11 de novembro de 2006

11 NOVEMBRO 1918 - ARMISTÍCIO

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GENTE DA NOSSA GENTE 1
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"Sócrates. Por consequência, Hermógenes, a formação de um nome não parece, como tu julgas, obra de pouca monta nem de gente medíocre ou de um homem qualquer”
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(Platão, Crátilo – Diálogo sobre a justeza dos nomes, Versão do grego, prefácio e notas pelo P.e Dias Palmeira, Livraria Sá da Costa Editora, 1ª edição, 1963)


MANUEL REIS PEDREIRAS & ANTÓNIO OLIVEIRA CRESPO PRISIONEIROS EM LA LYS


Relato de uma história, narrada por um dos seus protagonistas [1] na esplanada da Cervejaria Imperial, no Alto Mahé, em Lourenço Marques (Maputo).

Soavam os clarins a anunciar às nossas tropas que iriam participar com as forças aliadas na primeira Guerra Mundial em França. Do contingente faziam parte pessoas de Bustos. A saber, Manuel Simões Mota, Manuel António Martins, Manuel António Ferreira, Álvaro de Oliveira Canão, António de Oliveira Crespo e Manuel Reis Pedreiras os quais foram distribuídos por diversas companhias.

Acontece que, António de Oliveira Crespo e Manuel Reis Pedreiras, são destacados para La Lys, onde a 9 de Abril de 1918 teve lugar um cruento combate com as forças alemãs. As tropas portuguesas sofreram grandes baixas. Enquanto os que puderam, fugiram em debandada, o Manuel Reis Pedreiras e o António de Oliveira Crespo, foram feitos prisioneiros.

Ora, naqueles campos irregulares, lamacentos e escabrosos era impossível o acesso, quer a ambulâncias quer de qualquer carro ligeiro, o inimigo resolveu utilizar os prisioneiros como transporte humano dos seus feridos.

A guerra e o instinto de sobrevivência aguçam o valor e a astúcia dos homens, levando-os a cometer actos heróicos. Assim aconteceu com os nossos conterrâneos. Assim, o primeiro a ser submetido foi o António que, debilitado e faminto, além do fardo do inimigo, levava também o armamento e a marmita atestada de comida.

Durante o trajecto, o ingrato ferido, não cessou de golpear na cabeça o seu transporte e de o buzinar com "Durch deine schuld feizer', como quem diz, "é por tua culpa que estou aqui ferido". O Crespo, extenuado e irritado com a ingratidão da sua humana carga, perdeu a cabeça e, ao passar por uma ribeira com um pontiIhão formado por três troncos de árvore, lança o infame à ribeira.
A FUGA
Acto contínuo, liberta-o do armamento e víveres, abandona-o sem olhar para trás e parte em busca do companheiro. Caminha ao acaso, a fome e o medo são a sua única companhia. Pouco tempo depois, avista o Reis Pedreiras submetido ao mesmo suplício. Aproxima-se sorrateiramente e, com a arma em riste, ordena ao amigo que se alije da sua carga. O Manuel, ainda o tenta dissuadir do seu intento e fazer-lhe ver as consequências que daí poderiam advir. Inabalável, o Crespo, repetiu a ordem com cara de poucos amigos e, contundentemente, rematou, "É tempo de viver ou morrer, vamos optar pela primeira." Quando isto ouviu, o Reis Pedreiras, liberta-se do abominável fardo, apodera-se do seu armamento e provisões e encaminharam-se para o abrigo da mesma fatídica trincheira. Lá, enquanto saciam a fome, são surpreendidos pelo barulho dos blindados inimigos que inspeccionavam os terrenos circundantes juncados de cadáveres.

Os dois intrépidos camaradas, guiados pelo medo, lançam mãos das armas e correm tresloucados ao longo da trincheira disparando ao acaso simulando, deste modo, vários atiradores. Assim o supôs o inimigo que, receando um ataque do contingente, optou pela retirada.
Os dois camaradas, viram com júbilo a retirada do inimigo e congratularam-se pelo êxito da sua estratégia. Fortalecidos pelo êxito e com o moral em alta, deixaram a execrável trincheira tal bravos leões saídos da espessura da floresta.

"Oh, Crespo, acelera o passo! Não venham por aí os Teutões em nosso encalço”.

Longo foi o tempo que caminharam sem destino através de campos devastados pela guerra. Caminhavam resolutos em busca de libertação, animados com a esperança de encontrar os camaradas ou algum sítio onde pudessem descansar.

