Aos anos heróicos da Primeira República que culminam, em 1920, com a consagração da independência política e administrativa de Bustos, seguem-se outros em que “ a velha ordem”, desta vez tutelada por Salazar, impõe o silêncio.
Instala-se a ditadura do Estado Novo (1926), chega a crise provocada pela Segunda Grande Guerra Mundial (1939-45) e o povo de Bustos labuta de sol a sol sem horas ou razão para grandes festas.
Quatro décadas de resistência surda passam, e o tempo, que parece quieto, não pára de rodar. Surge o ano de 1960, inicia-se uma década de grandes conquistas tecnológicas e científicas. Gagarine torna-se o primeiro homem a dar a volta à terra a bordo de uma cápsula espacial, os Estados Unidos lançam o primeiro porta-aviões movido a energia nuclear, em África multiplicam-se as independências, os Beatles invadem as telefonias e marcam uma nova ruptura geracional, é lançada no mercado a primeira pílula anticoncepcional.
Longe do fervilhar que parece contagiar o planeta, Portugal permanece fechado num destino agrícola, voltando as costas à renovação e à democracia. A abrir o ano de 1960 Álvaro Cunhal escapa-se do forte de Peniche (3 de Janeiro), enquanto os de Bustos vivem dias invernosos que provocam atrasos na labuta das vinhas. “Os poços deitam fora e nos terrenos de barro é impossível o trabalho.”(1)
A vida é dura, mas no meio da intempérie há quem sinta os ventos de mudança que atravessam o mundo. Estes, na urgência de agir, reúnem-se, organizam-se. O movimento, agora liderado pelos filhos da geração que no início do século XX se bateu por Bustos e pela República, surge com o título de Comissão de Melhoramentos de Bustos. A ambição dos seus fundadores vai muito para lá da mera retórica. Têm projectos, são gente de acção e numa corajosa afirmação de cidadania, desafiando o poder estabelecido, começam por devolver ao povo o direito à palavra.
Panfletos espalhados por toda a freguesia, colados nas montras dos cafés, nas portas das tabernas, aparecem a convidar a população para uma assembleia magna no Bustos Sonoro Cine. O desafio é claro e assumido. Na noite do primeiro dia do mês de Janeiro de 1960 o “Clube de Bustos” abre as suas portas para uma afirmação de democracia em tempo de ditadura.Instala-se a ditadura do Estado Novo (1926), chega a crise provocada pela Segunda Grande Guerra Mundial (1939-45) e o povo de Bustos labuta de sol a sol sem horas ou razão para grandes festas.
Quatro décadas de resistência surda passam, e o tempo, que parece quieto, não pára de rodar. Surge o ano de 1960, inicia-se uma década de grandes conquistas tecnológicas e científicas. Gagarine torna-se o primeiro homem a dar a volta à terra a bordo de uma cápsula espacial, os Estados Unidos lançam o primeiro porta-aviões movido a energia nuclear, em África multiplicam-se as independências, os Beatles invadem as telefonias e marcam uma nova ruptura geracional, é lançada no mercado a primeira pílula anticoncepcional.
Longe do fervilhar que parece contagiar o planeta, Portugal permanece fechado num destino agrícola, voltando as costas à renovação e à democracia. A abrir o ano de 1960 Álvaro Cunhal escapa-se do forte de Peniche (3 de Janeiro), enquanto os de Bustos vivem dias invernosos que provocam atrasos na labuta das vinhas. “Os poços deitam fora e nos terrenos de barro é impossível o trabalho.”(1)
A vida é dura, mas no meio da intempérie há quem sinta os ventos de mudança que atravessam o mundo. Estes, na urgência de agir, reúnem-se, organizam-se. O movimento, agora liderado pelos filhos da geração que no início do século XX se bateu por Bustos e pela República, surge com o título de Comissão de Melhoramentos de Bustos. A ambição dos seus fundadores vai muito para lá da mera retórica. Têm projectos, são gente de acção e numa corajosa afirmação de cidadania, desafiando o poder estabelecido, começam por devolver ao povo o direito à palavra.
