8 de maio de 2014

CRÓNICAS DE "BUSTOS DO PASSADO E DO PRESENTE"

Rua da Póvoa: O "Vermelho" e os Ratos

Élio Freitas

Isto passou-se à volta de 1940, mais ano menos ano. O nome do rapaz era Álvaro Fabiano, mas na Póvoa todos lhe chamavam o "Vermelho". Nesse tempo, de dificuldades e de racionamento, a malta nova tinha que ser muita fina para conseguir uns tostões para a borga. Para o nosso "Vermelho" as coisas eram mais embaraçosas. Lá em casa quem vestia as calças era a mãe, neste caso era uma saiona negra e comprida que até servia de toalha quando a velha lavava a cara com a água das lagoas da rua....Lá dinheiro tinha ela da venda do vinho e milho. Mas agarrar o dinheiro da mãe, piava mais fino.
Para arranjar umas patacas "Vermelho" tinha que surripiar um alqueire de milho às escondidas. E quando a mãe descobria?
Imaginem o reboliço que ia lá pela casa. Como não havia cofres nem bancos, a velha matriarca, assim como outros lavradores, escondiam o dinheiro por muitos lugares da casa, porque se o guardasse debaixo de colchão da cama, "Vermelho" e os irmãos fácilmente o encontravam.
Um belo dia, "Vermelho" andava na adega a lavar um tonel quando descobriu um rolo de notas metido num buraco da parede. Foi como se lhe saísse a sorte grande. Só precisava de arranjar uma maneira de ficar com a massa sem que a mãe suspeitasse dele.
Nessa noite "Vermelho" nem dormiu com o entusiasmo e a expectativa da sua descoberta. De manhã, muito cedo, foi à adega, tirou todas as notas com muito cuidado e rasgou duas aos bocadinhos que deixou cair no chão mesmo por baixo do buraco. O resto das notas foram para o bolso. Depois, era só esperar.
Lá pela hora da sesta começou uma gritaria medonha. A velha, com voz alta que se podia ouvir lá fora, dizia: "Ai os diabos dos ratos que comeram o meu dinheirinho". E o nosso Vermelho, a fingir uma expressão de surpresa, quase não se podia conter com tanta alegria e emoção – desta vez conseguira ser mais fino do que a velhota avarenta.

Vermelho e os amigos tiveram borga, enquanto durou “o dinheiro que os ratos não comeram.

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