Perguntaste se ainda havia cabanais em Bustos. Cabanais?, espantei-me perante a inesperada curiosidade.
Não há nem um para amostra, respondi por não ter lembrança de ter visto, recentemente, uma dessas grandes cabanas triangulares, sólida armação de varas paralelas usada para a seca de pastos e canas de milho.
É pena, disseste com um sorriso maroto espelhado no rosto. E eu, tentando justificar uma suspeita, acrescentei, Já não há currais de gado, já ninguém tem vacas ou bois para justificar tal coisa.
É pena, repetiste. Os cabanais foram os castelos da minha infância. Quando estavam despidos galgava as varas, empoleirava-me lá em cima com a alegria de um aventureiro. Quando estavam fechados, cobertos de palha, eram casa, esconderijo e muito mais…
Muito mais?!, estranhei.
Sim, muito mais. Mas isso foi mais tarde quando deixei de brincar aos índios e cow-boys e me passei a interessar por outras coisas…
Bem sei que és um homem reservado, foges de revelar aspectos pessoais preferindo falar “do teu tempo”, pelo que não me surpreendeu a tua resposta mal te coloquei perante a inevitabilidade de uma explicação. Que outras coisas?
Coisas próprias dos jovens daquele tempo. Não era como hoje o convívio entre rapazes e raparigas. Melhor, o convívio era quase inexistente porque rapazes e raparigas viviam em mundos separados. Até o mais oficial dos namoros era devidamente vigiado…
Verdade, interrompi, ainda me lembro de ver jovens casais namorando à porta de casa, sempre com as mães das meninas sentadas por perto.
Sorriste de novo, desta vez com mistério. Nesse tempo os encontros oficiais davam-se na frente da casa, os clandestinos aconteciam nas traseiras, sob a protecção dos cabanais! Percebes agora?
Percebendo tudo e mais alguma coisa logo fiz o devido acrescento. Já nem para isso os cabanais são necessários, ninguém precisa de se esconder, já tudo se faz dentro de casa, sem constrangimento ou censura.
Mas reconheces que os cabanais davam à coisa outra emoção, mais romantismo… e alguma comichão à mistura.
Lá isso…
Concordando erguemos o copo em saudação, bebemos à memória dos cabanais, saudámos os seus construtores, invocámos o tempo de secretos encontros sob tectos de palha.
Se tudo recordo no postal que agora te mando é porque preciso de corrigir a minha informação, o meu erro. Afinal ainda há um cabanal em Bustos, grande e bem cuidado, um cabanal a sério. Descobri-o no Cabeço e, confesso, foi uma emoção maior do que observar as pirâmides do Egipto. Foi como encontrar o último exemplar de uma espécie rara, o orgulhoso sobrevivente de uma estirpe já extinta. E vim a correr para te dar a notícia e anunciar ao mundo que nem tudo está perdido. Ainda há em Bustos um cabanal. Ainda há esperança!
BC
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