6 de setembro de 2006

DR. ASSIS REI: MUITO MAIS DO QUE UM FARMACÊUTICO


Assis Francisco Rei, filho de Manoel Francisco Rei e Maria de Jesus, nasceu em Bustos a 11 de Maio de 1921. Esteve para seguir o destino dos irmãos, emigrantes na América, mas o mais velho tirou-lhe tais ideias, aconselhando-o a “ir estudar para professor primário.”
“ Deveria ter 18 anos quando fui para o colégio de Oiã onde andei a assistir às aulas quase durante todo o ano. Quando chegou a altura dos exames o Analecto propôs-me a exame do terceiro ano. Tive tanta sorte que só chumbei a uma cadeira que acabei por fazer na época de Outubro.”
Inicia assim o processo de formação que nem a tropa, onde esteve três anos, veio interromper já que, continuando os estudos, lá completa o sexto ano. Oferece-se depois para ir para os Açores, e antes de passar à disponibilidade faz o sétimo ano e exame de aptidão, em Lisboa.
“Pretendia fazer Agronomia mas o Briosa, da Póvoa do Forno, tirou-me tais ideias. Depois, nas férias em Bustos, o Fresco da farmácia tanto insiste que me convence a tirar o curso de farmacêutico. Assim fiz.”

Farmacêutico em Bustos

Concluído o curso, de volta à aldeia natal, o jovem farmacêutico não só arranja trabalho com faz sociedade com o homem que o impulsionou a seguir tal caminho:
“Era um homem honesto mas com gostos de rico. Foi espalhando dívidas e a certa altura o Tribunal andava em cima dele. Foi por isso que pediu a transferência do alvará da farmácia para outra localidade. Simultaneamente eu pedi alvará para Bustos. Foi assim que me tornei proprietário da farmácia de Bustos. A farmácia Fresco e Almeida desaparece passando a chamar-se farmácia Assis Rei.”

Dos 15 anos que se seguiram recorda com especial saudade os tempos de convívio no Pompeu, lembrando-se mesmo um branco supimpa, Arneiros de seu nome, fornecido pelo engenheiro Mário Pato. E não pode deixar de invocar a figura do Dr. Heitor, “ médico conceituado e grande caçador”.
“Era um bonacheirão que tratava toda a gente, pudessem ou não pagar. Muitas vezes me mandava doentes à farmácia, como era o caso de alguns ferimentos, com o seguinte aviso: “Isto é gente que não paga”. E assim acontecia.
A Farmácia Assis Rei tornou-se uma das marcas essenciais do centro de Bustos, até que por volta do ano 2000 mudou de dono.
“ Fi-lo porque os meus filhos não quiseram seguir o ramo. Vendi, peguei no dinheiro e dei-o aos filhos... Pesou-me imenso essa atitude. Eu, que estava em todas, de repente quebrei o ritmo, parei.”

Professor e Presidente da Junta

A direcção da farmácia foi apenas uma função entre outras porque, durante 35 anos, o Dr. Assis exerceu também o professorado leccionando Física , Química e Botânica, nomeadamente no Colégio de Bustos e de Oliveira do Bairro.
Mas recuemos até 1956, altura em que chega à presidência da Junta de Freguesia de Bustos. Um republicano, que em muitos 5 de Outubro foi fogueteiro clandestino, um oposicionista ao Estado Novo, alcança o poder em plena ditadura Salazarista, razão pela qual há hoje em Bustos uma rua com o seu nome. “ Na altura disse que discordava porque não foi por ter estado na Junta que merecia tal distinção. O que fiz foi pouco e não tem merecimento para tal, mas eles assim decidiram e nada pude fazer”.
E como chegou um “oposicionista” a chefiar da Junta de Freguesia?
“ O Engenheiro Pato trabalhava na Câmara de Oliveira do Bairro e, apesar de ser do contra era amigo do Presidente Santos Pereira. Na altura a Junta era do João Luzio que dominava o comércio em Bustos. Queríamos mudar isso, e como se previa a realização de eleições a oposição estava para fazer listas. No entretanto o Santos Pereira, antecipando-se, vem falar comigo na companhia do Dr. Heitor e diz-me: “Então você anda nas sessões clandestinas de Aveiro e vai fazer parte de uma lista para a Junta! Não pense nisso porque eu é que o convido para a minha lista.”
"A única condição que colocou foi a presença do Manuel Luzio, pelo que aceitei e, juntamente com o Manuel Joaquim, lá fomos eleitos. Fomos encontrar uma Junta desfalcada. Não havia nada, nem escrita alguma, nem sequer selo branco existia. (Só apareceu oito dias depois da tomada de posse!). Como não havia dinheiro virei-me para o Manuel Luzio e disse: “Na UDB temos que pagar para trabalhar, aqui parece que vai ser o mesmo, pois não temos dinheiro nem qualquer verba atribuída. O Manuel Luzio respondeu que se era para gastar dinheiro que não contassem com ele. Acabou por ir falar com o Santos Pereira, que mais tarde também me chamou a Oliveira do Bairro, mas não conseguimos qualquer verba. Eu e o Manuel Joaquim lá conseguimos aguentar a coisa e fazer algum trabalho. Abrimos a rua do S. João à Azurveira e limpámos as valetas. Acabámos por receber subsídio de cerca de cinco contos por ano, cerca de 25 Euros na moeda de hoje. Cumpri a função durante quatro anos e depois disse basta, não aceitei a recandidatura.”


