se com 58 anos e morreu doente de cancro.

Nos anos ’40 publicou diversas poesias no jornal «Alma Popular» que o pai dirigia. Terão sido as únicas que deu à imprensa em vida. Compôs a letra da cantiga de apresentação da orquestra Aliança[3], na qual tocava bateria e cantava por volta de 1946.

As desventuras da sua existência espelham-se no que dele podemos ler postumamente. Canta, «sofrendo sempre», a saudade, o amor e o destino, ou seja, a tristeza e os desenganos que empanam o fulgor dos dias. Transcrevemos em amostra alguns dos seus versos. – Arsénio Mota

Sofrendo sempre

Quisera alegre ser uma hora, um dia!
Mas para mim a vida é um tormento
Porque não pode ter nunca alegria
Quem nela só encontra sofrimento!

Desconheço a ventura, a f’licidade,
Que o destino p’ra sempre me roubou!
A vida é p’ra mim uma tempestade,
Que ao nascer contra mim se revoltou!

Bem cedo conheci a desventura,
As lágrimas, as dores, os tormentos…
Logo ao nascer a Vida foi-me escura,
E nela apenas vejo sofrimentos.

É bem cruel e triste o fado humano,
A sorte que o Destino nos fadou!
De que nos serve a Vida, triste engano,
Se vem a morte e tudo nos levou?


Quadras soltas

Diz um ditado que a gente
Vê rostos, corações não:
- E eu quisera, francamente,
Pôr o meu na tua mão.

Eu passo toda a semana
Com o domingo na mente:
Se ao domingo te não vejo,
Seis dias fico doente.

Olha que nuvens tão lindas
Como antigas caravelas,
Quem me dera andar contigo
Numa barquinha daquelas!

Já me fiz velho dez anos
Desde a hora em que te vi:
Já tenho a vista cansada
De tanto olhar para ti.

Os dias à tua beira
São momentos de alegria,
De modo que a vida inteira,
Nos teus braços era um dia.

Nunca te pude dizer
O meu amor à vontade;
Pois, diga quanto disser,
Não digo nem a metade.

Uns olhos como os teus olhos,
Inda não pude encontrar.
Vistos de noite dão Sol,
Vistos ao Sol dão Luar.

Tudo o que ti procede
Me dá celeste prazer
Até gosto do desgosto
Que sinto por te não ver.

[1]Texto já editado. Um obrigado a Arsénio Mota pela reposição (N.E.)
[2] O Eng. Manuel dos Santos Pato (Neo) apelidava-o de ‘Camões’ pela coincidência de ser poeta e cego de uma vista. (N.E.)
[3]A orquestra Aliança exibia-se no salão de baile da Costa Nova do Prado a fim de angariar fundos para apoiar os «Gavetas». Certa vez, o Amaral Reis Pedreiras foi o primeiro a comprar bilhete para o ingresso no salão. Pagou e de imediato foi «cravado» para desempenhar o serviço de porteiro. (N.E.)

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