Rua da Póvoa: O
"Vermelho" e os Ratos
Élio Freitas
Isto passou-se à volta de 1940, mais
ano menos ano. O nome do rapaz era Álvaro Fabiano, mas na Póvoa todos lhe
chamavam o "Vermelho". Nesse tempo, de dificuldades e de
racionamento, a malta nova tinha que ser muita fina para conseguir uns tostões
para a borga. Para o nosso "Vermelho" as coisas eram mais embaraçosas.
Lá em casa quem vestia as calças era a mãe, neste caso era uma saiona negra e
comprida que até servia de toalha quando a velha lavava a cara com a água das
lagoas da rua....Lá dinheiro tinha ela da venda do vinho e milho. Mas agarrar o
dinheiro da mãe, piava mais fino.
Para arranjar umas patacas
"Vermelho" tinha que surripiar um alqueire de milho às escondidas. E
quando a mãe descobria?
Imaginem o reboliço que ia lá pela
casa. Como não havia cofres nem bancos, a velha matriarca, assim como outros
lavradores, escondiam o dinheiro por muitos lugares da casa, porque se o
guardasse debaixo de colchão da cama, "Vermelho" e os irmãos
fácilmente o encontravam.
Um belo dia, "Vermelho"
andava na adega a lavar um tonel quando descobriu um rolo de notas metido num
buraco da parede. Foi como se lhe saísse a sorte grande. Só precisava de
arranjar uma maneira de ficar com a massa sem que a mãe suspeitasse dele.
Nessa noite "Vermelho" nem
dormiu com o entusiasmo e a expectativa da sua descoberta. De manhã, muito
cedo, foi à adega, tirou todas as notas com muito cuidado e rasgou duas aos
bocadinhos que deixou cair no chão mesmo por baixo do buraco. O resto das notas
foram para o bolso. Depois, era só esperar.
Lá pela hora da sesta começou uma
gritaria medonha. A velha, com voz alta que se podia ouvir lá fora, dizia:
"Ai os diabos dos ratos que comeram o meu dinheirinho". E o nosso
Vermelho, a fingir uma expressão de surpresa, quase não se podia conter com
tanta alegria e emoção – desta vez conseguira ser mais fino do que a velhota
avarenta.
Vermelho e os amigos tiveram borga,
enquanto durou “o dinheiro que os ratos não comeram.
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