“O povo, desejoso de encarar uma renovação séria da vida local” (2) ocorre em grande número, a sala fica cheia e com muita gente em pé. Há no ar um frémito de agitação, os olhos de muitos resplandecem. E a agitação cresce, o burburinho aumenta quando entra na sala o único homem que, verdadeiramente, não tinha sido convidado, o padre Vidal.
À mesa da assembleia, ricamente atoalhada e com uma flor no centro, tomam assento o Dr. Manuel dos Santos Pato, como presidente, ladeado pelos secretários, Tavares da Silva e Manuel Simões dos Santos (na foto). Sentados no palco estão ainda: Engenheiro Pato, Dr. Jorge Micaelo, Dr. Horácio, Arsénio Mota e Graciano Simões Luzio.
Envergando um elegante casaco comprido de três botões, o engenheiro Pato explica à assembleia as intenções da Comissão de Melhoramentos, as suas funções. Refere propósitos, objectivos, insistindo sempre na “ausência de qualquer espécie da carácter político ou religioso” (3) da iniciativa. Estão ali para “desenvolver o progresso da nossa terra e realizar necessários melhoramentos. Incita mesmo a que todos mandem instruir os filhos para que possam um dia “ser úteis à terra natal” (3).
Feita esta introdução levanta-se na plateia o Sr. Mário Caiado que pede para intervir. O que é aceite. Quer chamar à atenção para o facto de se estar numa terra de agricultores “classe que não está representada na comissão de melhoramentos” (3), com o que discorda. E conclui, dizendo ser desejável que também se dedique alguma atenção “aos pobres que enxameiam a freguesia” (3).
O povo responde com fartos aplausos. É então que o padre Vidal se levanta de forma intempestiva. Sentindo-se visado, talvez por considerar pertencer-lhe o pelouro dos pobrezinhos, apressa-se a exibir os galões e vem dizer, “que ele e umas senhoras dão uma sopa aí a uns cinquenta pobrezinhos, e que era muito justo que tal fosse divulgado.” (3)
Até já enviara a notícia para o jornal.
“Não custa dar o que é dos outros” (3), diz num aparte Mário Caiado. E o prior, nervoso, cortante, agitando os braços, ataca a mesa da assembleia, diz que ali deveriam estar sentadas as autoridades locais, entre as quais ele próprio. Responde o engenheiro Pato, mas o pároco, enrubescido, não aceita réplicas e insiste nas suas teses. O caso promete não ter fim…
Tentando sanar o conflito o engenheiro leva à votação da assembleia as propostas do reverendo. Seguem-se duas votações e por duas vezes as pretensões do pároco são esmagadoramente recusadas. O burburinho aumenta, ouvem-se alguns comentários jocosos, e o Padre Vidal, incapaz de aguentar a desfeita, “revolta-se, perde a tramontana e diz que tem todo o direito de estar naquela comissão, pois que não admite que haja qualquer entidade em que ele não intervenha. Que está colocado em Bustos por direito e como tal não admite a sua exclusão em qualquer parcela da vida da freguesia. O seu rancor é manifesto, as ameaças surgem, mas ele sai desautorizado daquela reunião, a primeira da Comissão de Melhoramentos.” (3)
Bem ao invés do exaltado pároco a força da Comissão fica reforçada. A adesão popular não só legitima os autores da ideia, como lhes concede apoio para novas iniciativas. Mas todos sabem que as ameaças do reverendo António Henriques Vidal não podem ser ignoradas, terão que lhe disponibilizar um lugar no palco.
Antes da sessão ser encerrada dá-se a chamada para a Comissão de “Mário Caiado, Manuel Augusto dos Reis, e da professora Benilde, filha do Ferreira da Silva” (3). Tudo acaba em grande concórdia, nem falta um Grande Final, a demonstração de que aquela reunião é apenas o início de uma marcha. Fica assente, é solenemente anunciado um novo compromisso: a organização dos festejos assinalando o 40º aniversário da criação da freguesia.
Todos partem na certeza de um novo encontro estar marcado para o dia 18 de Fevereiro.
(continua)
Belino Costa
1- Jornal da Bairrada, 2 de Janeiro 1960, pag4
2- Desdobrável editado pela Comissão.
3- Vitorino Reis Pedreiras, livro de memórias, volume VI
Lindo!
ResponderEliminar