24 de dezembro de 2005

CEIA DA NOITE DE NATAL

Esta noite vais cear tarde e acabar à mesa a desoras, de rabo dorido e papo cheio do que já te arrependes de ter engolido.
Ainda assim, a mesa continua cheia de doces, fritos, bolos-rei de tamanhos diversos mal encetados, rectângulos de aletria espalhados pelas travessas, comestíveis ao monte, garrafas por abrir - a ritual farturinha.
E amanhã será obrigatoriamente servida ao almoço a «roupa velha».
Vais dar, não tarda, as prendinhas que te puseram a cabeça em dor e os euros em baixa, para alívio da loja do chinês e do comércio em geral.
E vais descobrir de novo que nunca consegues oferecer uma bugiganga que aos destinatários agrade ou sirva num qualquer sentido.
E vais receber em troca outras bugigangas que também não esperas, que não te agradam nem te servem para nada, mas que terás de conservar à vista em sinal de gratidão.
E o serão, desta vez, nem conseguiu já reunir a família toda, consumou-se a dispersão e os lutos nas frondes da árvore genealógica… e resta-te o cachecol da saudade, com a respectiva melancolia, para te envolver o pescoço.
Consola-te, porém, a ideia de que estás a festejar o solstício de Inverno, costume antiquíssimo dos povos ancestrais que amavam a luz e o Sol criador e que, séculos depois, a Igreja (em aliança com o imperador romano) usurpou para o transformar no mito do Cristo com toda a dramatização elaborada que sabemos.
[Os Antigos pensavam que o soltício ocorria dia 25, depois a ciência, mais exacta, atinou no dia 22 de Dezembro, mas o costume permaneceu.]
A consoar na noite de Natal com os parentes mais chegados, ficas com a certeza de que os teus dias já começam a aumentar, minuto a minuto, e que a luz, mais luz, está a chegar porque o Sol, agora distanciado, baixo, se eleva e aproxima. – A. M.

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