25 de junho de 2014

O CHÃO QUE PISAMOS

Apesar dos meus 9/10 anitos, ainda recordo a inauguração da piscina, toda engalanada com luzes e papéis coloridos, como se fosse uma festa popular. O povo rodeava a sebe circundante e viveu entusiasmado a disputa dos nadadores (penso que do Galitos e Recreio de Águeda, pelo menos).
Com a piscina veio a Associação Académica de Bustos, cujos atletas ali praticavam e onde muitas provas foram disputadas. Um dos bons nadadores foi o James, retratado mais abaixo com aquele ar empinocado que a mãe californiana cultivava nele.
A par dele, tantos outros: o nosso Domingos alfaiate, bom nadador de “crawl”, mas que não atinava com os limites das pistas, o Vítor (bruços e mariposa) e o Gute (ambos filhos do Sr. Dário, fotógrafo e antigo pugilista, que vivia nos anexos da casa do Visconde), o Feliciano e o Carlos Luzio, o Beto do Dr. Assis, o meu irmão Rui Jorge, o Leão (prof. universitário em Lisboa), o Horácio Reis Pedreiras, o Rui Sérgio, o Zé Tribuna, eu - até eu, ó que pensam!
O Rui Sérgio e o Zé Tribuna, estudantes universitários em Lisboa, vieram a ser atletas de renome, tendo este último sido internacional de andebol, creio que pelo Sporting, mas também pela selecção nacional.
O empenho do Horácio (filho do grande lutador da vida que foi Vitorino Reis Pedreiras) foi determinante na dinamização da natação e doutros desportos, como foi o caso do lançamento do dardo e do peso. A ele se deve também a criação da efémera associação de que acima falei e cuja ação se perdeu com a ida dele para Angola. Dava direito a cartão de associado e tudo, como retrato acima. 
Foram tempos únicos, irrepetíveis, verdadeiras pedradas no triste e pobre charco que era este miserável país nos finais dos anos 50 e princípios de 60.
É bem verdade que esse estremeção contra o marasmo e a miséria social saiu das mãos da média e pequena burguesia rural de então; burguesia que, se tinha defeitos, também sabia ser virtuosa quando lhe dava nas ganas.
Nem podia ser de outra maneira! À grande maioria das gentes de Bustos nem uma côdea de broa sobrava para matar a fome, quanto mais para fazer piscinas!
A outra face dessa verdade é que essa piscina privada foi posta pelo lutador Vitorino ao serviço da população local - mediante regras de boa utilização, é certo - mas sem discriminar ricos e pobres, filhos de burgueses ou de malteses. Às vezes, eramos todos ao molho e fé em Deus. 
A nossa Aldeia deve ter sido um caso único no Portugal daqueles anos.

Teatro de revista, cinema desde 1937, com direito a assinatura à moda dos cineclubes que só apareceriam mais tarde, danças e contradanças [vejam AQUI e espantem-se], vários cafés e um restaurante afamado (o Pompeu dos Frangos da sua fase bustuense), farmácia, posto da GNR, estação telégrafo-postal, colégio, talho, peixaria e muito comércio e indústria pujantes, até com nome firmado no mercado nacional. 
E, vejam só:
Ainda nos sobrava  tempo para trabalhar os campos no duro, emigrar à fartazana para não morrer à fome e viver outras diversões, que os tempos de fome e miséria eram uma festa, a bem da Nação e nada contra a Nação. Excepto em Bustos, porque por cá
Até tempo nos sobrava para lutar contra a ditadura.
 
Em contraponto:
 
Os tempos de hoje não estão pelos ajustes:
querem acabar com tudo o que nos liga às nossas raízes,
querem queimar a sal o chão que pisamos,
querem arrasar tudo,
para que nada reste.
 
Qualquer dia
roubam-nos a luz que nos alumia.
Qualquer dia
roubam-nos o chão que pisamos.
 
Mas, quem sabe?
Pode ser que qualquer dia acordemos.
E voltemos a

ir à raiz das coisas. Ser solidários com as gerações passadas.
Criar diálogos. Encantamentos. Olhares inteligentes. Sentimentos de pertença. De identidade.
Enfim, ligar as pessoas ao seu património.
*
*
- O texto original deste post foi publicado em 17/6/2007 e pode ser lido aqui.
- As duas fotos seguidas (da malta a nadar na piscina e dum trecho da revista "Bustos em Cuecas") fazem parte dum conjunto de negativos, encontrados e recolhidos no edifício do Palacete pelo Alberto Martins.
- As palavras finais do post, em itálico, são da autoria do Licínio Mota, o Li, o Moncas, como queiram chamar-lhe.
A citação pode ser lida no prefácio do estudo sobre “A CAPELA DOS FERREIRAS DA BARREIRA”, da autoria do Li [editámo-lo a dois durante uma tarde e noite inteira sem parança nem dormir] e foi publicado em 9 de agosto de 2009 pela Comissão de Festas de S. Lourenço a que me orgulho de ter pertencido, como podem ver aqui.
O Li é um reformado do professorado, mas não é feito da areia pantanosa donde parecem ter sido paridos muitos dos membros deste governo e doutros que o antecederam, porque do que há-de vir só Deus e o dianho sabem.
O Li anda há vários anos à procura das nossas raízes.
O Li encontrou o seu modo de resistir, a sua G3, a sua granada de mão, a sua tática para defenestrar os miguéis de vasconcelos que pululam por aí.
Ele há muitas formas de resistir…

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