Na passada sexta feira à noite fui à Feira Republicana. Precisava de
ver com os meus próprios olhos. Mas algo de inexplicável aconteceu mal entrei no recinto onde fui recebido por uma simpática rapariga que vendia
regueifas.
Espreito à direita e que vejo eu, um Rolls Royce de 1920. O carro
exibia lateralmente a bandeira inglesa e logo me pareceu, mera suposição, de
que se tratava de uma subtil referência ao Ultimato Inglês, afinal a Feira
anunciava-se como uma “reconstituição histórica.”
Alguns passos em frente e deparo com um burro preso a uma árvore.
Talvez por ter a inexplicável sensação de ter entrado no mundo da fábula senti
que o burro de orelhas esticadas e olhar sofredor queria falar comigo,
desabafar. Há depoimentos que um
repórter não pode ignorar pelo que encarei o animal com o respeito que
me deve qualquer burro que se assuma e perguntei:
- O que fazes aqui ó Burro, tão só, com a corda que te prende tão
enrolada que pareces vítima de tortura?
O animal sem esconder o cansaço respondeu:
- Sou burro e exibem-me nestas feiras medievais para que o povo ande
por ai descansadamente a gastar dinheiro. Afinal o burro sou eu.
- Lá isso és, não te resta alternativa mas ao contrário do que dizes
esta não é uma feira Medieval, é uma Feira Republicana.
- Ai é’! Dizes isso porque acabas de chegar. Então não vês ali o
Mustafá e o primo do Tutankamon a vender malas, sacos, carteiras e bugigangas, não vês as tasquinhas e os
jogos para crianças…
- Sim, mas esta é uma Feira Republicana.
- Ah! Mudaram-lhe o nome, pois compreendo, a Feira Medieval já não
chamava ninguém…
- Estás a sugerir que isto não passa de uma aldrabice?
- Não, estou a dizer que isto que isto é um faz de conta, tão usual na
política. Quando uma ideia se esgota e não há ideias novas o que é que se faz?
- Dá-se um novo nome à ideia antiga.
- Isso mesmo, os senhores do marketing chamam-lhe Rebranding.
- Para burro estás bem informado.
- Já sou burro há muitos anos.
- Então e o que é que há para ver nesta noite de abertura?
- Há uns atores a entreter as crianças e outros dois, já muito
bêbados, andam por ai à procura de umas primas. A única animação é feita por um
trio de bombos e gaita de foles. Tirando os petiscos o grande espetáculo da
noite são os políticos que, mais emproados do que a rainha da Inglaterra
montaram mesa no meio do recinto. Vestidos a preceito, envergam fitas verde
rubras sobre o peito e estão ali a comer
a beber. A festa é um palco e eles representam…
- Representam?
- Sim, desde a cerimónia de abertura que fingem ser atores e terem
muita importância. São como aqueles rapazinhos que aproveitam o carnaval para se
vestirem de mulheres.
- Essa é dura. Então não percebes que os vários presidentes que estão
naquela mesa são a elite local, o núcleo duro da nossa democracia.
- Elite local? – exclamou o burro com indignação. – A elite local são
os homens e as mulheres que trabalham em cada uma dessas barraquinhas. Eles são
apenas atores políticos, maus atores, até porque a grande maioria acha que a
democracia é um aborrecimento.
- Exageras.
- Sim, chama-me burro! Sabes porque é que a mesa dos políticos está no
centro do recinto e não tem qualquer cobertura.
- Não faço ideia.
- Porque num recinto fechado não havia espaço para egos tão inchados,
para tanta vaidade junta…
- Pelo menos dão-se bem e respeitam-se…
Ao ouvir estas palavras o burro arrastou as patas traseiras, revirou
por duas vezes o focinho lançou um zurro desesperado e gritou:
- Estás enganado, eles odeiam-se. O do topo da mesa, tirando os
serviçais que lhe obedecem, não suporta aquela gente. Não suporta o que está na
outra ponta da mesa, mas esse está longe, não incomoda muito. O pior é ter à
direita aquele a quem não gosta de dirigir palavra… Estão ali reunidos os ingredientes
para uma boa peça de teatro…
- Chega, estou farto de má língua. Adeus!
Segui caminho e depois de ter dado três voltas ao recinto da feira não pude deixar de pensar nas palavras do jumento. Vi partir os políticos, alguns de saquinho na mão e fiquei à espera das 23 horas para ver os anunciados Malabares de Fogo. É então que reparo que há um frenesim a percorrer as mesas das tasquinhas, pois corre um abaixo-assinado em defesa da instalação da Biblioteca na antiga escola primária. Assino. Como já são 23h30, está frio e não há sinais de fogo abandono o recinto. O Rolls Royce já tinha regressado à garagem, mas o burro continuava preso à árvore. Não pude deixar de lhe ir apresentar as minhas despedidas. Mal me viu logo perguntou:
- Então o que me dizes da feira Republicana?
- Mais me parece uma farsa!
- Para mim, aqui enrolado a este plátano, é mais uma tragédia.
- Compreendo-te e até te dou razão. Isto não é uma feira, nem tem nada
a ver com a economia, o comércio ou a vida das populações. Isto é uma mera ação
propagandística…
- E para a propaganda nunca falta dinheiro ao Mário João.
- Cala-te asno. Não corras o risco de ficar sem o fardo de palha!
Belino Costa
Tem piada, sim Senhor!!!
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