12 de março de 2007

ÀS VEZES TUDO PARA MIM ERA POESIA

HILÁRIO COSTA NA PRIMEIRA PESSOA


Nasci na madrugada do dia 12 de Março de 1907. A minha mãe, Maria dos Santos Silva, que era muito bondosa, acarinhou-me durante o tempo que vivi com ela. Faleceu em 1936, com 77 anos, tendo sofrido muitos anos de uma úlcera no estômago. O meu pai, Domingos Simões da Costa, faleceu quando eu tinha dois anos de idade, ou seja em 1909.

Aos sete anos de idade dei entrada na Escola da Quinta Nova, tendo feito a 4ª Classe na Escola de Bustos, no dia 3 de Agosto de 1918, com 11 anos de idade; e assim terminaram os meus estudos oficiais.

Depois fui trabalhar para o estabelecimento do meu tio Augusto Costa, onde permaneci cerca de um ano; mas aos 13 anos, abri loja de mercearias e taverna na minha casa, o que durou 3 anos. E os 3 anos seguintes – de 1923 a 1926 – passei-os em suave convívio duma alegre mocidade.

Tinha 19 anos quando me despedi da minha mãe e de alguns familiares e amigos tendo saído de minha casa e da minha terra, a caminho da América. Em Oliveira do Bairro embarquei no comboio que me transportou a Lisboa e dela segui para Cherbourg, na França. E, naquele porto francês, embarquei no navio americano “George Washington”, que me levou a New York. Saí da minha terra aos 12 dias do mês de Dezembro de 1926 e cheguei aos Estados Unidos da América no dia 22 do mesmo mês.

Enquanto o navio seguia o seu destino pensei em coisas que me eram muito queridas e escrevi esta quadra em louvor da minha mãe:

Suprema entre as mulheres
Sejas sempre, mãe querida
E vai guiando, se puderes
Os passos da minha vida

Depois a luta pela vida. Fui trabalhar numa fábrica com o título “ Terra Cotta”, fábrica de esculturas feitas com barro e diversos materiais, por competentes artistas, para museus e frontarias dos edifícios do Estado e de casas particulares, muito em uso naquela época. Era eu que mexia o gesso com uma betoneira eléctrica.

Gostava de ver os artistas transformarem o barro em figuras humanas, animais, flores. Mas pouco tempo permaneci naquela fábrica tendo ido para New Rochelle, bela cidade do estado de New York, onde vivi parte dos meus 48 anos de emigrante. E lá comecei a trabalhar na construção de estradas. Alguns desses trabalhos eram feitos com pá e picareta, ou com um marrão pesadíssimo a partir pedra, como escravo.
Em 1928 fui secretário da Assembleia Geral do Portuguese Sporting Club, de Perth Amboy, New Jersey.

Em 1932 a grave crise económica que o Presidente Hoover criou (ou não evitou) atirou para o desemprego milhões de trabalhadores, obrigando-nos a abandonar a América e vir para as nossas terras; para não termos de caminhar, em bicha, de mãos estendidas, e não passarmos fome. Tinha eu 25 anos.
Regressei a Portugal em 1932 e, a 29 de Dezembro, fui eleito secretário do “Luzitano Foot-Ball Club”. O primeiro clube a ser fundado em Bustos para a realização de futebol e bailes.

Passados dois anos de uma vida activa em Portugal, pintando os quadros que ofereci às escolas de Bustos, eis-me novamente a caminho da América.

Trabalhei em restaurantes na cidade de New Rochelle e New York. Devido ao frio contraí grave doença, tendo sido levado para o Hospital onde fui operado. Doente, triste e sem o carinho da minha mãe e dos meus familiares e amigos, eis a realidade dum emigrante!

Tive novamente de regressar a Portugal para recuperar da saúde, onde permaneci cerca de 2 anos. Mas não desanimei. Era necessário emigrar, procurara longe da Pátria – o que a Pátria não oferecia…
Em Junho de 1935 eu e alguns bustuenses avistámo-nos com o Senhor Doutor Manuel dos Santos Pato, para cedência do seu terreno para a feira e ele, com muita satisfação, cedeu ao nosso pedido. Era eu presidente da União Liberal de Bustos, organização cívica de republicanos de Bustos, Mamarrosa, Troviscal e Palhaça e Taboaço, com a finalidade de realizar enterros civis e de protecção aos pobres da freguesia.
Na América, de 1937 a 1946, fui empreiteiro de jardins em casas particulares e jardins de restaurantes famosos. Regressei à minha terra em 1946, não me sendo possível regressar mais cedo por causa da Guerra. Fui feliz por ter regressado e casado com a mulher, Aldina Mota e Gala, que eu desejei para esposa, cujo enlace matrimonial se realizou a 28 de Setembro de 1946. Tinha 39 anos e ela 21. Do nosso casamento nasceram dois filhos: Milton e Hilário.
A 8 de Outubro de 1939 eu e um grupo de portugueses fundámos o “Portuguese -American Club”, em New Rochelle, New York. E, a 27 de Dezembro de 1942 fui eleito presidente, sendo reeleito a 9 de Janeiro de 1944.

