28 de janeiro de 2006

JOAQUIM 'ANACLETO' UM SENHOR GUARDA-REDES

Joaquim Simões Pedreiras, setenta e seis anos cumpridos, filho de Anacleto, não perde um jogo no campo Dr. Manuel dos Santos Pato, palco onde protagonizou alguns dos melhores momentos de futebol. A conversa vai esticando o fio das recordações, enquanto a UDBustos consolidava mais uma vitória.

GUARDA-REDES, POR ACASO
Aos catorze/quinze joga a interior direito no Futebol Clube de Bustos até que uma tarde azarenta de João Crespo, o Joaquim «Anacleto» lança uma boca: “Não tens vergonha de deixar entrar a bola!”.
O João, que estava a preparar-se para emigrar para Moçambique, despe a camisola de guarda-redes e, irritado, atira-a para o «Anacleto».
Este episódio marcou o início de uma longa carreira de guarda-redes que se prolongou entre os dezassete e os trinta e sete anos, e que foi interrompida na sequência de uma lesão sofrida numa disputa de uma taça popular no Campo da Amoreira da Gândara.
Ainda hoje sente dores no sítio atingido.

GAVETAS PAGAM PRIMEIRO BILHETE DE IDENTIDADE
“Aos 17 anos, fui inscrito na Associação de Aveiro”, e recorda que o seu primeiro Bilhete de Identidade foi pago pelos Gavetas”.
Entretanto Joaquim “Anacleto» teve uma arrelia com a direcção e mudou-se para os Azuis de Bustos.
No início alinhava pelas reservas ou era suplente do Artur Fontes.
Entretanto este emigra para África “e eu ascendi” à categoria principal.
Naquele tempo, o seu primo Manuel Simões, (o Latas) orientava com rigor a equipa. Todos lhe tinham respeito. “Só alinhava quem sabia jogar bem … e quem não treinava, não era convocado”.
O Latas (conhecido por ter uma oficina de latoaria junto da barbearia do ti Margaça) tinha fibra de jogador e era um virtuoso no toque de bola. Só não ingressou n’Os Belenenses, porque emigrou para o Brasil.
A talhe de foice, vem à baila a conversa tida com Inocêncio Caldeira: "poucos se recordam das camisolas dos gavetas com riscas vermelhas e pretas (à Olhanense) ou com as cores verde e amarela, em diagonal"[1].
Ainda hoje é falada a rivalidade entre gavetas e canecas que chegava a provocar animadas discussões e zangas na família.

NÃO ÉS DE BUSTOS?
Entretanto vai assentar praça na Escola Prática de Cavalaria de Torres Novas.
Na recepção, ouve um 1º cabo – de Águeda – a perguntar «Não és de Bustos?».
“Conhecia-me da bola” Foi o suficiente para fazer a propaganda … O capitão da companhia, era presidente do Desportivo de Torres Novas e pretendia que o Joaquim “Anacleto» ingressasse no seu clube, só que o soldado trocava-lhe as voltas, porque andava a tratar da sua transferência para Aveiro. Tudo em segredo.
Qualquer folga no quartel passava-a na pista de saltos dos cavalos, onde saltava os obstáculos sem fazer a corrida de chamada para o impulso. Pela facilidade com que saltava valeu-lhe o epíteto de “atleta contrabandista”. “Tinha sempre malta a assistir”.
Muda para o Cavalaria 5. Conhecida a sua aptidão para o desporto, participa nos campeonatos militares de futebol e de basquetebol.

JOAQUIM ANACLETO CAMPEÃO
Regressa da tropa. A recém criada União Desportiva de Bustos (1948), resultante da fusão dos clubes rivais, acolhe o Joaquim “Anacleto». Faz uma época em que é considerado dos melhores guarda-redes do distrito. E foi o menos batido.
Mas o “Anacleto» insiste que fazia parte de uma equipa de luxo. Pelo seu valor, os seus companheiros de ontem fariam parte de qualquer equipa de nomeada.
As vitórias de 4-0 sobre o Beira-Mar, para a taça; e nos amigáveis, 2-1 ao Anadia e ao Lousã[3] e sobre a Naval ainda hoje enchem o peito de orgulho.

