Para a homenagem de 18 de Fevereiro de 1960 Jacinto Simões dos Louros tinha preparado um discurso onde narrava alguns dos momentos decisivos na luta pela emancipação da Mamarrosa. A pouca luz que iluminava o palco e uns olhos já cansados não lhe permitiram a leitura de tão importante documento, pelo que acabou por improvisar a sua intervenção na cerimónia. Mas uns meses depois, em carta de três de Maio, escreve a Vitorino Reis Pedreiras dizendo:
“Incluso envio uma cópia do que tinha escrito para ler na comemoração dos 40 anos da criação da freguesia que a falta de luz não permitiu. Como uma grande parte da gente nova não conhece os trabalhos que esse facto originou, e até muitos dessa época o desconhecem, a razão porque lhe envio essa cópia, para a tornar conhecida de todos pois que só o meu amigo e compadre Dr. Pato a leu.”
O documento acabou por ficar no fundo de uma gaveta até que hoje é finalmente divulgado, cumprindo-se assim a vontade do seu autor.
Jacinto dos Louros com um neto na Costa Nova“Incluso envio uma cópia do que tinha escrito para ler na comemoração dos 40 anos da criação da freguesia que a falta de luz não permitiu. Como uma grande parte da gente nova não conhece os trabalhos que esse facto originou, e até muitos dessa época o desconhecem, a razão porque lhe envio essa cópia, para a tornar conhecida de todos pois que só o meu amigo e compadre Dr. Pato a leu.”
O documento acabou por ficar no fundo de uma gaveta até que hoje é finalmente divulgado, cumprindo-se assim a vontade do seu autor.
Exma. Comissão.
Os meus agradecimentos o pelo convite que V. Exas. tiveram a gentileza de me enviar para assistir a esta festinha comemorativa da criação desta freguesia. Tal acontecimento constitui padrão de honra para o povo de Bustos e ainda hoje é, e será para os vindouros, um marco a atestar a dedicação de quantos, pelo engrandecimento da terra onde nasceram. Encheu-nos de satisfação e constitui o coroamento de uma obra erguida com grande persistência, desinteresse e bastante sacrifício pessoal. Por isso é justa a vossa gratidão e aceito-a, na medida em que ela me é atribuída, mas nesta obra fui acompanhado por um grupo de homens de bem desta terra que por isso mesmo merecem também o vosso preito, muitos dos quais já faleceram. Mas mortos ou vivos, eu aqui os lembro sem os nomear porque foram todos os republicanos de Bustos, como também esse grande vulto já falecido que foi o Sr. Dr. Barbosa de Magalhães, que junto do governo patrocinou as minhas pretensões. Pelos que ainda são vivos, como eu, e em memória daqueles que já faleceram agradeço-vos o terdes lembrado da data da criação da nossa freguesia e a maneira como o lembrais. Muito obrigado.
ARRISCANDO A PRÓPRIA VIDA
E já agora a proveito a oportunidade para dizer que desde algum tempo eu vinha acalentando comigo a ideia de promover a criação da freguesia, em consequência das rixas constantes entre Mamarrosa e Bustos, rixas que iam sempre aumentando, quer por exigências injustas da sede da freguesia, quer por incapacidade de certos líderes locais. Alguns tendo originado conflitos gravíssimos que só a nossa intervenção evitou. Politicamente trabalhei sempre no sentido de fortalecer certas posições que permitissem, com a acção do tempo, alcançar a emancipação administrativa da minha terra. Trabalhando muito em tal sentido. Travámos duras lutas, arriscando muitas vezes, e não poucas, a própria vida e o bem-estar familiar. Tivemos grandes canseiras, mas também tivemos a compensação de atingirmos uma força tal que não podia deixar de ser atendida nas justas pretensões que se empenhasse.
Não vou maçar-vos com ao relato pormenorizado da conquista dessa força que obtivemos, através de actos praticados em largo período de tempo, porque isso demoraria muitas horas a contar mas não fujo à tentação de referir dois factos dessa força que conquistámos e por via da qual conseguimos a criação desta freguesia.
