24 de julho de 2007

V FÓRUM - O Bustuense Neo Pato


23-10-1924 / 1-10-2006

Com a verdade me perco, com a verdade me salvo. Quero-a na minha companhia, tenho que a dizer! E a verdade é esta: as «forças vivas» de Bustos - ou seja, a opinião pública que prevalece entre nós - não cuida de preitear quem mais se distingue ao serviço da terra. Ora, se quem se esforçou pela comunidade recebeu em resposta um geral encolher de ombros, como esperar que outros conterrâneos avancem de peito levantado?
Digo isto com pena, sabendo que os actos de justiça elevam quem os recebe e não menos enaltecem quem os promove. Por mim, tenho muita honra em participar nesta evocação do eng. Manuel dos Santos Pato, o inesquecível amigo Neo, e nesta homenagem. É homenagem singela mas ainda bem que não tardou mais! E ainda mal porque lembra, aos nossos olhos, até pela semelhança dos nomes e dos casos individuais, o bustuense seu pai, dr. Manuel dos Santos Pato. Ambos, afinal, dois cidadãos dos mais ilustres e dedicados desta freguesia desde que ela existe, e ambos democratas verticais, devotados à promoção crescente da nossa comunidade, homens afáveis e discretos, de grande carácter, cultos e fraternos.

Aos dois, pai e filho, eu conheci e apreciei de perto. Nasci na Barreira, na casa agrícola do meu pai, na vizinhança da casa familiar dos Santos Pato. Ouvia a sineta chamar, com toques diferenciados, cada elemento da família e ia contemplar da rua, no jardim daquela casa, o repuxo na taça de água onde nadavam belos peixes vermelhos. O Neo tinha já seis anos quando eu saí da casca. Como ele, também rolei, brincando, pelo chão, mas ainda andava ao colo quando o Neo, o António e o irmão falecido na flor da idade saíam na fotografia que hoje lembro. Aquela nossa pequena diferença de idades motivou percursos pessoais desfasados. Por exemplo, não acamaradámos na infância. Quando depois comecei a escrevinhar e a ir falar com o dr. Santos Pato, o Neo já andava longe, a cursar Engenharia na Universidade.
Vi-o, já homem feito, a dançar nos bailes do clube com garbo juvenil e óbvio prazer. Era um grande dançarino. Uma das parceiras que lhe recordo foi Nazaré Costa, a futura emigrante e autora do livro «O Destino». Enraizado neste chão natalício, o eng. Neo nunca deixou de aparecer pelo centro de Bustos, no barbeiro, onde calhava, em busca de convívio. E foi assim que, à mesa do café, na roda que o incluía a ele e a outros amigos - como Jorge Nelson Micaelo, Assis Francisco Rei ou Augusto Simões da Costa - lancei e ganhou pernas para andar a ideia de formarmos uma «Comissão de Melhoramentos» em 1959, posta em público no início do ano seguinte e da qual fui uma espécie de secretário para todo o serviço.

Já a morar no Porto, convenci os meus pais a construir a casa da Picada sob projecto dos engs. Neo e Neftali Sucena, com escritório em Águeda. O terreno era exíguo mas eles saíram-se tão bem que «a casa da curva», como a designavam, passou, desde que ficou feita, em 1955, a ser referenciada como solução-modelo. Mas obra dele de bem maior vulto, bem entendido, foi a construção da nova igreja.
É preciso notar que o eng. Neo esteve presente em todas as manifestações cívicas da nossa terra apesar de residir em Mourisca do Vouga. Não faltou, por exemplo, aos quatro fóruns que já realizámos. Manteve o velho hábito de, nos fins de semana, vir estanciar no nosso centro, onde ficava em conversa com qualquer conterrâneo ou grupo de amigos. Acompanhava atentamente a evolução da freguesia, sentia-lhe o pulsar e as arritmias, revelando inteligência lúcida, largueza de espírito e um acendrado sentimento bairrista. Nunca o vi sem serenidade, sem a devida compostura, ou envolvido em disputas mesquinhas, deselegantes, a disparar piadas fáceis, aliado ao bota-abaixo. Apoiou sempre as iniciativas prometedoras, viessem de onde viessem.
Nos últimos tempos, lamentava que o centro de Bustos – e será apenas o centro? – estivesse de algum modo a desertificar-se. Acompanhei-o no lamento. Também eu, chegado do Porto e desejando ver caras conhecidas, sentia o mesmo. Ia-se de um café para outro, olhava-se para sul e para norte, para nascente e para poente, percorria-se a Rua 18 de Fevereiro, subía-se a Jacinto dos Louros até às palmeiras do largo da igreja, tornava-se a olhar, entrava-se por ali acima até circundar a rotunda do Sobreiro e… onde se esconderiam agora os conterrâneos? Dentro das suas casas, debaixo de telha, sob telhado de vidro? Não há dúvida, bem precisados estamos destes fóruns convivenciais!

Termino esta breve evocação com três observações breves:
* O centro da vila precisa de sofrer um arranjo urbanístico verdadeiramente criterioso para se revitalizar; uma intervenção no antigo cinema poderá em breve desencadear o processo.
* É tempo de a freguesia homenagear a memória do dr. Manuel dos Santos Pato, homem com méritos pessoais e gestos meritórios em prol de Bustos lamentavelmente pouco conhecidos.
* Herdeiro da sorte do pai, o Bustuense emérito Neo Pato merece de nós o reconhecimento público de uma dívida de gratidão que, pelo menos na minha modesta opinião, deve abraçar pai e filho no mesmo acto para se tornar mais justa.

Arsénio Mota
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