Presidente da UDB

Foi presidente da União Desportiva de Bustos “uma data de vezes”, já nem se lembra quantas, mas recorda-se que foi numa direcção a que presidiu em que pela primeira vez o clube inscreveu os juniores em competições oficiais, dando início a uma lógica de formação de jogadores. O grande problema era a falta de receitas para manter o clube pelo que "inventaram" os cortejos de oferendas para a bola (a exemplo do cortejo de Reis) e, sobretudo, os bailes.
“ O que aguentou a bola durante muitos anos foi o salão do Ferreira. Graças às receitas dos bailes, das revistas e do cinema. Quando apareceu a piscina também organizámos eventos com os Galitos, o Recreio de Águeda e a Académica. O Vitorino Pedreiras, que era um fora de série, fazia a oferta da exploração da piscina ao futebol o que aconteceu durante algum tempo.”

Patrono da Biblioteca

“Na altura a gente metia-se em tudo”, recorda invocando o princípio republicano da cidadania que nunca deixou de ser afirmado em Bustos, mesmo contra ventos e marés. A Biblioteca Fixa da Gulbenkian foi uma causa entre tantas outras.
“ A Comissão de melhoramentos que lançou a Biblioteca acabou por se desfazer. O Arsénio foi para o Porto, o engenheiro Pato para Águeda e eu fiquei só. Passei então a receber os inspectores que visitavam a Biblioteca e a leva-los a merendar ao Piri-Piri. Quando a Biblioteca veio para cima da farmácia era eu quem pagava a renda e a luz e era o Manuel Serralheiro e o Abel Serralheiro que tomavam conta dela depois do trabalho. A iniciativa foi do Abel que me disse: “ Se você aguentar a renda eu dou todo o meu esforço e aguentamos isto.” “Ó homem está feito”, respondi-lhe. “ E foi com o trabalho gratuito dos dois que a Primeira Biblioteca do Concelho foi sobrevivendo. Isto até que um professor do colégio foi para a Câmara, conhecimento que permitiu que então se assegurasse um subsídio.”

E Agora?

Hoje, com 85 anos bem cuidados, Assis Rei vive uma calma reforma: “Agora faço muito pouco. Olho pelo quintal, gosto de pegar num livrinho, se bem que não o faça todos os dias, passo o meu bocado na café a jogar uma cartada com os amigos. E, de vez em quando, dou uma curva até às máquinas do Casino da Figueira.”
O jogo, em especial de cartas, sempre fez parte do convívio bustuense e o Dr. Assis ainda hoje não dispensa a sua jogatana, ele que conviveu com o grande mestre: “ Domingos da Maia Romão não foi só um mestre alfaiate, foi um mestre do jogo, o maior de todos, um grande companheiro e um grande amigo.”
Dos tempos idos, para além de uma memória bem viva, diz que guarda apenas os restos do tabaco. E sorri com a bonomia de sempre.


Belino Costa

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