23 de março de 2009

Cidadão do mundo (Arsénio Mota)



Quando a neura o* invadia, largava para onde, no café habitual, tinha círculo de relações. Ali acabou por divulgar pelos amigos duas obrinhas como quem, de cabeça ainda submersa na placenta materna, anseia por respirar as brisas do planalto para botar plena figura. Ensinaram-lhe algo que nunca mais esqueceu: o texto literário não é apenas lido pelo leitor, também o leitor é «lido» pelo texto. Na medida em que sobre ele se pronuncie.
A experiência era sem dúvida o maior salário que poderia guardar para durar. Mas uma interrogação tornava-se para Tumim crucial: Se não vives na verdade, na verdade vives? Enfático mas convicto decidia: Só vivendo na verdade, na verdade se vive.

Por fim abalou para a cidade definitiva de que fora visita na sua primeira juventude, pois Tumim acabou por entender: pode-se chegar a ser cidadão do mundo até num esconso buraco sertanejo. Recebera a lição das pessoas que, deslocadas em viagem, lhe garantiam que os sítios exactos onde moravam, algures no mapa, ficavam afinal «perto de tudo», numa localização indiscutivelmente privilegiada. Aprendeu assim que a gente faz do lugar onde vive o «centro do mundo». Quando viaja, não sai – apenas gravita em torno.
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in Arsénio Mota, Quase Tudo Nada, (prémio literário Carlos Oliveira, 2005), IV cidadão do mundo´(excerto), Edição Campo das Letras, com Patrocínio da Câmara Municipal de Cantanhede, 1ª edição. 2006.

[ o* é o Tumim da novela, digo Arsénio Mota, em carne e osso.
Um obrigado a ASM pela informação e material fornecido. E como não há duas sem três, um bem-haja consolidado por teres enviado as primeiras notícias acerca da 'tua' apresentação do Livro de Poemas 'canto e amanhece' de Marineide (venezuelana-bustuense) Santos - notas de ‘altinod@poba’, com a responsabilidade do alto-revisor.]

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