Como prémio da sua constância, tiveram a felicidade de serem interceptados por uma patrulha militar inglesa, comandada pelo tenente George Nelson Smith o qual lhes deu todo o apoio. Depois, foram levados para o acampamento português onde, após o expediente de rotina, relataram a sua epopeia.

Em Portugal, as famílias soçobravam com falta de notícias.
Quando as partes litigantes acordaram terminar a guerra, os audazes combatentes regressaram à sua terra na qual foram recebidos com festa, não pelo seu heroísmo ou pela extraordinária epopeia vivenciada, mas com a alegria de terem voltado com vida de tão sangrento conflito.

JORGE MICAELO (Dr.) AFILHADO DE MANUEL REIS PEDREIRAS
Manuel Reis Pedreiras, oriundo de família mais abastada, foi recebido com outros e melhores atavios. Algum tempo depois, a sua irmã Rosa, casada com António Simões Micaelo (António Simão) dava à luz um filho e convidou o Manuel para padrinho (no registo civil). Convite que prazenteiramente aceitou. Ao infante foi posto o nome de JORGE NELSON em homenagem ao comandante inglês do mesmo nome.

Eis, pois, explicada a origem de JORGE NELSON, de família SIMÕES MICAELO o qual viria a ser, dezenas de anos mais tarde, o primeiro médico formado em Bustos.

NOTA À MARGEM
Se este episódio tivesse ocorrido com militares de alta patente, em vez de obscuros soldados rasos, talvez tivessem sido condecorados. Todavia, na vida sempre houve "dois pesos e duas medidas" e o povo anónimo, faz a história, mas dela é excluído.
Estes tiveram a glória de contar a sua história a este modesto cronista que, aqui a relata em sua homenagem.

Em homenagem À GENTE DE BUSTOS.
Ulisses de Oliveira Crespo, cronista da vila.
[1] António Crespo, nota de altino

8 comentários:

  1. É este Ulisses Crespo de quem todos gostamos.
    Cronista nato, retém de Bustos e das suas Gentes histórias que fazem parte da História das nossas RAÍZES.
    E estorinhas, muitas estorinhas.
    Como nós outros, o Ulisses tem os seus defeitos. Pelo que me cabe e talvez em memória do grande carinho que nutria pelo meu pai, vão sendo muitos os momentos que tenho vivido com ele.
    Um episódio recente: há dias estava a encher algum vinhito para ele. O Comendador entretinha-se a cortar na casaca dos outros; disse-lhe que deviamos falar antes de nós próprios e dos nossos defeitos, fazer autocrítica, em vez de estarmos para ali a falar dos outros.
    Logo me retorquiu: dos meus próprios defeitos que falem os outros, que eu falo dos deles!
    O Ulisses é um dos inseparáveis colegas do grupinho a que chamo dos "Vencidos da Vida", em homenagem ao grupo do Eça de Queiróz, do Ramalho de Ortigão, do Guerra Junqueiro, do Antero de Quental (eram uns 11, os escritores e intelectuais que por finais de 1800 se reuniam à mesa para mudar o país, mas não passaram duns "vencidos da vida").
    Importa ajudar o Ulisses a vencer a vida, que a vida sem solidariedade não vale uma merda!

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  2. Anónimo17:25

    Bel'issima historia. E grande homenagem ao Dr. Jorge. Obrigado!!

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  3. Anónimo19:42

    Excelente artigo; só é pena que o texto tenha sido ilustrado com a fotografia de "um monumento aos Mortos da Grande Guerra, insignificante e de mau gosto" - Dr. Pedro Dias dixit

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  4. Em «Anonymous said...» das 19:42 está: ... “ilustrado com a fotografia de "um monumento aos Mortos da Grande Guerra, insignificante e de mau gosto" - Dr. Pedro Dias dixit”, o que vai merecer o seguinte comentário:
    1) Da ilustração, pretendeu-se valorizar o nome dos jovens militares do concelho de Oliveira do Bairro que verteram o sangue na defesa da Liberdade e da afirmação da jovem República, acossada pelos monárquicos de dentro e de fora e pelos católicos despojados dos seus privilégios.
    2) Terminada a guerra, com o objectivo de «cimentar a unidade nacional à volta do culto da Pátria» [Reis Torgal], a Comissão de Padrões da Grande Guerra desenvolve uma campanha por todo o país, que faz surgir memoriais; lápides; colunas com esfera armilar e que estão coroadas pela cruz de Cristo – como é o caso do monumento de Oliveira do Bairro – e outros mais elaborados, «rematados com estatuária», como o soberbo monumento de Aveiro. A existência do «padrão» na Praça da República de Oliveira do Bairro fica a dever-se ao dinamismo dos defensores do regime republicano e à recolha de fundos obtida através de subscrição pública. Se o dinheiro abundasse... outro galo cantaria.
    3) Pedro Dias produziu um trabalho a defender a desqualificação da casa da rádio – dos ratos – da cadeia – da câmara. O edifício não terá sofrido profunda alterações desde que a Câmara esteve lá instalada? Em 9.3.2006, Notícias de Bustos editou uma opinião com o título “Casa da Câmara – Cadeia – Casa da Rádio ou o Fado da Demolição”. Se o edifício é assim tão importante e reúne tantos requisitos, porque não foi classificado «monumento nacional»? Não terá havido pressa a mais na sua classificação de interesse municipal?

