Dias depois, a meu pedido, Manuel Fabiano aceita, com satisfação, assar um leitão, na condição de ter origem caseira, para que os amigos pudessem recordar o antigo sabor desta especialidade.
Há cerca de um mês, sempre no “Barrilito”, apalavrei com Manuel Fabiano os preliminares tradicionais, necessários para assar o leitão (que acabaram por ser dois); marquei com o distinto Agostinho o almoço que teria lugar no Sábado. O 11 de Novembro foi o dia escolhido; fiz uma lista com algumas das “pessoas mais distintas de Bustos” que frequentam o “Barrilito” e, finalmente, encomendei os leitões a Manuel Fabiano.
“CABIDELA SEM SANGUE – NÃO É CABIDELA”
Mas havia um problema com a cabidela. É que o Sr. Manuel Fabiano, com receio da “Fiscalização”, (não sei qual), encomenda os leitões a um matadouro, mas este não entrega o sangue para fazer a cabidela.
“E cabidela sem sangue, não é cabidela”.
Uma curiosidade: a Srª Maria da Conceição Almeida Ferreira Santos Pato, esposa do Sr. Dr. Manuel dos Santos Pato, da Barreira, não optava pela cabidela. Aproveitava os miúdos para fazer um recheio.
“ROJÃO DO CARRO” FOI RECORDADO
O António Sá sugeriu que arranjasse leitões vivos e os mandasse matar a um amigo. Claro que não posso revelar o que fizemos depois. E nem quem os matou... no entanto, os leitões ilegais apareceram no Sobreiro e a matança, respeitando a tradição foi fotografada para a posteridade – até houve alusão à cerimónia do “rojão do carro”. (Declaro para efeitos judiciais que sou o único responsável pela encomenda e a chacina dos animaizinhos).
No dia 11 de manhã, tal como combinado, passei pelo “Barrilito” para me certificar do progresso do almoço e, logo à entrada da porta, apanho um choque. Lá estava afixado a morte do outro grande assador de leitões de Bustos, Jaime Dias dos Santos (Jaime Pinto) [1]. Disse-me o Sérgio Ferreira que em tempos, este homem foi sócio do Manuel Fabiano e que se mantiveram sempre amigos. Lembrei-me que lá se ia mais uma pessoa carismática de Bustos que ganhou fama com os leitões que assava na sua casa, no Caminho do Rio, hoje com o topónimo “Rua da Fonte”.
LÁGRIMAS PELO AMIGO E COLEGA JAIME PINTO
E parti para a casa do Manuel Fabiano. Os leitões já estavam assados.em forno aquecido com vides, condimentados a preceito e cosidos com fio carreto. Na presença do Sérgio Ferreira e do Comendador Ulisses Crespo conversámos um pouco. E ficámos a saber que, no dia anterior, Manuel Fabiano tinha celebrado o seu octogésimo aniversário, mas as lágrimas vieram-lhe aos olhos, não pela sua idade, mas pela morte do seu amigo, Jaime Pinto, companheiro de várias campanhas.
COINCIDÊNCIA INESQUECÍVEL
Foi por mero acaso eu ter organizado o almoço de leitão para o dia 11, já que não sabia que o Sr. Manuel Fabiano tinha feito anos no dia anterior. Foi uma coincidência inesquecível para mim e para os distintos amigos sentirmos a satisfação de ter à mesa o leitão da Bairrada assado à moda antiga com a supervisão de mestre. Convidado de honra, Manuel Fabiano, escusou-se a ir ao início do almoço, tendo aparecido mais tarde para alegria de todos. O que trouxe alegria a toda a distinta mesa mal compareceu.
O Sr. Manuel disse-nos que no mesmo dia iria a uma merenda de leitão, mas que ele era assado pelo Torres do Montouro.
Segundo ficou percebido, os dois leitões servidos no histórico almoço do “Barrilito” terão sido os últimos que Manuel Fabiano assou para nós. Aliás, soubemos que a sua mulher, preparou e ajudou a assar os leitões (como sempre ajudou), porque o seu marido “já não pode”.
