Mulher forte, irreverente, contraditória – e de beleza extraordinária. Com intensa versatilidade, dedicou-se a vários géneros literários. Natália Correia sempre se recusou a ser uma figura decorativa, peça que encontrava e saía do palco segundo as regras da compostura. Ao longo da vida escreveu intensamente. E ainda marcou presença na política [na era do 25 de Abril foi deputada do PPD e independente] e na imprensa. A indignação foi uma constante na sua vida e obra – motivada pela censura que a amordaçava ou por uma insurreição natural a todos os engodos ideológicos da sociedade. “Uma mulher imperial”, diz a jornalista Clara Ferreira Alves.
Natália Correia é uma mescla de anjo e demónio Muito do seu encanto vem desta mistura explosiva. É conhecida pela sua personalidade livre de convenções sociais, vigorosa e polémica, que se reflecte na escrita. Poetisa, romancista, dramaturga, ensaísta, tradutora, conferencista, editora, deputada. “Em qualquer destes domínios lavrou e afirmou-se, numa inquieta busca de uma verdade, de um sentido estético e ético que perseguiu toda a vida”, refere Ana Paula Costa na “Fotografia de Natália Correia”
You tube aqui
Senhores jurados sou um poetaum multipétalo uivo um defeito
e ando com uma camisa de vento
ao contrário do esqueleto.
Sou um vestíbulo do impossível um lápis
de armazenado espanto e por fim
com a paciência dos versos
espero viver dentro de mim.
Sou em código o azul de todos
(curtido couro de cicatrizes)
uma avaria cantante
na maquineta dos felizes.
Senhores banqueiros sois a cidade
o vosso enfarte serei
não há cidade sem o parque
do sono que vos roubei.
Senhores professores que pusestes
a prémio minha rara edição
de raptar-me em crianças que salvo
do incêndio da vossa lição.
Senhores tiranos que do baralho
de em pó volverdes sois os reis
sou um poeta jogo-me aos dados
ganho as paisagens que não vereis.
Senhores heróis até aos dentes
puro exercício de ninguém
minha cobardia é esperar-vos
umas estrofes mais além.
Senhores três quatro cinco e sete
que medo vos pôs por ordem?
que pavor fechou o leque
da vossa diferença enquanto homem?
Senhores juízes que não molhais
a pena na tinta da natureza
não apedrejeis meu pássaro
sem que ele cante minha defesa.
Sou um instantâneo das coisas
apanhadas em delito de paixão
a raiz quadrada da flor
que espalmais em apertos de mão.
Sou uma impudência a mesa posta
de um verso onde o possa escrever.
Ó subalimentados do sonho!
a poesia é para comer.
Natália Correia, "Poesia Completa", Publicações Dom Quixote,Lisboa, 2000, pág. 330 e seg.
Sem comentários:
Enviar um comentário