Quando eu nasci …
- Eu sei que o ar estava calmo, repousado (disseram-me)
E o sol brilhava sobre o mar.
No meio desta calma fui lançada ao mundo,
Já com o meu estigma.
(…)
Noémia de Sousa,
Poema da infância distante , 29.abril.1950, (excerto),
em antologia de Manuel Ferreira,
no reino de Caliban III (Moçambique),
Plátano Editora. 2ª edição. 1997
Florinda Barreiro
Em plena regência de Satã, o simbólico Dia reivindicativo da Mulher ficou-se pela discrição. Compreende-se. O que está a dar é a competitividade de baixo custo, é a alta qualificação a termo incerto, é a pobreza a invadir o trabalhador.
É tempo da agiotice e da banha de cobra…
E a Mulher no meio de tudo isto? É a que continua a transportar os instrumentos da música (como recentemente lembrava uma analista).
Bustos, necessariamente uma parte, tem recentemente convivido com eventos que estão registados para a memória futura da história local. Esses marcos foram arquitectados, sem megafone, por Mulheres.
Neste dia de escape e de máscaras quase a cair,
Florinda Barreiro (da Família «Rouxinol») é o exemplo de alguém que não nasceu em berço de ouro e ultrapassou a barreira do analfabetismo.
Entre seis irmãos, filhos de Manuel dos Santos Barreiro, carpinteiro de profissão e de Mª Rosa da Silva Rocha (Brasileira), Florinda recorda “fiquei sem pai, ia eu dos nove para dez anos. A minha irmã, Maria Rosa, tinha sete meses”.
A minha mãe morreu em oito dias, tinha eu 19 anos. E eu adoeci, porque não era capaz de viver sem a minha mãe. Sentava-me à mesa, não via a minha mãe e não comia. Adoeci. Fui a pé ao hospital de Oliveira do Bairro, para ser consultada…. E já não me deixaram regressar a casa. Estive lá mês e meio. ...Senti-me lá muito bem ...
Ainda do depoimento de Florinda Barreiro:
Um dia recebo um recado pelo meu tio Raúl ... queriam que eu fosse ao Hospital. Fiquei assustada.
Recorda o que dissera “Oh ti Raúl, eu não fiz mal a ninguém!”
Lá vou, muito assustada. E, com grande espanto, a irmã Helena recebe-me de braços abertos. Oh Florinda, nunca pensei que quisesses voltar! «A minha vida era servir».
Do Hospital de Oliveira do Bairro parte para o Hospital S. Bernardo (Setúbal).
Os missais de capas pretas e o dourado das folhas, lidos pelas irmãs no acompanhamento da missa "provocavam tristeza por não saber o que os livros tinham escrito".
«Daí a minha vontade em aprender. Tinha trinta e nove anos».
A Irmã Maria Zita atendeu à minha súplica – foi a minha professora.
Mais tarde foi parteira. «Sem levar dinheiro!». Em certo episódio mais complicado, teve de aplicar uns golpes de tesoura (1). Cumprido o feliz parto, Florinda Barreiro informou que chamassem o médico, pois era assunto para ele.
O médico aparece pouco tempo depois. Vê o serviço e pergunta – Quem te ensinou a fazer isto?
«Aprendi com a irmã Margarida.»
Um sorriso do médico, o Dr. Jorge Micaelo, acompanha o comentário:
Fui eu que a ensinei.
Quando residente no Lar SÓBUSTOS, a Florinda produzia espontaneamente versos para animar festas, convívios, passeios … pessoas do seu agrado eram contempladas com um poema seu.
Florinda cultivou a fraternidade.
___________sérgio micaelo ferreira
(1) por mais de uma vez Florinda Barreiro repetiu quais eram os procedimentos assépticos inerentes ao parto.
(1) por mais de uma vez Florinda Barreiro repetiu quais eram os procedimentos assépticos inerentes ao parto.
Às vezes, neste blog, cria-se uma certa magia... Quando se fala assim das pessoas ligamo-nos a elas, ainda que as mal conheçamos...
ResponderEliminarVivam as Mulheres de Bustos, tão bem representadas neste "conto"!