Tal como tantos outros portugueses também fui participar na iniciativa “Limpar Portugal”. Confesso que esta manhã, quando pela janela espreitei um céu enevoado de onde caía um chuvisco ligeiro, logo cedi à tentação de esquecer o meu amor pelo planeta e ficar a preguiçar no quentinho. Isso queria eu, na minha humana fraqueza, mas quem não esteve pelos ajustes foram as minhas filhas. Ainda argumentei com o chuvisco mas de nada valeu pois logo me replicaram que assim ainda tinha mais graça, e que para além do mais todos tínhamos galochas e impermeáveis. Para elas ir para o parque florestal apanhar lixo era, sobretudo, uma aventura. Não pude recuar.
Chegados ao local de concentração fomos recebidos com balões vermelhos, um balcão de recepção onde umas simpáticas meninas nos deram sacos, luvas e água, tudo oferta dos hipermercados Continente, devidamente publicitados e com a presença, ao vivo, da mascote Leopoldina. Um pouco mais adiante um grupo de vedetas da música e da televisão exibia-se perante as objectivas dos fotógrafos e das câmaras de televisão.
“Então e o lixo?!”, impacientavam-se as crianças, surpreendentemente mais fascinadas com a ideia de entrar floresta dentro, do que com a Leopoldina ou as “Just Girls”. Veio então uma guia que se disponibilizou a levar o grupo (entretanto chegaram mais voluntários) a um dos locais a limpar. Partimos, vejam lá o luxo, com uma guia na frente e um segurança atrás. Duzentos metros adiante gorava-se o objectivo da expedição perante a informação de que já estava tudo limpo! Melhor seria, aconselhavam-nos, voltar ao local da concentração onde em breve começaria um espectáculo musical.
Foi aí que me percebi de que não estávamos a participar na acção cívica, “Limpar Portugal”, mas sim numa campanha de marketing montada pela empresa de Belmiro de Azevedo. O consenso familiar foi imediato, abandonámos o trilho e o grupo, entrámos pelo arvoredo dentro dispostos a cumprir o essencial da nossa missão. Rapidamente começámos a encontrar garrafas de plástico, copos, sacos, mangueiras, a ponto de, em pouco tempo, termos os sacos cheios de porcaria. Orgulhosos e contentes, regressámos ao local da concentração para deparar com um inesperado espectáculo, um jovem espalhava pelo chão alguns pedaços de cartão. A minha filha Ana, de 9 anos, que é uma criança muito competitiva, logo se atirou ao cartão com a velocidade e a convicção de quem quer ganhar a partida. Pobre garota que logo foi retirada do cenário para que as câmaras das estações de televisão e os fotógrafos das revistas e jornais registassem o fingido trabalho dos famosos a limpar o planeta. Alguns segundos a fazer de conta, que logo à noite vão passar nos telejornais como verdade total e absoluta…
E assim se vai construindo o grande embuste da "verdade" televisiva. E assim nos levam a acreditar numa realidade que não existe. E assim nos vão manipulando. Hoje, amanhã e sempre.
Belino Costa
Meu caro. Nada na vida aparece de graça. Tudo tem um preço. Se para limpar o meu país o preço for deixar alguns fingir que fazem, para mim e razoável.
ResponderEliminarEm contrapartida, em Braga por exemplo, enquanto os bombeiros acudiam as inundações pela cidade fora, mais de 3.000 voluntários, molhados até ao tutano, retiraram das florestas e ruas da cidade, mais 500 toneladas de lixo.
Eu acho que é isto que pretendo que os meus filhos recordem deste dia (e salvamos 3 cães, 1 atropelado e dois abandonados) e não os Belmiros ou as mais ou menos tretas da TV's.
E olhe que aqui quando chove não são chuviscos.
Paulo Novais
Atenção, que no Portugal esquecido do interior isso não foi assim, custou muito suor a dezenas de voluntários, arriscando a vida nalguns casos e inclusive cedendo os seu veículos, não tivemos carros do exercito e apenas o apoio das autarquias, que quase não tem dinheiro para mandar tocar o "ceguinho". Eu sei porque estive lá.
ResponderEliminarAo ler este curioso texto fico a pensar que, verdadeiras mesmo, só as crianças. Nós adultos , por vezes, deveríamos ter a humildade de as ouvir e deixar que fossem elas, na sua verdade instintiva, a julgar e decidir em determinadas situações. Por certo viveríamos num mundo mais autentico e mais justo.
ResponderEliminarMeu caro, acho que, felizmente, a sua experiência não é representativa do que se passou no país...
ResponderEliminarEu sou de Évora, participei no Limpar Portugal, não havia famosos nem shows do Continente mas havia muito lixo...O meu grupo foi encaminhado para uma lixeira de garrafas, eram milhares de garrafas e, no fim, ficou tudo limpinho!