É o terceiro dia da nossa viagem. Esta manhã, no hotel, tive conhecimento de que o tempo no mid-oeste estava turbulento e que era potencialmente perigoso. Meteorologistas, ao serviço da televisão e da imprensa, anunciavam previsões de ventos fortes, trovoadas, e até possibilidade de furacões nas regiões sul-oeste, a uns quinhentos quilómetros de onde estávamos. Estudámos as previsões e os mapas e decidimos partir o mais depressa possível. Com um bocadinho de sorte, poderíamos cruzar os estados do Wyoming e do Nebraska antes que a tempestade se virasse para o norte e viesse alterar o nosso programa.
A parte sul do Wyoming não tem montanhas. É uma região aberta, sem quaisquer barreiras, com terreno suavemente ondulado e coberto de verdes pastagens. Com a excepção da auto-estrada que percorremos e a linha de caminho de ferro quase paralela à nossa via, pouco mais parece ter alterado a fisionomia deste territorio desde tempos pré-históricos. São raras as vezes que avistamos qualquer tipo de povoação e, quando alguma se encontra, está sempre ao lado do caminho de ferro.
Não é de admirar que a maior parte das cidades no interior da América devem a sua existência ao caminho de ferro, salvo aquelas que se encontram ao lado dos grandes rios, tais como Omaha, Kansas City, Minneapolis, St. Louis, Memphis, etc. Estas cidades estão nas margens dos rios Missouri e Mississippi.
Antes da chegada dos pioneiros europeus e de outros aventureiros, isto era um território ocupado por muitas tribos indígenas. Os índios no Wyoming eram nómadas: mudavam-se de região para região, guiados pelo movimento das grandes manadas de búfalos e outros animais que lhes davam o sustento. Eram eles os Arapaho, Arikara, Bannock, Blackfeet, Cheyenne, Crow, Gros Ventre, Kiowa, Nez Perce, Sheep Eater, Sioux, Shoshone and Ute tribes.
Para os indios, isto deveria ser um autêntico paraíso. Pouco lhes faltava. Mas este paraíso não ia durar. Com a chegada dos primeiros caçadores de peles europeus e outros pioneiros, a região entrou numa fase cheia de conflitos e de guerra. Não tardou que os índios se dessem conta que os invasores traziam projectos, valores e aspirações pessoais muito diferentes. A terra e os animais que nela viviam eram para os indios propriedade comum e para ser venerada. Para os pioneiros brancos, a terra era um espaço a dividir pessoalmente e explorado, O búfalo, que era essencial à vida dos índios, era morto pelos invasores pela sua pele, para comercializarem. A guerra tornou-se inevitável. Os índios tudo fizeram para proteger as suas terras e maneiras de viver. Os pioneiros tentavam estabelecer-se nesta «nova fronteira» com a ajuda das forças militares americanas, vindas do Este dos Estados Unidos. Houve muitas mortes dos dois lados, mas no fim dos conflitos e combates foram os nativos quase totalmente desbaratados e os sobreviventes tiveram que submeter-se ao poder das «leis» dos novos ocupantes.
No período de 1807 a 1890, a região foi conhecida como o Oeste Selvagem (Wild West).
O maior negócio no Wyoming era a criação de gado que, em manadas, era guiado por cowboys desde as suas vastas pastagens para os novos centros de comércio de gado: Laramie, Cheyenne, e tantos outros centros em todo o mid-oeste.
Esta história da colonização da região, com todos os seus conflitos entre pioneiros, índios e cowboys, resolvidos pela «lei da pistola», tem sido imortalizada em filmes que nós tanto apreciávamos quando éramos garotos. Lamentavelmente, aqueles filmes raramente mostravam os lados todos de uma visão imparcial.
A nossa viagem prosseguiu, pois, apressadamente. Não muito longe da estrada, ocasionalmente, podíamos ver manadas de antílopes americanos (Antilocapra Americana). Lembrei-me então que este animal está a perder a luta pela sobrevivência com o desenvolvimento da região. Durante milhares de anos, o antílope migrou todos os anos para grandes distâncias. Mas agora muitas das suas rotas de migração estão a ser interrompidas pela construção de barragens, estradas, aquedutos, etc. Estas «trancas» ao movimento normal dos animais afectam não só a eles, afectam também outras espécies, como o lobo, o urso e o leão da montanha (também conhecido por puma), que vivem no Norte desta região e dependem dos antílopes para sobreviver.
Estamos a aproximar-nos de Laramie, cidade com um grande lugar na história do Oeste, mas que hoje parece ter perdido essa identidade. É pena que os líderes locais não tenham podido opor-se a esta sua «modernização», sacrificando o que ela tinha de histórico.
Seguimos viagem. Podemos notar, ao longo do nosso percurso, vários campos de extração de petróleo e gás natural. Paramos na capital de Wyoming, Cheyenne. Continua a chover e a ventar. Não há tempo a perder! A tempestade ainda nos ameaça. Temos que atravessar o Estado de Nebraska antes do anoitecer se quisermos fugir à borrasca. Nas últimas horas temos ouvido notícias de furacões, que destruíram completamente uma povoação no Estado de Kansas, mesmo a sul de onde nos encontramos.
A orografia do território do Nebraska é semelhante à do Wyoming, mas os solos são muito mais férteis. Aqui as propriedades são amplas, vastissimas. Quase todos os terrenos têm cultivos de milho, trigo ou soja. Ao invés do que se passa na Califórnia, aqui o trabalho na agricultura não requer muita mão de obra. O trabalho é feito com máquinas operadas pelo proprietário e membros da familia. Em geral, cada proprietário cultiva em média 150 hectares. Não vejo pomares nenhuns, um quintalzinho com couves, nabiças, saladas, aipo, cenouras, etc. Este tipo de produtos vêm da Califórnia, onde há necessidade de empregar muitos trabalhadores no cultivo de legumes. No mid-oeste a população é 98% branca e… muito conservadora.
Depois de ver campos de milho ao longo de mais de 300 quilómetros, chegamos finalmente à linda e moderna cidade de Omaha.
Estou cansado. Esta noite vou dormir bem! E amanhã, ao fim do dia, contamos estar em Chicago.
Alcides Freitas