2 de setembro de 2008

Ti Cremilda: um grande amor por detrás das tardes do Piri-Piri

Foi ontem a enterrar Cremilda Martins da Silva, exactamente no mesmo dia em que fazia 4 anos que falecera o marido, o Manuel Aires das bicicletas.
Então ainda à frente dos destinos do seu café e restaurante, o Manuel Aires e a Ti Cremilda foram os patronos dos nossos tempos de juventude. Tempos das famosas tardes do Piri-Piri de que falava o saudoso Carlos Luzio e que o Milton Costa soube tão bem interpretar no prefácio do livro de poemas do Carlitos que editámos em 2005 -
Pescador de Sonhos.
É impossível esquecer o carinho que o casal sentia por nós, a bondade com que punham à nossa disposição o assador do restaurante para ali prepararmos as nossas patuscadas.
Mas a Ti Cremilda e o Manuel Aires viveram aquela que terá sido uma das mais lindas histórias de amor que Bustos conheceu.
Em 1938 o Manuel Aires era um jovem de 16 anos, filho duma família mais abastada. Ao contrário, a jovem Cremilda – então apenas com 13 anos - era uma rapariga filha de pais menos afortunados. Contrariando as regras da época, o Manel e a Cremilda apaixonaram-se, o que os obrigou a esconder o amor puro e inocente que os unia.
E como o amor tem pressa e não conhece barreiras nem fronteiras, os jovens enamorados seguiram os usos da época: fugiram de casa dos pais, apanharam o comboio na estação de Oliveira do Bairro e apareceram de surpresa na cidade da Guarda, já então conhecida pelos cinco “efes” - farta, fria, formosa, fiel e forte. Mas porquê a longínqua Guarda? Porque ali vivia um tio materno da Cremilda, de seu nome Vicente Tavares da Silva e porque lhes terá parecido que ali encontrariam boa guarida, ainda por cima tão longe dos mexericos da aldeia.
A história foi até lembrada por Vitorino Reis Pedreiras, a págs. 99 do seu livro Memórias de Outros Tempos: “Dia 29 – Semeando um pinhal. Um rapto[o autor reportava-se ao dia 29 de Dezembro de 1938].
Um pormenor interessante: os apaixonados apresentaram-se em casa do tio Vicente como estando em lua-de-mel. Claro que a tia Idalina era senhora daquela argúcia que só as mães têm e logo tratou de preparar duas camas em quartos bem separados, avisando-os solenemente que não admitiria que dormissem juntos. - Nem pensar!
Ladinos, responderam-lhe: - Não vale a pena, porque já está
O desfecho não poderia ser outro: avisados, logo no dia seguinte os envergonhados pais da Cremilda foram à Guarda buscar o ousado casal de fugitivos.
E como quase sempre acontece nos grandes romances de amor, a Cremilda e o Manuel casaram no ano seguinte e viveram uma felicidade cúmplice durante 65 anos. Amaram-se e respeitaram-se a vida inteira.
…E tiveram uma linda menina, a nossa muito querida Milita do Aires.

Texto conjunto de
sãododomingos,
vandarafeiro
oscardebustos

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- NOTA FINAL: à data dos factos e como rezava solenemente o artigo 392º do Código Penal de 1866, “aquele que, por meio de sedução, estuprar mulher virgem, maior de doze e menor de dezoito anos, terá a pena de prisão maior celular de dois a oito anos, ou, em alternativa, a pena de degredo temporário.”
Como nos contos de fadas, um providencial § único do artigo 400º daquela lei propunha uma saída airosa para o criminoso: "casar com a mulher offendida”. Foi a melhor notícia que aquele apaixonado casalinho poderia ouvir! O que explica terem casado em 1939 não por iniciativa dum qualquer pároco ou das leis do registo civil, mas por força da decisão dum tribunal.

1 comentário:

  1. Anónimo23:08

    Há histórias bonitas, algumas pouco verdadeiras porque são histórias!
    Mas esta sensibilizou-me pelo conteúdo, que se me apresenta de todo verdadeiro.
    Cumprimentos

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