27 de outubro de 2015

ANTÓNIO FRANCISCO DOS REIS, “NEGOCIANTE NO BRASIL”


António Francisco dos Reis

“Terra adoptada: relato de um imigrante” reproduz  o caderno de “lembranças” escrito  por António Francisco dos Reis, que chegou ao Rio de Janeiro em 11 de dezembro de 1874,. Tinha 15 anos, haveria de cumprir os 16 em 20 de janeiro do ano seguinte,  e não sabia ler nem escrever.
Depois de permanecer no estado carioca por doze anos acabou por se instalar em Ouro Preto, capital do estado de Minas Gerais,  onde já estava o irmão João. Ali viveu durante 52 anos, tendo falecido em 1939.
Tal como refere Maria Francelina Drummond no texto introdutório, A.F.R não foi um “torna viagem” ou seja, não regressou definitivamente a Portugal.  Mas não se pense que retirou Bustos e os familiares que por cá ficaram dos seus pensamentos.
A morte do pai, Manuel Francisco Rei, em novembro de 1889, terá sido determinante para que no ano seguinte tenha empreendido a viagem até Bustos. Chegou à “casa de mamãe” às oito horas do dia 9 de Setembro de 1890, como precisa no seu manuscrito.  Este regresso inspirou-lhe um desabafo poético:

“Já é grande e doloroso
Com muitas penas chorando.
Todo cheio e alegria,
É que me fui  consolando.
Ó que tempos saudosos,
Que está passando.”

Ainda solteiro, A.F.R aproveitou a viagem para passear com a mãe, Josefa de Oliveira, e a irmã, Maria Rosa, visitando as cidades do Porto e Aveiro. Mas a principal missão foi realizada no cemitério de Bustos,”para memória dos meus”, como fez questão de referir:
“Em 18 de Novembro de 1890 construí no cemitério de Bustos em cima da sepultura de meu querido Pai uma campa e um Cruzeiro de Pedra Mármore e um gradilho de ferro, com as letras no dito cruzeiro: Recordações de sua esposa e filhos aqui jazem os restos mortais do finado Manuel Francisco Rei, falecido a 18 de Novembro de 1889, com 79 anos de idade.[1]

O jazigo(atualmente) no cemitério de Bustos

Em abril de 1891 António regressou ao Brasil. Haveria de se casar no ano seguinte (31 de dezembro de 1892) com Ambrosina Fiúsa dos Reis, filha de um português, que lhe deu cinco filhos: Benedito (1896), Eurico (1898), António (1901), Silvia (1903) e Marieta (1905).
Entretanto, em Bustos, tinham chegado ao fim os dias da mãe, Josefa de Oliveira, que faleceu em 15 de junho de 1901. 
Tinham passado 17 anos sobre a primeira viagem a Bustos, quando António decide voltar às terras de origem, desta vez acompanhado por mulher e filhos. De notar que, em 1906,  tinha comprado “todos os bens que o meu irmão João tinha em Portugal.”


António Francisco dos Reis e família em foto de 1909

No dia 18 de julho de 1907, num momento muito conturbado da política nacional, que ficou conhecido como “ditadura de Joâo Franco”,  António e família chegam a Bustos. O manuscrito não revela se vinha com vontade de se instalar entre nós, ainda que tivesse criado as condições para tal eventualidade. Certo é que aqui nasceu a filha Maria Fiúza dos Reis, em 28 de setembro de 1908. Nesse mesmo ano  António vendeu o património que detinha em Bustos, preparando assim a sua mudança para Vila de Barreiros, no concelho do Porto, o que viria a acontecer no ano seguinte.
O manuscrito não o revela, mas talvez a instabilidade política e o prenúncio  da revolução tenham levado A.F.R a regressar definitivamente ao Brasil. O que aconteceu depois de ter ajudado a irmã na construção da casa, e de mandar reconstruir o jazigo familiar, que ainda hoje conta com a inscrição que então mandou cinzelar: “Aqui jaz Manoel Francisco Rei e sua esposa Josepha de Oliveira (…)” Em baixo, à esquerda, acrescentou como que em nota de rodapé:” “Mandou construir este mazuleu seu filho António Francisco dos Reis - Negociante no Brasil.”
Não pude deixar de ir ao cemitério de Bustos em busca do testemunho feito pedra.
Não o encontrei na primeira passagem e quando já temia pelo desaire vi-me diante de uma inscrição que já bem conhecia: "Aqui jaz Manoel Francisco Rei e sua esposa Josepha de Oliveira..."


Clélia de Oliveira Loureiro cuidando dos arranjos florais

Ao ver-me especado a olhar a pedra tumular, uma mulher, aninhada entre duas campas, deixou os trabalhos de limpeza para me dizer:
-- Foi um senhor que foi para o Brasil que o mandou fazer.
-- Pois foi, respondi-lhe eu. E para lhe provocar maior espanto acrescentei: Deve estar escrito algures que o senhor era "negociante no Brasil".
Isso sabia ela porque, com a flôr que tinha na mão, logo me indicou o seu lugar. Clélia de Oliveira Loureiro, assim se chamava a mulher de boné, vestida de preto. Explicou-me ser o mausoléu pertença da família. E retomou o trabalho de limpar e renovar os arranjos florais. Sobre as pedras tumulares, entre flores e lamparinas de óleo,  viam-se placas com os nomes de outros familiares que ali repousam. No suceder das gerações tem-se renovado os ossos Sucedem-se em camadas, ajudando a perceber o sentido do tempo e a importância da família.
Era sábado, pouco passava das três da tarde, e apesar de um sol abrasador eram muitas as mulheres limpando, compondo flores, cuidando dos túmulos. Pareciam fazê-lo com a urgência de quem, com arranjos florais, materializa o amor e o respeito pelos mortos.
“É um culto”, escrevo na breve missiva que envio para Marcelina Drummond dando-lhe conta do sucedido. Do Brasil veio a resposta que confirma uma identidade que nem a distância ou o passar dos séculos consegue desfazer:
As mulheres que arranjam o cemitério e enfeitam túmulos, o fazem como tarefa sentimental, espontânea, cotidiana. Disse nosso antropólogo Roberto Da Mata que, no Brasil, nossos mortos são vivos, tal é a convivência que com eles mantemos na lembrança, na memória. Um traço cultural, sem dúvida, herdado de vocês.”

 Belino Costa



[1]  De acordo com os registos de óbito (assento nº27 de 1899) Manuel Francisco Rei faleceu no dia 17 e contava 74 anos. 

1 comentário:

  1. Alberto Zenha Martins19:23

    Ó Belino e era tão fácil encontrar esta pedra tumular! Um dos túmulos era dos meus visavós e pertence aos filhos e a Clélia é minha avó! O outro pertence à tia da Irene Micaelo.

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