(São os pequenos gestos que transformam o mundo.)
Certo dia uma missionária, de visita ao sul da China, ficou tão fascinada com um estranho fruto,que fez questão de levar para casa, na Nova Zelândia, algumas sementes. Destas fez bom uso um viveirista local que, em 1910, conseguiu obter os primeiros frutos. Foram os primórdios de uma nova vida para a planta e para o fruto, então apelidado de Groselha Chinesa. Isto porque logo se multiplicaram os gestos e os frutos quando os agricultores da Nova Zelândia apostaram na plantação de grandes pomares, iniciando a produção em larga escala.
É em meados do século XX que, por razões comerciais, a Groselha Chinesa recebe o nome de Kiwi (o mesmo da ave, símbolo da Nova Zelândia) assumindo-se também como um dos emblemas do país. Inicia-se depois um processo que dissemina o Kiwi, espalhando o seu consumo e produção pelo resto do mundo. Até que, em meados da década de oitenta, chega à Póvoa de Bustos, instala-se nas traseiras da casa dos meus pais.
Os Quiuís, ou Quivis, adoram estar aqui. Poderão ter vindo lá dos antípodas, mas adaptaram-se a esta terra, a este sol, tornando-os casa sua. Caem dos galhos com garbo, parecem um exército de tão organizados, de tão coerentes na forma e no tamanho. E têm pelos, ora ter penugem é coisa própria de bicho, não de um fruto. E este, mesmo quando está maduro e suculento, não deixa de ser verde lá por dentro.
Cada um terá o seu gosto, a sua preferência, eu gosto de os deixar a maturar no meio das maçãs. Ficam ali num namoro, trocando fluidos, até que chega o dia em que se despedem desta vida. Umas vezes ataco de faca, outras de colher mas, invariavelmente, devoro-os com deleite.
Aproxima-se a colheita deste ano e os frutos mostram-se suculentos, mais orgulhosos do que nunca. Dir-se-ia que retribuem a atenção que minha mãe lhes devota. Dir-se-ia que perante cuidados tão extremosos eles retribuem, crescendo alegremente. Sem suspeitarem que as suas vidas se cruzam, que há um destino que amarra planta e plantadora.
“Vou ter que os mandar arrancar que eu já não tenho forças e não arranjo quem cuide deles,” confessa minha mãe fitando-os com desvelo. Percebo na sua voz uma emoção conformada. Returco fazendo uso de uma lógica urbana, própria de quem da agricultura tem uma vaga lembrança: “Não os arranques, deixa-os ficar aí!”
Minha mãe abre os olhos de espanto. Perante tão escandalosa proposta responde com autoridade e certeza: “Não sou capaz. Deixá-los aí ao abandono, nem pensar!”
A pensar fiquei eu, numa tentativa de aplacar a minha enorme ignorância. Dei por mim a descobrir coisas tão importantes quanto belas e fiquei a saber um pouco mais da essência do lavrador, da ética e da sabedoria de minha mãe Esmeraldina. Quem passou a vida inteira a cuidar das árvores e das plantas, quem organizou os seus dias em função do cultivo do solo, multiplicando sementeiras e colheitas não trai a sua essência, a sua razão de ser, a sua condição agrícola. Quem sempre viveu da terra e ama a natureza não abandona plantas e frutos, não despreza essa razão de vida, esse ganha-pão.
Já conhecia as virtudes do Quivis para a nossa saúde, das suas combinações vitamínicas, da importância dos seus elementos minerais. O que eu não suspeitava, até porque tal conhecimento que não vem nas enciclopédias, é que cada um deles me pode dar também o sabor de quem os trata, o amor de minha mãe.
Belino Costa
Dou os parabéns pelas frases escritas. Porque existem outros valores para além,dos revendedores que são puros Pontas de Lança dos liberalismos económicos (dinheiro vivo...,eu também cultivo algumas plantas de quivis por gosto, porque a pequena escala, não paga a água que se gasta, temos de atingir o PC , ponto crítico , despesas, receitas, mas nesta área da agricultura com letra minúscula para quem produz e com letra de especulação para os intermediários. Analise a castanha que os produtores vendem(?????) a70 cêntimos e eu tenho de a pagar a quatro euros ,esta análise extende-se a outros produtos....
ResponderEliminarQuero agradecer o texto.Acabei de o ler e senti-me mais feliz.
ResponderEliminarBelino, à medida que ia lendo esta tua história, ia-me lembrando das várias vezes que fui a casa dos teus pais, ao encontro da tua mãe, Dona Esmeraldina, e lá a chamava, chamava e nada... Entrava, indo directamente para o quintal, onde encontra-la é e espero que continue a ser, efectivamente junto do seu pomar de Kiwis...
ResponderEliminarAlexandre Duarte