20 de janeiro de 2006

ALCIDES FREITAS EVOCA A «FESTA DO GALO»

Há uns dias, tive de ir a San Francisco visitar uns amigos. Como a distância que nos separa não é excessiva, fiz a viagem de carro. O tempo não estava tão mau, pois ora chuviscava ora fazia sol. Parecia um dia típico de Primavera, muito embora estejamos no meio do Inverno. E por aí ia eu, despreocupado e já a pensar no almoço e na boa conversa com os meus amigos. À medida que me aproximava do destino, comecei a notar ao lado da auto-estrada umas árvores plantadas para embelezar a via e que já começavam a mostrar as suas lindas flores amarelas, todas elas em forma de bolinhas mimosas. Sim, não tinha dúvida, tratava-se de acácias, também conhecidas como mimosas. Interessante é o que estas árvores em flor me fizeram lembrar...

Era eu então um jovenzito na terceira ou quarta classe da Instrução Primária. Todos os anos, lá para os fins do Inverno ou princípios da Primavera, quando as acácias começavam a mostrar as suas lindas flores amarelinhas, as crianças da escola local celebravam o dia da Festa do Galo.

Que grande festa!

A primeira coisa a fazer era encontrar um lavrador que tivesse um carro com rodas de borracha, para que fosse mais fácil a empurrar. Normalmente, esse carro era usado para o transporte de um motor de rega que era levado de poço em poço. Lembro-me bem de ter pedido o empréstimo de um desses carros ao Senhor Aires da Quinta Nova. Sabendo para que era, o Senhor Aires sempre nos deixava usá-lo. Levávamos o carro para casa dos pais de um dos alunos e ali ficava por uns dias (antes da celebração da Festa do Galo) para que o carro fosse arranjado. Era transformado numa capoeira ambulante, toda coberta com arame, com uma porta e tudo. Depois, o carro era enfeitado com flores, sendo os ramos de acácia em flor o material favorito para o adorno. Ficava uma autêntica maravilha. Lindo, mesmo muito lindo!
Agora com o carro todo arranjadinho e no dia designado, o carro era levado para a frente da nossa Escola Primária. Nesse dia, as crianças vinham para a escola todos bem vestidinhos e carregados com os seus presentes: podia ser um galo, uma galinha, um coelho, um quilo de açúcar, um quilo de arroz, um frasco de mel, etc., aquilo que cada um pudesse dar. Todos os presentes eram colocados
dentro da capoeira, em cima do carro enfeitado. E, a uma hora certa, lá íamos todos nós empurrando o nosso carro direitinho à casa do Senhor Professor -- que nem sempre vivia em Bustos. Lembro-me de ir levar o carro com os presentes ao Troviscal e a Samel, onde residiam os nossos professores dessa época. Quando chegávamos a casa do Senhor Professor, ele ali estava à nossa espera para receber os presentes, que representavam gratidão e respeito dos seus alunos e pais. Para concluir o evento, o Professor tinha para todos nós refrescos como laranjadas, pirolitos, pão de folar, tremoços, figos secos, bolachas e outras coisas boas e doces. Esse dia, Festa do Galo, era mesmo uma ocasião de alegria que continua a viver na minha memória sempre que vejo as lindas flores amarelinhas da acácia...

Alcides Freitas (Janeiro 2006)
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7 comentários:

  1. Não há como viver longe para reviver como se fosse hoje os tempos lindos da nossa infância.
    A notícia do nosso amigo e "correspondente" da Califórnia trouxe-me à memória os tempos da minha meninice e juventude, tempos em que eu, acompanhado do sempre eterno Ti Carradas, do Heitor Carvalho e do Ti Joaquim Antero, percorríamos Bustos, Samel, Ouca e outros lugares circunvizinhos a recolher a merecida avença cobrada pelo meu Pai pelos serviços prestados como ferrador e castrador, melhor dizendo "Alveitar".
    O meu Pai entregáva-nos listas em papel azul de 25 linhas contendo os nomes dos clientes, por lugares e/ou freguesias, uma espécie de folhinhas "excel" e onde, além dos nomes, constavam quadrículas para cada um dos principais produtos: batata, milho, cebola, abóboras, que são os que me lembro.
    Com o decorrer dos anos já sabíamos de cor (ou lembrava-o o perspicaz e culto Ti Carradas) onde estava o bom vinho, a chouricita desejosa de sair do fumeiro,a cachacita (mais pela fria madrugada) a palavra amiga.
    Saberá o Milton que aqueles três saudosos e alegres companheiros já usavam a expressão "COLEGA"?
    - "Olha, este aqui é Colega! Já não era sem tempo, que ali para trás só deixámos forretas!"
    E enquanto eu empurrava a carreta de rodas de pneu de motorizada (seriam da "Kreisler" do Ti Carradas?) ia aprendendo a palavra LIBERDADE.
    Que grande Professor da disciplina não foi o Ti Carradas!
    *
    (Deixei cair as primeiras lágrimas no meu delicioso portátil, novinho em folha)
    *
    VAMOS SONHAR...
    COM A LIBERDADE!
    VIVA A LIBERDADE!!!

