8 de agosto de 2006

SIMÃO AMANTE DO SAL



Mangas verdes com sal
sabor longínquo, sabor acre
da infância a canivete repartida
no largo semicírculo da amizade
.
Rui Knopfli,1972

“Sal botado em cada esquina da casa afugenta o bruxedo”

O dia entrava no lusco-fusco e lá de longe, o som do búzio prenunciava a chegada do sal. Lá em casa era uma azáfama, tinha de estar tudo preparado para não fazer esperar o ti Simão Amante. Mal os bois paravam junto à curva do cemitério, de imediato crescia um juntório semelhante ao da chegada do peixe do mar de Mira. [Nesse tempo, não havia o perigo do trânsito, pois a carreira das 7 da tarde era o último 'carro' a passar.]
Deixemos o ti Simão Amante satisfazer as encomendas, sempre de sorriso franco a descontar medida por medida a tara do ouro de Aveiro.

O sal de cozinha era um produto indispensável nas casas da civilização mediterrânica. Tido como uma bênção dos deuses, dizia-se que espantava o mau olhado e até tinha dons de ajudar a fertilidade. O sal teve grande importância comercial nas exportações portuguesas. E a sua importância monetária está reflectida na origem da palavra «salário».
...
Manuel Augusto dos Santos Simão Amante, filho de Esmerinda Simões (que já alcançou os seus 93 anos) e de Simão Amante, conta que o pai, já casado, pretendia comprar uma junta de bois para se dedicar ao negócio do sal. Para isso, pediu três contos de reis a José Mora, ao tempo industrial de forno de cal, com vasta clientela.
Passado um ano, Simão Amante vai ao escritório do financiador e devolve os três mil reis.
“Oh Senhor José Mora, sabe, este dinheiro é seu. Foi você que mo deu a ganhar”.
Simão Amante fez serviço de carreiro do transporte de lenha para queimar no forno e posteriormente prestava o serviço de transporte da pedra cozida.
O segundo carro de bois foi encomendado a Luiz Cândido Martins, da Palhaça. Mandou-o fazer com maior largura junto ao eixo. “Para levar mais carga”, lembra o Manuel Simão (Amante).
A matéria prima ia buscá-la ao cais no Rio Boco, o sal eratirado de um barco moliceiro medida por medida. «E o tempo que levava a encher os taipais?!»
Simão Amante tinha clientela fidelizada pela Bairrada que não o trocava por dinheiro nenhum. Chegou a fornecer carradas e carradas de dois mil quilos de sal em Aguim, em Mogofores a Francisco Tavares, e em outros locais. O Manuel recorda-se de José Cid, ainda pequeno, a tentar fazer traquinices aos bois e Simão Amante a refrear o ímpeto do «forcado»… é que os animais tinham subido a ladeira da Amoreira da Gândara e o dono zelava pelo descanso dos motores do seu ganha pão.
Simão Amante foi um grande senhor de Bustos e respeitado negociante de sal. Ainda hoje é recordado o toque do seu búzio [ver foto]. O anúncio do sal fazia ouvir-se a «léguas».
Era só para quem tinha peito...

Um agradecimento de Notícias de Bustos a Manuel Augusto dos Santos Simão Amante, a sua esposa Maria da Conceição de Oliveira Pereira , da Póvoa do Carreiro – Troviscal e ao neto Luís Amante pela disponibilidade em ajudar a reviver um precioso canto de Bustos.

Uma nota: Se a dr.a Clara Aires Guitas tiver tempo e puder dedicar-se ao tema do sal, irá encontrar preciosidades à volta da arca do tesouro «Simão Amante». E pode fazer uma incursão sobre a vida do emigrante em terras dos índios Caraíbas, Aruaques, Cumanagatos achadas por Américo Vespúcio, Alonso de Ojeda, Juan de la Cosa e visitada pelo enigmático Cristóvão Colombo que lhe deu o nome 'pequena Veneza' ou seja Venezuela. É que o Manuel Augusto também foi emigrante na República Boliviana de Venezuela.
sérgio micaelo ferreira

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