PROFESSOR ALIADO DA TRADIÇÃO
.Não nos devemos esquecer que existiram e felizmente ainda existem homens na nossa terra que assaram e assam leitões por encomenda e que o sabor deles nada tem a ver com os dos “MacDonald’s” da Mealhada (uma observação do Professor americano Richard Bowker, que conhecia bem o sabor dos leitões de Bustos).
“Hoje a tradição está a perder-se”.
‘LEITÃO DA BAIRRADA’ UMA RELÍQUIA DE ARTE MUITO ANTIGA
Assar o ‘leitão da Bairrada’ é uma arte praticada desde há muito. Bustos teve e tem grandes e afamados assadores: Para além de Manuel Fabiano, o seu sogro e mestre Isaac Melo, o Jaime Pinto, o Gabriel (no Sobreiro só era conhecido por Grabiel), Jaime Pinto, o Mudo da Póvoa, o Mário Pires (só o faz para amigos), o Fernando Tavares e outros que não conheço. O OsKr e o Jaime andam a tirar o tirocínio e já dão conta do recado.
QUASE SÓ PARA HOMENS...
Antigamente, nas grandes casas de lavoura, o leitão era assado com a prata casa. «Era trabalho quase só para homens», dizia a Sr.ª Maria Júlia.
Por informação recolhida, houve e há outras senhoras especializadas na assadura do famoso ex-libris da gastronomia portuguesa, como por exemplo, as Sras Celestina Tavares, com estabelecimento junto à ala poente da feira do Sobreiro e Lisete Micaelo Santos. A Sr.ª Maria dos Santos, viúva de Jaime Pinto, também dava uma grande ajuda.
O PESO E O MOLHO NO CAMINHO DO BOM LEITÃO
Infelizmente alguns assadores assam leitões grandes (dão para a semana toda) e modificam o molho. Conheço um que junta piri-piri, sabe-se porquê?
Como digo muitas vezes, não se pode melhorar aquilo que é perfeito e a Sra. Maria Júlia que sabe destas coisas, desde o tempo do seu Pai, deu-nos a receita.
Para uma carcaça de um leitão até 10Kg:
1 mão (corcovada), cheia de sal
1 mão (corcovada) cheia de alho
2 colheres de banha
2 colheres de pimenta
1 copo de vinho branco (e fez o reparo, “nunca deitar cerveja”)
O SABOR DO LEITÃO DA BAIRRADA ESTÁ SER ADULTERADO.
O LEITÃO DA BAIRRADA E O CONSUMIDOR MERECEM SER PROTEGIDOS.
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[1] irmão de Evaristo Pinto.
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Milton Costa
Os leitões foram sacrificados em pleno dia e tendo o sol por testemunha notarial. Cumpriu-se a tradição, seguindo o legado deixado pelos ancestrais assadores, o que retirou a espada de Dâmocles da ameaçadora clandestinidade. Será clandestino seguir os passos de uma receita conventual que teria sido descoberta pela plebe?
ResponderEliminarNão será abrangido pelo instituto da clandestinidade, chacinar os leitões e atirá-los para um monte, macerando a sua frágil carne?
O leitão da Bairrada, que já não o é.para continuar a ser considerado um pitéu, tem de regressar às origens, até porque a sua prptecção estava abrangida pelo teor do “Tratado de Roma – TÍTULO II - A AGRICULTURA Artigo 39.o (...)
2. Na elaboração da política agrícola comum e dos métodos especiais que ela possa implicar, tomar-se-á em consideração:
a) A natureza particular da actividade agrícola decorrente da estrutura social da agricultura e das disparidades estruturais e naturais entre as diversas regiões agrícolas;
b) A necessidade de efectuar gradualmente as adaptações adequadas;
c) O facto de a agricultura constituir, nos Estados-membros, um sector intimamente ligado ao conjunto da economia.”
...
Pois....
fantasias... de aldeia.