5 de Outubro, 1910
Toda a noite ouço o estampido do canhão, por vezes chega ao auge, para depois cair sobre a cidade um silêncio mortal, um silêncio pior. Que se passa? Distingui o assobio das granadas, e de quando em quando um despedaçar de beiral que cai à rua. E isto dura até à madrugada. De manhã as tropas do Rossio rendem-se e os marinheiros desembarcam na Alfândega. Às oito e meia está proclamada a República. Passa aqui na Rua de S. Mamede um resto de Caçadores 5, soldados exaustos, entre populares que os aclamam.
O rei fugiu. Um genro do Caiola, oficial de Infantaria 16, contou ao Maximiliano; acompanharam-no no parque das Necessidades o Sabugosa, o Faial, o Tarouca e o Ravara. Um deles dizia-lhe: – Vossa Majestade já fez o que tinha a fazer. – O rei estava lívido e num gesto maquinal tirava e metia os anéis nos dedos.
Um farmacêutico da Ericeira assegura que o viu chegar a Mafra dentro de um automóvel, o D. Afonso embarcou no Estoril mostrando, aos que o acompanharam até ao fim, uma carteira com duzentos mil réis. – É o que levo… – A D. Amélia partiu também de Sintra para Mafra. Tinha-se espalhado entre o povo que fora a rainha quem mandara assassinar o Dr. Bombarda. Se a apanham matam-na.
Raul Brandão, Memórias, vol. II
5 de outubro de 2006
MEMÓRIA: O REI FUGIU…
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