Lamenta que a União não tenha subido à 3ª divisão nacional por “ter sido prejudicada” no jogo contra o Arrifanense.

De início, havia prémio de vitória e empate nos jogos fora. Em casa, era obrigatório ganhar, ão havia bónus. No fim, como havia falta de dinheiro, já não se recebia, "mas tínhamos direito a entrar de borla nos bailes" (nesse tempo, eram organizados pela UDB).

RASTEIRAS
Entretanto o «Bustos» é multado pela Associação de Futebol de Aveiro e, para não pagar a coima, muda o nome e tenta a inscrição do clube na Associação de Coimbra. A sede do ‘novo’ clube seria na Malhada. Só que o campo ficava no distrito de Aveiro. Descoberta a marosca, a inscrição foi rejeitada.
O “Bustos” passou a alinhar só em jogos particulares.

BADAJOZ, MONTIJO, BEIRA-MAR,...
Aí, pelos seus vinte e seis(?) anos o Joaquim «Anacleto» enverga a camisola d’O Elvas[2] e participa em dois jogos particulares: um com o Badajoz, em Espanha e outro no Montijo. “Pagavam-me dois mil escudos por mês” (10,00€, arredondados).
Ainda treinou no Beira-Mar. Mas como não toleravam faltas aos treinos e «pagavam só lá pr’ó fim», desisti.
Por indicação do Aguinaldo que tinha sido transferido do Beira-Mar para Os Belenenses, o Joaquim «Anacleto» ainda foi tentado a jogar nas Salésias. O Adriano Alfaiate meteu cunha a Manuel Sérgio, o Eduardo Santos (dos Correios) tinha conhecimento do interesse de Lisboa, mas o «Anacleto» teve de recusar … “a minha mãe não gostava que eu saísse de casa para ir jogar a bola”.

REFERÊNCIAS
Joaquim «Anacleto» recorda a competência de treinador do tenente Quaresma e do Simões (Latas); elogia os grandes guarda-redes de Bustos – para falar dos mais velhos – António Pato; Artur Fontes. O Duarte Branco (Bolachinha), após ter sofrido uma lesão, passou a jogar na linha avançada. Só voltou à baliza, quando o Joaquim «Anacleto», ao cair mal – e sozinho - deslocou o braço. O trabalho de recolocação foi feito pelo Dr. Jorge Micaelo.

Ainda hoje fica maravilhado ao recordar o futebol praticado pelos seus colegas.

ÁRBITRO DE TORNEIOS POPULARES
O Joaquim «Anacleto», antes de emigrar para o Canadá em 1967, ainda chegou a pisar os campos de futebol mas para arbitrar em torneios particulares. Completavam o trio, o Eduardo dos Correios e o Sol de Vila Verde. “Nós nunca fomos ameaçados”.
Em 1987, regressa à Picada.
O futebol ainda continua a correr-lhe nas veias.
A rematar, confessou: “Gostava tanto de futebol que até jogava de borla”.
'Nós jogavamos por amor à camisola'.

CONSAGRAÇÃO?
Os veteranos heróis da bola (jogadores, directores e equipas técnicas) andam por aí, esquecidos. Pode ser que um certo 18 de Fevereiro também consiga lembrar-se deles.

Quem sabe?
(sérgio micaelo ferreira)
...
[1] Estas camisolas verde e amarela em diagonal, faziam parte do equipamento oferecido por Lino Rei – director, treinador e «taxista» no seu Dodge – quando reactivou o futebol dos gavetas (Eng. Santos Pato).

[2] O Joaquim Anacleto tinha família em Elvas., e a fama das suas aptidões para guarda-redes ficou demonstrada no campo.

[3] O jogo amigável na Lousã foi conseguido graças ao empenho do Dr. Assis Rei, então Director da UDB. Nesse jogo, o Joaquim Anacleto exibiu-se a grande altura. Não queriam acreditar que o guarda-redes fosse de Bustos.

