Um dia, eu ainda muito criança, após meus primeiros passos, tomei inconsistente consciência infantil de que minha terá natal também tinha a sua nobreza. E dentre várias famílias, uma existia, dedicada ao comércio de tecidos: Era a nobre família dos Sérgios. Talvez por cansaço, ou por afazeres de outras atividades igualmente importantes, o comércio de tecidos foi deixado para trás. De repente, surgem à frente da antiga casa comercial, dois jovens empreendedores: Manuel e Augusto Serafim, com o entusiasmo de quem sabe o que quer, passam logo à reativação de seu novo desafio. E aí começa uma nova historia do que hoje se denomina empreendedorismo, que se apresenta como uma descoberta recente, mas que já existia em ação há mais de 60 anos em Bustos.
Logo estes então jovens, partiram para o passo seguinte, comprando uma área existente bem no centro da freguesia, adquirida do Sr. Visconde ou de seus descendentes, onde construíram um belo e apresentável estabelecimento comercial, dando prosseguimento ao seu ramo de negócios e fechando definitivamente as portas daquele grande casarão dos Sérgios.
Este novo espaço deu àquele centro uma nova imagem de grandeza. De fato, aquela grande área antes rodeada de um velho muro com um tosco portão de ferro já bem desgastado pelo tempo era a triste fotografia do abandono em que se haviam tornado alguns dos imóveis do nosso personagem da nobreza monárquica.
Agora sim! Na confluência da rua do Sobreiro (atual Jacinto dos Louros) com a rua de paralelos de Bustos (a 18 de fevereiro), de um lado o clube de Bustos; do outro lado a pujante casa de tecidos e, bem na curva fronteiriça, completando o triunvirato, a tradicional taberna (tem-se uma denominação mais determinante?) dos Motas, com Arsênio e Teófilo atrás dos balcões.
Uma das novidades introduzidas em grande estilo na construção da mais recente casa comercial foram as vitrines (ou montras). Ao retornar no tempo, vejo a majestosa construção acabada com sua imponente entrada fixa no redondo da esquina do prédio, conjugada com a abertura de vidro das montras, uma de cada lado da porta, porém vazias.
Faço referência a este pormenor do vazio das vitrines, que assim permaneceram durante algum tempo, para contar uma breve história. Guardo em minha lembrança que Zé Valério e os irmãos Serafins eram muitos amigos (creio que essa amizade perdurou pela vida afora). E sua amizade era tão estreita que eles se deliciavam em aprontar boas peças uns com os outros. O vazio das montras da nova casa dos Serafins ficou tão notório que certo dia, aproveitando a ausência dos dois irmãos, Zé Valério fez uma exposição preenchendo os respectivos espaços com as gamelas de sapateiro em que se curtia o couro, complementando o espaço com uma porção de sapatos usados e solas furadas. O folclore das brincadeiras dessa grande amizade certamente produziria rica literatura de cultura local, a demonstrar que uma sólida amizade se fortalece com o tempero da alegria do bem viver.
Essas são, pois, algumas pinceladas que ora ofereço à consideração da família de Belino, neste momento festivo para os Serafins, quando Augusto completa os seus noventa anos de vida. Da longa distância - do tamanho de um Oceano Atlântico - a Família Arrais envia deste país continente Brasil, os seus mais afetivos cumprimentos ao aniversariante, desejando-lhe uma continuada vida de terna felicidade junto a todos os seus queridos familiares e amigos.”
[Adenda]
A ilustração da minha matéria … [é maravilhosa].
Fantástico! Emocionei-me! A imagem da foto está perfeitamente no detalhe em que eu a visionei ao escrever o texto. Uma particularidade[…]. Ao olhar por uns instantes, mas fixamente, a foto, de repente eu me vi - criança - (fui testemunha disso), olhando aquela cena da exposição que mencionei, da gamela com a água tingida do couro curtido. "
[Aristides Correia Arrais, Brasil]
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