"o tempo escampa"
O céu foi-se cobrindo de nuvens, as nuvens carregaram-se de negrume e em breve a manhã se molhou num aguaceiro. Retidas em casa, as pessoas vigiavam o céu, desejando sair de enxada às costas, pois o trabalho as chamava ao campo aberto. Por fim, o céu começou a desanuviar-se e as pessoas disseram:
- O tempo escapa!
Talvez quisessem dizer que o pior já tinha passado ou que o tempo estava assim-assim, nem muito bom nem muito mau, até porque aquele dito lembrava outro, também bastante tradicional: Quem tem capa sempre escapa. Enfim, remediava.
Julgo que era este o sentido daquele dito tal como o entendiam os Bustuenses e que me habituei a ouvir nos meus verdes anos. Em data recente, por acaso, descobri duas coisinhas numa só: que o tempo não «escapa» mas, sim, escampa, isto é, que pára de chover, que o tempo se aclara; e que os Bustuenses sabiam falar. Usavam um vocabulário extenso e de nível invulgar, embora deturpando-o um tanto por falta de mais escola.
Este fenómeno é curioso e tem verdadeiro relevo cultural. Merecia estudo aprofundado, conforme venho afirmando no que tenho publicado sobre Bustos e sobre a Bairrada, deixando aqui e ali, de passagem, algumas achegas. A ele regresso com esta nota.
No âmbito de um mini-inquérito que apareceu no blogue que antecedeu este, surgiram contributos valiosos pela mão de Belino Costa (aido e outros), de Alcides Freitas (falocas = pipocas), etc. Há que distinguir, nesta questão, dois conjuntos diferentes: os termos «caros» que o povo usava, ou ainda usa, mais ou menos deturpados; e os termos que assumiram entre nós significados algo diferentes ou completamente novos, que os dicionários não registam.
Os termos «pátio» (dentro de casa, debaixo de telha), «aido», «apeirar» (a fogueira), «cabanal» (não é casa da eira), «quebrar o cambão» (comer as primeiras uvas do ano), estar o homem «zaruca» (embriagado) ou ser o «chona» (o último classificado), ou «carrapito» (ponta da planta do milho), por exemplo, assumem aqui significações particulares. Por outro lado, termos como, por exemplo, «trapezonga» (mulher desajeitada), ou «talisca», ou «fulestrias» (palhaçadas) sofrem por vezes deformações na boca dos populares. As corruptelas podem mesmo tornar difíceis as respectivas identificações.
Apesar de tudo, teremos de concluir que o nosso povo tradicional falava vernáculo. Pelo menos outrora, sabia usar uma linguagem rica e até supreendentemente categorizada. Seria por influência da (relativa) vizinhança da Universidade de Coimbra, como já aventei? Mas o tempo passou, parece que não escampa, e agora não sei bem como é. Estamos sob a influência massificadora da televisão. Reinará a linguagem bué de cool?
Arsénio Mota
- O tempo escapa!
Talvez quisessem dizer que o pior já tinha passado ou que o tempo estava assim-assim, nem muito bom nem muito mau, até porque aquele dito lembrava outro, também bastante tradicional: Quem tem capa sempre escapa. Enfim, remediava.
Julgo que era este o sentido daquele dito tal como o entendiam os Bustuenses e que me habituei a ouvir nos meus verdes anos. Em data recente, por acaso, descobri duas coisinhas numa só: que o tempo não «escapa» mas, sim, escampa, isto é, que pára de chover, que o tempo se aclara; e que os Bustuenses sabiam falar. Usavam um vocabulário extenso e de nível invulgar, embora deturpando-o um tanto por falta de mais escola.
Este fenómeno é curioso e tem verdadeiro relevo cultural. Merecia estudo aprofundado, conforme venho afirmando no que tenho publicado sobre Bustos e sobre a Bairrada, deixando aqui e ali, de passagem, algumas achegas. A ele regresso com esta nota.
No âmbito de um mini-inquérito que apareceu no blogue que antecedeu este, surgiram contributos valiosos pela mão de Belino Costa (aido e outros), de Alcides Freitas (falocas = pipocas), etc. Há que distinguir, nesta questão, dois conjuntos diferentes: os termos «caros» que o povo usava, ou ainda usa, mais ou menos deturpados; e os termos que assumiram entre nós significados algo diferentes ou completamente novos, que os dicionários não registam.
Os termos «pátio» (dentro de casa, debaixo de telha), «aido», «apeirar» (a fogueira), «cabanal» (não é casa da eira), «quebrar o cambão» (comer as primeiras uvas do ano), estar o homem «zaruca» (embriagado) ou ser o «chona» (o último classificado), ou «carrapito» (ponta da planta do milho), por exemplo, assumem aqui significações particulares. Por outro lado, termos como, por exemplo, «trapezonga» (mulher desajeitada), ou «talisca», ou «fulestrias» (palhaçadas) sofrem por vezes deformações na boca dos populares. As corruptelas podem mesmo tornar difíceis as respectivas identificações.
Apesar de tudo, teremos de concluir que o nosso povo tradicional falava vernáculo. Pelo menos outrora, sabia usar uma linguagem rica e até supreendentemente categorizada. Seria por influência da (relativa) vizinhança da Universidade de Coimbra, como já aventei? Mas o tempo passou, parece que não escampa, e agora não sei bem como é. Estamos sob a influência massificadora da televisão. Reinará a linguagem bué de cool?
Arsénio Mota
Arsénio Mota retirou da caverna do esquecimento mais um termo(escampar) da antiga fala de Bustos. ... É a oportunidade para o Nelson Figueiredo dar a conhecer alguns dos termos locais recolhidos ao longo de anos de pesquisa. Será desta?
ResponderEliminarArsénio Mota recebeu prémio da gândara. Amigos, o Notícias de Bustos não publica a reportagem? Não há fotografias?
ResponderEliminaruma dúvida.
Amoreira da Gândara é da bairrada ou é da gândara do marquês de marialva?
No falar do povo lembro;
ResponderEliminarespipar, embude (aluquete), auga, sinsaimão (signo de Salomão ou Estrela de David), fugueiro (fueiro), ópois (depois).