(srg)
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5 comentários:

  1. Mais um excelente contributo para cada vez mais e melhores noticiasdebustos.
    Ainda me lembro do amigo Anacleto defender as redes da UDB.
    Era um senhor, apesar de já então andar pelos "trintas".
    O Artur Fontes é outra da figuras incontornáveis, logo ele que não falha aos jogos da garotada, ao sábado e domingo, como quem vai à missa. Um dos parceiros dele na bola é o Manuel Grangeia (Gueso), pai desse grande craque que foi o Necas Gueso (contemporâneo do Toni) e meu colega de escola, do Colégio Nacional de Anadia e depois da Universidade de Coimbra (ele em engenharia, que nunca acabou, porque a Venezuela estava ali tão perto).
    Hajam Altinos para perpetuar Bustos!

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  2. Anónimo18:59

    O Duarte Branco (Bolachinha) reside na Vista Alegre. Não sei se ainda tem praça de táxi na Palhaça. Costumava aportar diariamente (não sei se ainda o faz) no Café Ponto Final, na Praça de S. Pedro.
    Quando era gerente do Café Restaurante Capri e eu morava mesmo ali ao lado, contava-me histórias entusiasmantes de Bustos, sem esquecer as farras com os amigos. Foi através dele que ouvi falar, pela primeira vez, nos Canecas e nos Gavetas, nas peripécias com o padre Vidal e outras coisas mais.
    Vale a pena ouvi-lo. É um excelente conversador e sabe bastante da poda (coisas antigas de Bustos).

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  3. Anónimo21:40

    Bem-hajas a carlos braga e a oscar de bustos, pode ser que alguém se diponha a escrever com estes construtores do imaginário de Bustos.
    Duarte 'Padeiro' ainda deve ter alguma memória do tempo do racionamento ...As enormes filas em frente à padaria, ansiando por um sêmea...

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  4. Ulisses e mãe Benilde Aires disseram, ao borralho, que é mais quentinho, ademais ajudados por 2 ponchezitos (eu e o comendador):

    O Guiomar era da Caneira e casou na Azurveira com uma parenta do Mário Rui Belinquete. Viverá na Venezuela, em Barquisimeto.
    O Belinquete poderá explicar melhor e aqui o desafio a meter colherada, que esta gaita não é da esquerda nem da direita, é de todos.
    O Alexandrino terá sido dos muitos migrantes do norte, obviamente com a arte de pintor da construção civil.
    O resto é malta da terra, com a particularidade do Duarte ter sido um dos que foi treinar no Belenenses, o clube mãe, para onde viajou por iniciativa do mecenas Manuel Sérgio.

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  5. Esclarecimento do Franklim Pinto, acabadinho de chegar por mail da Califórnia, que, como sabeis, é já ali ao virar da esquina:
    ..
    "Oscar: esclarecimento sobre o Guimar e o Alexandrino. Conhecia muito bem ambos. Em primeiro lugar, o Guiomar foi sempre conhecido pela nossa familia como Diomar, e era amigo intimo dos meus pais e da minha familia na Azurveira. Nao me lembro do nome da esposa, mas era filha do Joao Tango, e sobrinha do ti Barroco e ti Amandia da Azurveira, em casa de quem foi o casamento, aonde eu estive, inclusivamente com o James. Finalmente, o Alexandrino, durante o tempo que jogou na UDB, trabalhou para o meu pai, e comia e dormia na nossa casa. Lembro-me muito bem de todos esses jogadores desses tempos, pois eu andava sempre com o meu pai e ia a todos os jogos, em casa e fora. Tenho uma nitida lembranca de ver a tua mae, num jogo disputado na Arrifana, durante uma tarde de calor. Ate sempre.
    Franklin
    PS por qulquer razao, o blog nao me deixa entrar para poder escrever comentarios."
    *
    Olá, grande AMIGO e COMPANHEIRO, da escola e das traquinices, que naquele tempo é que era (pois, e a fome e miséria?).

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