Fui e regressei algumas vezes. E lá fora lutei muitas vezes com sacrifício. E sempre levava no pensamento a minha aldeia. E nela a minha mãe, os meus familiares e as pessoas da minha amizade.

Em Portugal, a 30 de Julho de 1953, foi inaugurado um pára-raios que ofereci à Escola de Bustos. Por duas vezes ofereci pára-raios à Escola da Quinta Nova. Durante 12 anos, pelo Natal, eu e a minha esposa oferecemos magustos às crianças da freguesia.

Escrevi no meu primeiro livro “ Versos de um Emigrante” e, em 1955, o livro de versos “Rosas e Espinhos.” Em 1968 fiz o meu busto em barro, tendo sido copiado para o bronze numa das mais famosas oficinas de New York.
Às vezes tudo para mim era poesia, a encorajar-me para prosseguir na luta. E assim, nas minhas horas de descanso escrevia, pintava ou moldava. Procurava aprender alguma coisa, ser alguém.

Em 1969, na América, publiquei o jornal “Farol da Liberdade”. Nele, entre outros artigos e notícias escrevi “Carta Aberta ao Professor Marcelo Caetano, Presidente do Conselho do Governo Português”, lembrando-o que os portugueses não podiam continuar a viver em ditadura e sob a lei opressora da PIDE, e era a ele que competia dar ao povo liberdade e democracia. Mas Marcelo Caetano não me quis ouvir e daí a cinco anos, na madrugada do dia 25 de Abril, briosos e valentes soldados lhe bateram à porta, exigindo para se afastar do país. E Marcelo Caetano embarcou para o Brasil, onde faleceu e foi sepultado.

Regressei a Portugal e assisti a diversas sessões de propaganda democrática, durante a ditadura e discursei em Estarreja, Ílhavo Bustos, Mamarrosa e Troviscal. Com alguns dos homens de maior prestígio do distrito de Aveiro, como cidadãos e democratas convictos. Muitos deles sofreram na prisão as torturas da tenebrosa PIDE e eu, se não fui preso é porque me afastei da casa à pressa, porque sabia que no dia seguinte me vinham buscar. Pois no dia seguinte bateram à minha porta e a minha esposa mostrou-lhes um telegrama que dizia: - Cheguei bem.
Cheguei são e salvo à terra da Liberdade! E os Pides seguiram o caminho de Coimbra, desgostosos!”

Chegou o 25 de Abril do meu contentamento, pela restauração da democracia e liberdade em Portugal. E o meu amigo Dr. Manuel Santos Pato, da Mamarrosa, telegrafou-me para a América convidando-me para regressar imediatamente, para publicarmos um jornal. Regressei e o jornal foi publicado com o título “Bairrada Livre”, jornal quinzenário democrático e defensor da região bairradina”, com redacção e administração na minha casa do Sobreiro. Iniciámos a sua publicação a 12 de Julho de 1974. E a 6 de Julho de 1975 terminei a sua publicação. A razão deve-se ao facto de ter falecido o meu amigo Dr. Santos Pato e eu não querer continuar com tantas despesas e responsabilidades.”
Após a minha chegada a Bustos, vindo dos Estados Unidos da América, em 1974, e ainda no alvor da Revolução de Abril, foi convocado o povo da nossa terra para o Salão do Café Primor, tendo comparecido grande número de pessoas. E ali se discutiram assuntos de grande importância para o progresso de Bustos, tendo sido eleita a nova Junta de Freguesia, por unanimidade, ficando assim constituída: Hilário Costa (Presidente), Jó Ferreira Duarte (Secretário) e Amaral dos Reis Pedreiras (Tesoureiro).”
No dia 1 de Novembro de 1979, eu e 10 conterrâneos reunimo-nos muito animados com a ideia de comprar o Palacete dos herdeiros do Visconde.

Em 1980, eu e a minha esposa, fomos à Venezuela para visitar familiares e amigos e promover uma campanha no sentido de angariar fundos entre os nossos conterrâneos e amigos, para ajudarem a pagar a compra do Palacete. E isso contribuiu para que os nossos conterrâneos, naquele país, tenham enviado cerca de 3.200 contos.

Em 1982, nas festas do dia 18 de Fevereiro e 62º aniversário da nossa independência da freguesia da Mamarrosa, eu e o Sr. Vitorino Reis Pedreiras, hasteámos na varanda do Palacete as bandeiras, a nacional e a nova bandeira, símbolo de Bustos, com a presença de centenas de pessoas, a quem eu, com voz forte, disse:
- Viva Bustos! Viva o 18 de Fevereiro!”
Foi a primeira vez que estas bandeiras foram hasteadas no Palacete. E eu disse ao Sr. Vitorino: “ Se o Visconde aparecesse agora aqui, com sua juventude e o grande amor pela monarquia, atirava-nos desta janela à rua!”

Em 1983 fui eleito Presidente da Assembleia da Casa do Povo.

Em 1984 publiquei o livro “Bustos – Memórias de um Bustoense”.

Hilário Costa

A partir de: “Árvore Genealógica da Família Costa” (1988) e “Memórias de um Bustoense” (1984), edições do autor.

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