22 de maio de 2007

VIAGEM ATRAVÉS DA AMÉRICA (4)

Muito mais descansado, tomei o pequeno almoço e preparei-me para a etapa que desta vez me irá levar até à cidade de Chicago.
Deixando o Estado do Nebraska para trás, entrámos no de Iowa. A paisagem e a exploração agrícola neste Estado são muito semelhantes à do território do Nebraska: vastas áreas usadas para o cultivo do milho e trigo e muito gado. Por aqui é mais vulgar verem-se lugares pequenos e cidades com nomes franceses, tais como Des Moines, capital do Estado de Iowa, pois esta região esteve no passado sob domínio de França. Em 1803, Thomas Jefferson, o terceiro presidente da América, comprou o território por 15 milhões de dólares. Esta compra, que envolvia uma área 23 vezes maior que Portugal, veio a chamar-se a “Louisiana Purchase”. O Estado do Iowa fazia parte dessa compra.

Demorámos mais de seis horas a atravessar o Iowa, cuja fronteira com o Estado do Illinois é o grande rio Mississippi. Ainda a uma grande distância do golfo do México, onde esta grande corrente desagua, o rio é impressionante! Parámos para o admirar de perto. Caminhei até à sua margem, talvez à procura de Tom Sawyer, imortalizado por Mark Twain (Samuel Clemmons) na sua obra clássica «Aventuras de Huckleberry Finn no rio Mississippi». Não encontrei o ladino mas falei com uns quantos indivíduos que passavam o tempo a pescar à beira-rio. Vi um deles apanhar dois peixes com uma só linha munida com dois anzóis. Assim vale a pena pescar!
Atravessámos o rio e seguimos viagem a caminho de Chicago.
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Chicago é uma cidade de 3 milhões de habitantes. Já passou por bons e por maus tempos. Nas décadas após 1950, aliás como já acontecia em tempos anteriores, as classes ricas que viviam no centro da cidade entraram a mudar-se mais para os subúrbios, afastando-se das classes pobres que iam chegando à cidade em grandes quantidades à procura de emprego e melhor vida. Para trás ficaram muitos bairros empobrecidos que logo foram ocupados por emigrantes vindos do Sul da América, geralmente de origem africana, e muitos outros vindos da Ásia, México, Puerto Rico, etc. Estes mesmos movimentos de mudança das classes mais influentes, usualmente de brancos, para os subúrbios, abandonando os centros urbanos e os problemas sociais associados com as classes pobres, repetiam-se e repetem-se em quase todos os grandes centros urbanos da América. Então estabelecem-se ali os «ghetos» e o crime começa a fazer parte do quotidiano – um ciclo vicioso.

Chicago sempre foi uma cidade com muita indústria e muitas oportunidades de trabalho para indivíduos sem grandes habilitações. Essas oportunidades de emprego têm diminuído ou têm sido transferidas para outras partes do mundo onde o preço da mão de obra é mais barato. Chamam a isto «globalização» …
O que fica são os edifícios das fábricas abandonadas e os equipamentos ferrugentos que se vêem por muitos lados. O aspecto é um pouco degradante. Encontram-se montes de ferro velho e asfalto por muitas partes. A beleza há tempos que não vive por aqui. Irá levar tempo a reabilitar estes espaços antes usados por indústrias ultrapassadas.
Mas o centro de Chicago é moderno. Os arranha-céus são tão altos que podemos vê-los a muitos quilómetros de distância. De facto, a cidade continua a ter um lugar importantíssimo no mundo de negócios.

Aproveito esta oportunidade para dar a conhecer aos meus compatriotas uma figura de luso-americano nascido e educado aqui em Chicago que se afirmou como um gigante no mundo da arquitectura americana. O seu nome é William Pereira. Filho de portugueses, nasceu em 1909 e faleceu em 1985. Teve um irmão que também era arquitecto mas não tão talentoso. O arquitecto Pereira era famoso pelo seu estilo futurista, tal como o edifício «pirâmide» (tem nome: «Transamerica») na cidade de San Francisco, que hoje é o ícone que identifica a cidade. Durante a sua carreira profissional, Pereira projectou o aeroporto internacional de Los Angeles, o planeamento da cidade de Irvine, o «campus» da Universidade da Califórnia em Irvine, o Museu de Arte de Los Angeles e centenas de outras obras de grande valor por todo o país. Em 1949, Pereira passou a ser também professor na Universidade de Southern California (USC) e chegou a ser dele a empresa de arquitectos que maior prestígio alcançou na América. Enfim, foi um dos grandes luso-americanos. Deve ser conhecido e reconhecido por nós pelo seu valor.
A visita a Chicago teve para mim um interesse especial. Lembro-me de, quando na faculdade, eu e os meus colegas que cursávamos Urbanismo ou Planeamento Urbano, tivemos de estudar uma iniciativa que tinha o nome de «The City Beautiful Movement» (o Embelezamento da Cidade). A iniciativa não começou em Chicago mas veio a ser aplicada pela primeira vez nesta cidade.

A segunda metade do século dezanove e os princípios do século vinte foram um período de grande transformação e mudança na sociedade americana em resultado da revolução industrial. Os dias de uma actividade agrária simples terminaram para dar começo a uma vida muito mais complexa, com bons e maus resultados. Uma grande parte da população veio viver para a cidade em busca de melhor vida, o que nem sempre aconteceu. As cidades começaram a revelar, num espaço concentrado, todos os males da sociedade: pobreza, crime, degradação de partes das cidades e, em muitos casos, o desespero de muita gente. Os residentes que tinham poder de compra, com o avanço de melhores meios de transporte individual, tinham encontrado e estabelecido residência nos subúrbios, abandonando os centros das cidades para as classes pobres, fenómeno este que ainda hoje se mantém.

Assim, alguma coisa tinha que ser feita para resolver o problema.
Os principais protagonistas do Embelezamento da Cidade acreditavam que isso de melhorar e embelezar as cidades iria ter um resultado positivo nas pessoas que as habitavam, inspirando-as a melhorar as suas condições de vida. Um outro objectivo era atrair para o centro das cidades as classes mais influentes. Seria uma maneira simples de corrigir ou aliviar problemas sociais complicados ou difíceis de resolver. A primeira aplicação desta iniciativa teve lugar em Chicago em 1893. Uma grande parte da urbe fronteira ao lago Michigan ficou transformada numa área lindíssima para receber a Feira Mundial – Columbian Exposition de 1893. Grandes arquitectos de fama mundial, tais como Louis Sullivan e Frederick Law Olmsted participaram no projecto.

O lugar embelezado teve um sucesso extraordinário e desde então tem servido de modelo a outras iniciativas semelhantes por toda a América.
É interessante notar a grande semelhança desta iniciativa com a reabilitação da área degradada na margem do rio Tejo, em Lisboa, que albergou a Exposição Mundial de 1998.

Uma vez mais, é tempo de partir. Neste momento já estamos próximos do nosso destino. Temos, uma vez mais, de ajustar os relógios, pois em breve entraremos na zona que já atinge uma diferença de três horas da hora local da nossa partida da Califórnia.

Alcides Freitas

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