Quando fui eleito vogal e nomeado presidente da Junta de Freguesia da Mamarrosa, em 1915, apresentei no acto de posse o meu programa, que era de serem divididos os rendimentos líquidos da freguesia em 50% para a Mamarrosa e 50% para Bustos. Os elementos da sede protestaram contra o meu programa, mas ao fim e ao cabo, aparentemente, conformaram-se em virtude da nossa justa intransigência. E digo justa porque os rendimentos da sede eram muito inferiores aos de Bustos.
Em consequência desse meu programa Bustos alcançou uma posição que até ali nunca tivera. Dela só podíamos caminhar para a frente.
A ELEIÇÃO DE 1918
Vem depois a eleição da Junta de 1918 para a qual resolvemos, os republicanos da Mamarrosa e Bustos, disputar a maioria, sendo escolhidos dois representantes da sede e dois de Bustos, ficando a minoria para os monárquicos. Apesar desta resolução que tomámos em reunião conjunta, os republicanos e monárquicos da Mamarrosa vieram a fazer um acordo secreto para a oposição de Bustos no acto eleitoral. Como? Cortando os nomes dos representantes de Bustos nas listas e escrevendo o nome de João dos Reis. Mas o golpe não produziu efeito porque, conhecedor do facto há última da hora, ainda pude neutralizá-lo, levando os eleitores de Bustos a utilizarem o espírito do mesmo acordo mas em sentido contrário. E o resultado, depois na contagem das listas após o acto eleitoral, foi este: Bustos ficava na Junta com os dois representantes da maioria e com o da minoria. Claro, com este reverso com que não contavam, porque não sonhavam que o segredo fosse conhecido, os republicanos e monárquicos da Mamarrosa deram cavaco, e daí o terem resolvido, como represália, que os seus dois representantes não tomassem posse, como não tomaram. Durante algum tempo a Junta só funcionou com os representantes de Bustos.
APARECE O DR. BARBOSA DE MAGALHÃES
Podia eu, naturalmente, como presidente e de harmonia com a Lei chamar os suplentes, mas achei preferível não o fazer, manter em aberto o problema perante as instâncias superiores, e dar-me probabilidades de indicar a criação desta freguesia como única solução, e lá em cima admitirem-na.
Meu dito, meu feito. A indagar da questão política da freguesia aparece um dia em minha casa o Senhor Dr. Barbosa de Magalhães a quem eu pus, com lealdade, ao corrente do que se passava com a Junta de Freguesia sem os representantes da sede, por estes se recusarem a tomar posse. Momentos depois apareceram a bater-me à porta um grupo de republicanos da Mamarrosa que pretendiam falar com o Exmo. Sr. Barbosa de Magalhães. Mandei-os entrar e postos frente a frente comigo, pela própria boca dos homens da Mamarrosa pôde aquele ilustre político verificar que não fui eu quem lhe não quis dar posse, como eles o tinham informado, mas sim eles que não a quiseram tomar.
Em face desta prova diz-lhes: Os senhores não tomaram posse até agora mas vão tomá-la agora. O falecido senhor António Simões dos Santos diz: Nós não podemos tomar posse porque os nossos amigos diziam-nos que este senhor sempre nos tinha levado a beber água sem a gente querer. O Sr. Dr. Barbosa de Magalhães diz-lhes: Os senhores meteram-se num beco sem saída. Agora o que querem que eu lhes faça? Muita paciência tem tido o senhor Jacinto dos Louros, porque já vi que ele conhece bem a Lei e não quis chamar os suplentes para os não deixar mal colocados e os senhores teimam em não querer tomar posse. Repito: o que querem que eu lhes faça?
Como ninguém respondeu eu aproveitei esse silêncio e pedi licença para dizer: Como Vª Ex.ª há pouco disse, e muito bem, estes senhores meteram-se num beco sem saída. Se Vª Ex.ª concordar e estes senhores também eu vou indicar a única solução adequada ao problema de que estes senhores foram causa. Está mais do que provado de que não há possibilidades de nos podermos entender enquanto não estivermos separados.
É uma velha aspiração da minha terra emancipar-se para por cobro a estas rixas que vem de longe. Julgo ter chegado essa oportunidade de realizar essa justa aspiração para bem de todos.