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  5. Uma coisa é o valor arquitectónico ou artistico, outra é o valor histórico e simbólico. É nesta última perspectiva que o monumento deve ser valorizado. Afinal, e isso não é de mau gosto nem insignificante, eles deram a vida ao serviço da Pátria.
    Belino Costa

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  6. Anónimo18:17

    Caro Altino: cumpre-me solicitar-lhe que leia o commentário do Anonymous das 19:42 com olhos de ler; é que o que aí está é, de facto, uma "inofensiva picadelazinha" ao comentário (do meu ponto de vista infeliz) do Dr. Pedro Dias (que vai começando a ter publicidade gratuita e pelos vistos injustificada, até porque não deve haver de entre os autores e comentadores do NOTÍCIASDEBUSTS quem esteja disposto a pagar pareceres!) sobre o Monumento aos Mortos da Grande Guerra; apenas e só isto, e nada mais!
    Pelas entrelinhas, dá para perceber o incómodo que terá sentido face ao dito comentário; só é pena que em lugar de dar a sua opinião (que obviamente se respeita) sobre a demolição ou não do Edifício da Antiga Cadeia, não se tivesse pronunciado sobre a correcção ou não da alusão feita pelo Dr. Pedro Dias.
    Quanto à subalternização do valor arquitectónico ou artistico do monumento pelo valor histórico e simbólico do mesmo, tal como avança Belino Costa, é como tudo; depende da perspectiva com que se olha para a questão: é que ainda me lembro de quão próximos ainda estão os tempos em que, neste concelho, a opção pela monumentalidade da arquitectura e por artistas conceituados e de renome internacional eram apenas entendidos como política de desperdício. Talvez porque nesta altura outro galo(a) cantava
    Mudam-se os tempos ...

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  7. Fiz o comentário sem qualquer incómodo. Apreciaria conhecer todo o dossier oficial "Cadeia – Câmara", desde o início do processo para a sua qualificação. Daí não poder comentar o parecer de Pedro Dias encomendado pelo novo executivo. E hoje é tão fácil colocar o dossier no portal da Câmara de Oliveira do Bairro.
    Apesar de alinhar com a demolição seguida de afixação de painéis de azulejo – à semelhança do que foi feito em Bustos – é minha vontade publicar o texto de Carlos Braga, recentemente editado pelo Jornal da Bairrada. Como é sabido, este autor defende a preservação da casa.
    Concordo que exista monumentalidade no concelho. Mas o facto dos monumentos serem de autoria de pessoas com renome internacional, não oferece a garantia que eles – monumentos – estejam na proporção do prestígio do autor. Sem depreciar o valor da obra, discordo que Oliveira do Bairro tenha embarcado em homenagear D. Manuel I, rei que assinou um foral da “terra de Oliveira do Bairro”, cujo objectivo principal foi fazer a actualização dos encargos que os servos tinham de pagar aos suseranos. Grosso modo, foi uma lei das finanças. No edifício da Câmara está afixado um trabalho bem mais modesto, feito em Oliveira do Bairro que também merece ser propagandeado. Quanto ao semi-monumento a evocar os mortos da Guerra Colonial ainda não mudei de opinião. Os militares falecidos mereciam ter o seu monumento A Câmara de então também não lhe deu um espaço com o devido destaque. Tem mais dignidade a área envolvente da modesta coluna evocativa dos cidadãos mortos na 1ª Guerra Mundial.

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  8. Anónimo21:17

    Como vê, tudo fica mais simples quando as devidas explicações são dadas. Concordo com o Altino em quase tudo o que diz, e a parte com a qual não concordo tem exclusivamente a ver com a opinião pessoal de cada um sobre este ou aquele monumento, sobre esta ou aquela obra artística com assinatura: mas essa discordância não significa desrespeito ou desconsideração por opiniões contrárias à minha. Quanto ao portal da CMOB, parece evidente que não está ao serviço do interesse dos eleitores e munícipes mas sim do interesse dos eleitos. O que, obviamente, é de lamentar!

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