Há imagens, há sons, há cheiros do tempo em que era criança que resistiram ao passar dos anos. Alojaram-se de forma poderosa na minha memória, como marcos de um tempo, como marcas de uma descoberta, de uma iniciação.
Vem isto a propósito do Cortejo dos Reis Magos a que tive o prazer de assistir, no Largo da Feira, no passado domingo. Confesso que o Cortejo dos Reis Magos e todo a sua teatralidade foi coisa que marcou a minha meninice. Os anos foram passando e o cortejo deixou de se realizar até que, em boa hora, foi recuperado pela actual Comissão Fabriqueira onde, que me perdoem os restantes, é justo destacar a figura do ensaiador Carlos Alves.
Dos cortejos de reis do século passado ficou-me uma imagem marcante. A recordação de uma menina vestida de anjo, que aparecia entre verdura no alto de um carro de bois cantando em tom que só podia ser angelical. Foi uma imagem fulminante! Especialmente quando descobri que afinal o anjo era a Airinda, a filha do Manuel da Barroca. À surpresa inicial sucedeu-se o espanto e depois o fascínio que prolongou a magia da encenação. Não tanto pela voz fina e afinada, que recebeu louvores e elogios, mas porque no fantástico emaranhado do infantil pensamento ter a viver tão perto de casa um anjo era coisa extraordinária! Podia não ser um anjo “a sério”, mas era artista, tinha asas, flutuava nas alturas e cantava que nem um rouxinol.
Também a célebre frase “Ó Herodes, Herodes” ficou como marca desse tempo dando origem a múltiplas e variadas brincadeiras, criando a oportunidade para entoar uma óbvia rima, entre lutas verdadeiras com espadas fictícias. Bem me lembro de ver esse tal Herodes, rei altivo e poderoso, olhando os cavaleiros do alto da varanda do emblemático edifício onde, na entrada da feira, funcionava a Junta de Freguesia.
É curioso, porque apesar de toda a encenação, do equipamento de som sofisticado, da beleza dos animais, das aprumadas roupas dos figurantes senti que o local do rei Herodes não podia ser aquele atrelado a fingir de castelo. Faltava ali, ainda que em adobo, o símbolo real do poder, a varanda autêntica, o edifício concreto. Faltava ali o emblema da luta do povo de Bustos pela sua independência política, faltava ali o edifício fundador.
Movido pelo sentimento de perca fui espreitar o local onde agora se ergue um pequeno azulejo com a reprodução do antigo edifício. Sentado numa reentrância do grosseiro “monumento” descansava um romeiro, provavelmente um pastor, de cajado na mão, cobertor ao ombro e cabaça à cintura. A barba castanha e falsa ajudava a esconder-lhe o rosto, mas não a expressão distante, o olhar perdido. E por debaixo do disfarce os cabelos brancos, verdadeiros. Segurando o cajado umas mãos autênticas.
Fitando-o percebi que tal como aquele homem somos todos figurantes, mas nem por isso menos verdadeiros. Cada um de nós é realidade e ficção ao mesmo tempo. Todos somos actores, todos somos anjos. E todos, do poderoso Herodes ao simples pastor, acabamos de cabelos brancos. É perante tal inevitabilidade, a transitoriedade da vida humana, que os edifícios ganham especial importância.
Somos arquitectos, somos construtores do mundo e as pedras são um grande legado, uma decisiva herança. E quando as pedras representam o espírito, a luta de gerações a elas, como ao nosso semelhante, devemos consideração e respeito. É por isso que a demolição do antigo edifício da Junta me continua a incomodar, provoca em mim uma profunda tristeza. Na lenda de outrora como na realidade presente o Herodes permitiu o crime, ordenou a barbárie. Canalha!
Belino Costa
Vem isto a propósito do Cortejo dos Reis Magos a que tive o prazer de assistir, no Largo da Feira, no passado domingo. Confesso que o Cortejo dos Reis Magos e todo a sua teatralidade foi coisa que marcou a minha meninice. Os anos foram passando e o cortejo deixou de se realizar até que, em boa hora, foi recuperado pela actual Comissão Fabriqueira onde, que me perdoem os restantes, é justo destacar a figura do ensaiador Carlos Alves.