É a solução que me permito indicar a V. Ex.ª para o problema que estes senhores levantaram, e eles mesmos hão-de reconhecer que é o meio para evitar grandes conflitos, que é de toda a conveniência evitar. Em face da minha proposta o Exmo. Sr. Dr. Barbosa de Magalhães, indagou dos representantes da Mamarrosa se concordavam comigo, ao que eles responderam: Em função do caminho que as coisas tomaram agora concordamos. Então o Exmo. Sr. Dr. Barbosa de Magalhães rematou a conversa com estes dizeres: O Sr. Jacinto dos Louros trata do plebiscito, e tudo quanto for necessário do Governo diga-me, porque tudo lhe será concedido.
Esta foi a fase final da luta que travámos para a criação desta freguesia, da qual saímos vitoriosos para honra e prestígio da nossa terra, criando-lhe assim esse padrão de glória. que fica eternamente a atestar aos vindouros o bairrismo e a dedicação dos republicanos dessa época.
Jacinto Simões dos Louros
Meu dito, meu feito. A indagar da questão política da freguesia aparece um dia em minha casa o Senhor Dr. Barbosa de Magalhães a quem eu pus, com lealdade, ao corrente do que se passava com a Junta de Freguesia sem os representantes da sede, por estes se recusarem a tomar posse. Momentos depois apareceram a bater-me à porta um grupo de republicanos da Mamarrosa que pretendiam falar com o Exmo. Sr. Barbosa de Magalhães. Mandei-os entrar e postos frente a frente comigo, pela própria boca dos homens da Mamarrosa pôde aquele ilustre político verificar que não fui eu quem lhe não quis dar posse, como eles o tinham informado, mas sim eles que não a quiseram tomar.
Em face desta prova diz-lhes: Os senhores não tomaram posse até agora mas vão tomá-la agora. O falecido senhor António Simões dos Santos diz: Nós não podemos tomar posse porque os nossos amigos diziam-nos que este senhor sempre nos tinha levado a beber água sem a gente querer. O Sr. Dr. Barbosa de Magalhães diz-lhes: Os senhores meteram-se num beco sem saída. Agora o que querem que eu lhes faça? Muita paciência tem tido o senhor Jacinto dos Louros, porque já vi que ele conhece bem a Lei e não quis chamar os suplentes para os não deixar mal colocados e os senhores teimam em não querer tomar posse. Repito: o que querem que eu lhes faça?
Como ninguém respondeu eu aproveitei esse silêncio e pedi licença para dizer: Como Vª Ex.ª há pouco disse, e muito bem, estes senhores meteram-se num beco sem saída. Se Vª Ex.ª concordar e estes senhores também eu vou indicar a única solução adequada ao problema de que estes senhores foram causa. Está mais do que provado de que não há possibilidades de nos podermos entender enquanto não estivermos separados.
É uma velha aspiração da minha terra emancipar-se para por cobro a estas rixas que vem de longe. Julgo ter chegado essa oportunidade de realizar essa justa aspiração para bem de todos.
É a solução que me permito indicar a V. Ex.ª para o problema que estes senhores levantaram, e eles mesmos hão-de reconhecer que é o meio para evitar grandes conflitos, que é de toda a conveniência evitar. Em face da minha proposta o Exmo. Sr. Dr. Barbosa de Magalhães, indagou dos representantes da Mamarrosa se concordavam comigo, ao que eles responderam: Em função do caminho que as coisas tomaram agora concordamos. Então o Exmo. Sr. Dr. Barbosa de Magalhães rematou a conversa com estes dizeres: O Sr. Jacinto dos Louros trata do plebiscito, e tudo quanto for necessário do Governo diga-me, porque tudo lhe será concedido.
Esta foi a fase final da luta que travámos para a criação desta freguesia, da qual saímos vitoriosos para honra e prestígio da nossa terra, criando-lhe assim esse padrão de glória. que fica eternamente a atestar aos vindouros o bairrismo e a dedicação dos republicanos dessa época.
Jacinto Simões dos Louros
Reparo que ser da Mamarrosa era mais importante do quem ser monarquico ou republicano daí a aliança entre os dois. É curioso verificar que tempos houve em que a terra estava primeiro e só depois vinha a ideologia.
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