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  2. Anónimo10:19

    O episódio da “Festa do Galo” presenteada pelo Alcides Freitas fez dar à tona o sistema de pagamento pela prestação anual de serviço de algumas profissões, a Avença. Este sistema de pagamento do “contrato firmado pela palavra” abrangia o médico; o alveitar [sempre ouvi dizer: ‘alvitar’, consultar “Glossário de Termos Gandareses”, Idalécio Garção, Edição patrocinada pela Associação de Municípios da Gândara Cantanhede – Mira – Vagos, 2002]; o barbeiro e (…?). As carretas das avenças dos médicos e dos alvitres, quando se aproximavam do regresso iam bem carregadas de produtos agrícolas e de sorrisos da equipa cobradora, a dos barbeiros, era menos numerosa (2?), mas acompanhava o mesmo sorriso. O Alcides & o Óscar reabriram o arquivo da etnografia local. A Festa do Galo e as avenças, cá do sítio, ainda têm muito escondido.
    Uma questão. A escola 5ª Nova – escola feminina – também festejava a Festa do Galo?
    -
    Nota: O texto "Festa do Galo" deveria ser ilustrado com uma carreta decorrada a rigor. Acaso existe alguma foto da época que possa enriquecer o texto do Alcides?

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  3. Anónimo16:18

    Sérgio: diz e escreve sempre alveitar, termo antigo «actualizado» em veterinário! O livro do Idalécio Cação não é nenhum dicionário da língua portuguesa!! É um registo de falares gandareses!!!

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  4. Anónimo17:19

    O costume da «Festa do Galo» está viva na memória dos bustuenses, não há dúvida. Por isso é por nós bastante evocada. Todavia, não há, ao que me parece, uma ideia de como e quando se iniciou tal costume. E falta saber também até onde ele se estendeu, em quantas freguesias ou concelhos foi praticado...
    Admito, ou imagino?, que o costume terá provindo de um tempo em que os professores primários locais - os «mestres» - eram pagos, pelo menos em parte, pelos pais dos alunos embora o ensino fosse «oficial». Isto ocorria mesmo nos primeiros tempos da República. Neste contexto, seria muito provável que os alunos, apoiados pelos seus pais, quisessem gratificar o «mestre-escola» pelo menos em parte, ou simbolicamente. E a pessoa contemplada retribuía e acolhia a miudagem em festa! Terá sido algo assim que o costume nasceu? Haja quem se pronuncie! arséniomota@tvtel.pt

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  5. Anónimo14:09

    Parabéns ao Alcides por ter escrito este texto; fez-me lembrar duas festas do Galo durante a 3ª e a 4ª classe (estudei principalmente nos EU). Lembro-me que era por volta do Carnaval, porque os miúdos do Sobreiro compravam bombas e havia muitos estoiros. Até havia quem comprasse foguetes em miniatura. Havia sempre alguem que dava umas folhas de palmeira, e iamos partir ramos de "bichaneira" para os lados da Presa do Caldeira (que foi destruida) como aqulas que o Alcides mostra na folografia. Era um dia muito feliz para todos nós a empurrar a carreta pelas ruas até Samel (Professor Pires) e até à Amoreira da Gândara (Professor Modesto).
    Não me lembro de levarmos garrafas de vinho ou de bagaço, mas lembro-me das galinhas e galos de todas as cores e feitios. Eu olho sempre para os animais com atenção e a Festa do Galo oferecia-me a possiblidade de olhar de perto lindas aves de raças que hoje já não existem ou estão a desaparecer, como as "pedrezas" e as de "pescoço pelado". Esta última raça foi muito importante no sul da Europe porque aguentavam melhor o calor. O pescoço pelado permitia maior transpiração e menos aquecimento do animal que podia morrer de insolação.

    Queria também dizer que a palavra veterinário é muito antiga e deriva, se me lembro bem de Veteras (velho, ancião; a raíz de Torres "Vedras"; veterno) porque estes médicos de animais eram geralmente homens velhos. Penso que aínda se pode usar a palavra alveitar porque existem (em Bustos) pessoas que são alveitares (não andaram na Faculdade de Medicina Veterinária), tal com o Libório que aprendeu a tratar de animais com o querido e saudoso amigo Manuel Joaquim dos Santos.
    Um dia, há poucos anos, o Manuel Joaquim foi capar um porca a minha casa e pediu-me para o ajudar a capar o meu porco e os de uns vizinhas. O Ti Manuel Joaquim já não tinha força para lidar sózinho com os animais e o Libório não estava em Bustos. Fui com ele e andei quase uma manhã a ajudar a capar porcos. Eu aprendi muito com este ilustre alveitar; os porcos é que não acharam piada.
    Milton Costa

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  6. Anónimo14:07

    Milton: Singelamente como quem conversa (e gosta de conversar), direi que, segundo o Dicionário Etimológico do José Pedro Machado - Livros Horizonte, 3ª ed., 1977 - «alveitar» provém do árabe al-bai Tär, que por sua vez deriva do grego hippiatrós, «médico veterinário». Portanto...

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  7. Anónimo09:07

    nota de esclarecimento para Milton Costa:
    A ilustração das bichaneiras foi trabalhada em Portugal, algures na suposta bairrada.

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