Dos cortejos de reis do século passado ficou-me uma imagem marcante. A recordação de uma menina vestida de anjo, que aparecia entre verdura no alto de um carro de bois cantando em tom que só podia ser angelical. Foi uma imagem fulminante! Especialmente quando descobri que afinal o anjo era a Airinda, a filha do Manuel da Barroca. À surpresa inicial sucedeu-se o espanto e depois o fascínio que prolongou a magia da encenação. Não tanto pela voz fina e afinada, que recebeu louvores e elogios, mas porque no fantástico emaranhado do infantil pensamento ter a viver tão perto de casa um anjo era coisa extraordinária! Podia não ser um anjo “a sério”, mas era artista, tinha asas, flutuava nas alturas e cantava que nem um rouxinol.
Também a célebre frase “Ó Herodes, Herodes” ficou como marca desse tempo dando origem a múltiplas e variadas brincadeiras, criando a oportunidade para entoar uma óbvia rima, entre lutas verdadeiras com espadas fictícias. Bem me lembro de ver esse tal Herodes, rei altivo e poderoso, olhando os cavaleiros do alto da varanda do emblemático edifício onde, na entrada da feira, funcionava a Junta de Freguesia.
É curioso, porque apesar de toda a encenação, do equipamento de som sofisticado, da beleza dos animais, das aprumadas roupas dos figurantes senti que o local do rei Herodes não podia ser aquele atrelado a fingir de castelo. Faltava ali, ainda que em adobo, o símbolo real do poder, a varanda autêntica, o edifício concreto. Faltava ali o emblema da luta do povo de Bustos pela sua independência política, faltava ali o edifício fundador.
Movido pelo sentimento de perca fui espreitar o local onde agora se ergue um pequeno azulejo com a reprodução do antigo edifício. Sentado numa reentrância do grosseiro “monumento” descansava um romeiro, provavelmente um pastor, de cajado na mão, cobertor ao ombro e cabaça à cintura. A barba castanha e falsa ajudava a esconder-lhe o rosto, mas não a expressão distante, o olhar perdido. E por debaixo do disfarce os cabelos brancos, verdadeiros. Segurando o cajado umas mãos autênticas.
Fitando-o percebi que tal como aquele homem somos todos figurantes, mas nem por isso menos verdadeiros. Cada um de nós é realidade e ficção ao mesmo tempo. Todos somos actores, todos somos anjos. E todos, do poderoso Herodes ao simples pastor, acabamos de cabelos brancos. É perante tal inevitabilidade, a transitoriedade da vida humana, que os edifícios ganham especial importância.
Somos arquitectos, somos construtores do mundo e as pedras são um grande legado, uma decisiva herança. E quando as pedras representam o espírito, a luta de gerações a elas, como ao nosso semelhante, devemos consideração e respeito. É por isso que a demolição do antigo edifício da Junta me continua a incomodar, provoca em mim uma profunda tristeza. Na lenda de outrora como na realidade presente o Herodes permitiu o crime, ordenou a barbárie. Canalha!
Belino Costa
E com grande alegria que obtenho a informaçao atraves do noticias de bustos que pela segunda vez consecutiva realizou-se o cortejo dos reis magos em Bustos,e uma mais valia para a nossa Vila de Bustos este tipo de iniciativas,mas tudo tem os seus efeitos colaterais,como por exemplo a extinçao da cegada de Bustos que era produzida e realizada pelos mesmos artistas deste novo evento que sao os reis magos...dou os meus mais sinceros parabens ao sr. Carlos Alves por mais esta bela iniciativa... Carlos Migueis-Canada
ResponderEliminarAinda bem que ha pessoas interessadas em manter as tradicoes antigas que os nossos Bustuences tanto apressiao.
ResponderEliminarParabens a todos.