13 de outubro de 2006

BUSTOS NA 1ª REPÚBLICA: O COMÍCIO

Em finais de Fevereiro de 1911 Bustos foi palco de um comício republicano muito concorrido. “O Democrata”, órgão semanal do Partido Republicano, com publicação em Aveiro, descreveu assim o evento:

O Comício em Bustos


Foi verdadeiramente triunfal para a Democracia a jornada que os republicanos de Aveiro, em missão de propaganda, fizeram, no passado domingo, à freguesia de Bustos(1), concelho de Oliveira do Bairro, velho feudo da extinta monarquia onde o caciquismo imperava impúdica e descaradamente.
Logo de manhã o lugar apareceu ornamentado de festões de verduras, bandeiras e flores e o povo de Bustos e cercanias espalhando-se pelas ruas daquela importante povoação bairradense, dava a tudo uma nota alegre e festiva.
Havia o maior interesse em ouvir os oradores, que ali iam, impulsionados pelo amor pátrio, levar a Bustos a palavra da verdade, da justiça e da fraternidade.


Eram duas horas quando ao lugar chegaram os nossos distintos e prestimosos correligionários Albano Coutinho, Dr. André dos Reis, padre capelão de infantaria 24, capitão do porto Júlio Ribeiro de Almeida, capitão Ferreira Viegas, Rui Cunha e Costa, Manuel Barreiros de Macedo, Francisco Marques da Silva, António Maria Ferreira e outros.
A banda de música de Mogofores (2) arrancou com A Portuguesa, os foguetes estalejam nos ares e reboam pelo espaço as mais entusiásticas aclamações à República, à Pátria, ao governo provisório, Afonso Costa, António José de Almeida, etc.


Cerca de 3.000 pessoas se constituíram então em cortejo levando à frente os nossos ilustres correligionários que, comovidos, agradeciam aquelas espontâneas e patrióticas manifestações.
Chegados a um dos principais largos do lugar todos os oradores subiram, por entre constantes ovações, à tribuna que fora erguida fronteira ao palacete do Visconde de Bustos.
Rodeando a tribuna, ornamentada de bandeiras, festões de verdura e flores, toda aquela multidão se comprime e acotovelava.
Ao centro tremulava ao vento, altiva e garbosa a bandeira verde e vermelha, como que saudando e beijando todo aquele núcleo de cidadãos, outrora tão escravizados pelos caciques da terra, e hoje cidadãos livres de um Pátria livre!
Subindo à tribuna o administrador de Oliveira do Bairro propõe para presidir ao comício o venerando cidadão Albano Coutinho que é imensamente vitoriado e escolhe depois para secretários os cidadãos Jacinto Simões dos Louros e Manuel dos Santos Ferreira.
Constituída a mesa e depois de expostos os fins de reunião é dada a palavra ao

Capelão de Infantaria 24

Este nosso correligionário, um verdadeiro liberal, demonstra de uma forma indiscutível que entre República e Religião, não existe nem jamais existiu, a antinomia que os reaccionários e saudosos do regime passado apregoam. Caindo depois a fundo sobre os jesuítas tem arrancos oratórios que o povo sublinha com estrondosos aplausos. É foneticamente saudado com vivas ao clero liberal e aos verdadeiros patriotas.
Segue-se-lhe o nosso amigo e correligionário

Dr. André dos Reis

que a assembleia acolhe com uma estrondosa salva de palmas. O digno advogado começa por fazer a apologia da República e demonstra quanto mais nobre do que a monarquia é o actual regime governativo e quanto são sábios os seus homens e humanitárias e justas as leis até agora publicadas pelo governo provisório, leis essas que são a base da nova vida jurídica do país. Verbera com calor os erros dos antigos governantes da nossa Pátria e diz que a obra encetada em 5 de Outubro há-de erguer Portugal ao lugar a que tem direito perante o mundo culto. Termina o seu discurso, que é entrecortado com muitos aplausos com vivas à Pátria, à República, ao Povo e ao Governo Provisório.
Assoma à tribuna

Rui da Cunha e Costa

um novo já com assinalados serviços à causa democrática.
Com justiça e verdade escalpela os actos dos últimos governos monárquicos desde João Franco até Teixeira de Sousa. Atacando violentamente os caciques tem frases de rara energia, sendo muito aclamado pela assembleia, ao terminar.
Na ordem de inscrição fala o estudante de direito João Cardoso que produz um patriótico discurso aconselhando o povo a que siga o caminho que, de futuro, lhe for indicado pelos republicanos de Aveiro – os homens honestos que ali estão e que tão desinteressadamente se têm batido pela causa do povo, da democracia e da República. Fartos aplausos acolhem as palavras deste orador que é um rapaz simpático e insinuante.
Terminado este discurso aparece na tribuna

Júlio Ribeiro de Almeida

capitão do porto de Aveiro que, depois de saudar a democracia triunfante, faz o elogio do professor primário e recomenda aos novos que o ouvem que jamais deixem de frequentar as escolas; que todos se instruam muito e muito porque é da instrução do povo que há-de surgir uma pátria nova e altiva. A assembleia saúda o orador com uma grande salva de palmas e vivas à Marinha Portuguesa.
Por último fala ainda o estudante de direito

Manuel de Oliveira Santos

que faz a sua estreia criticando os homens e reis da dinastia deposta, demonstrando ser livre pensador e fustigando justiceiramente a horda negra e maldita do jesuitismo. Recebe uma entusiástica ovação por parte dos assistentes. Encerrado o comício fala Albano Coutinho que se congratula com o povo de Bustos pela imponência daquela festa republicana.
Novas girândolas de foguetes estouram nos ares e o entusiasmo recrudesce quando, ao som da Portuguesa, aquela grande massa percorrendo as ruas principais da freguesia, aclama o regime republicano e os seus homens. De muitas janelas as mulheres do povo lançam flores sobre os republicanos de Aveiro a quem a digníssima professora, esposa do nosso correligionário Simões dos Louros oferece um delicado lunch.
Esta senhora que é uma professora distintíssima e que foi vítima das perseguições da monarquia é saudada por Albano Coutinho, Dr. André dos Reis, Ribeiro de Almeida, João Cardoso e padre capelão em primorosos e delicados brindes.
Perto das 5 horas retiravam-se todos os oradores para Aveiro, agradavelmente impressionados com aquele povo de Bustos tão patriótico, tão bom e tão generoso.


O Democrata, nº160, 3-03-1911

1-Ao tempo Bustos ainda não era freguesia integrando a Mamarrosa.
2- Erro do jornalista pois quem esteve em Bustos foi a banda da Palhaça, de acordo com o livro de memórias de Jacinto Simões dos Louros: “ Em 1911 promovi um comício em Bustos que foi um dos mais concorridos de todo o distrito de Aveiro. Veio a banda de música que ao tempo existia na Palhaça, dirigida pelo meu velho amigo e um dos melhores republicanos, Adelino Ferreira Pinhal, saudar os republicanos de Bustos.”

1 comentário:

  1. O Belino parece conhecer a passado de Bustos.
    Esta rapaziada que migra para a capital aparenta saber de coisas que nós, os que vivemos cá, ignoramos.
    O que é a ignorância?
    Faz-me lembrar as saudades dos nossos emigrantes, que guardam memórias que não nos lembram.
    Andaremos esquecidos?
    LEMBRAR É PRECISO...

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