8 de março de 2011

FLORINDA BARREIRO em DIA DA MULHER

(…)
Quando eu nasci

- Eu sei que o ar estava calmo, repousado (disseram-me)

E o sol brilhava sobre o mar.

No meio desta calma fui lançada ao mundo,

Já com o meu estigma.

(…)

Noémia de Sousa,

Poema da infância distante , 29.abril.1950, (excerto),

em antologia de Manuel Ferreira,

no reino de Caliban III (Moçambique),

Plátano Editora. 2ª edição. 1997

 

Florinda Barreiro

Em plena regência de Satã, o simbólico Dia reivindicativo da Mulher ficou-se pela discrição. Compreende-se. O que está a dar é a competitividade de baixo custo, é a alta qualificação a termo incerto, é a pobreza a invadir o trabalhador.

É tempo da agiotice e da banha de cobra…
E a Mulher no meio de tudo isto? É a que continua a transportar os instrumentos da música (como recentemente lembrava uma analista).
Bustos, necessariamente uma parte, tem recentemente convivido com eventos que estão registados para a memória futura da história local. Esses marcos foram arquitectados, sem megafone, por Mulheres.
Neste dia de escape e de máscaras quase a cair,
Florinda Barreiro (da Família «Rouxinol») é o exemplo de alguém que não nasceu em berço de ouro e ultrapassou a barreira do analfabetismo.
Entre seis irmãos, filhos de Manuel dos Santos Barreiro, carpinteiro de profissão e de Mª Rosa da Silva Rocha (Brasileira), Florinda recorda “fiquei sem pai, ia eu dos nove para dez anos. A minha irmã, Maria Rosa, tinha sete meses”.
A minha mãe morreu em oito dias, tinha eu 19 anos. E eu adoeci, porque não era capaz de viver sem a minha mãe. Sentava-me à mesa, não via a minha mãe e não comia. Adoeci. Fui a pé ao hospital de Oliveira do Bairro, para ser consultada…. E já não me deixaram regressar a casa. Estive lá mês e meio. ...Senti-me lá muito bem ...

Ainda do depoimento de Florinda Barreiro:

Um dia recebo um recado pelo meu tio Raúl ... queriam que eu fosse ao Hospital. Fiquei assustada.

Recorda o que dissera “Oh ti Raúl, eu não fiz mal a ninguém!”

Lá vou, muito assustada. E, com grande espanto, a irmã Helena recebe-me de braços abertos. Oh Florinda, nunca pensei que quisesses voltar! «A minha vida era servir».

Do Hospital de Oliveira do Bairro parte para o Hospital S. Bernardo (Setúbal).

Os missais de capas pretas e o dourado das folhas, lidos pelas irmãs no acompanhamento da missa "provocavam tristeza por não saber o que os livros tinham escrito".
«Daí a minha vontade em aprender. Tinha trinta e nove anos».
A Irmã Maria Zita atendeu à minha súplica – foi a minha professora.
Mais tarde foi parteira. «Sem levar dinheiro!». Em certo episódio mais complicado, teve de aplicar uns golpes de tesoura (1). Cumprido o feliz parto, Florinda Barreiro informou que chamassem o médico, pois era assunto para ele.
O médico aparece pouco tempo depois. Vê o serviço e pergunta – Quem te ensinou a fazer isto?
«Aprendi com a irmã Margarida.»
Um sorriso do médico, o Dr. Jorge Micaelo, acompanha o comentário:
Fui eu que a ensinei.
Quando residente no Lar SÓBUSTOS, a Florinda produzia espontaneamente versos para animar festas, convívios, passeios … pessoas do seu agrado eram contempladas com um poema seu.
Florinda cultivou a fraternidade.
___________sérgio micaelo ferreira
(1)  por mais de uma vez Florinda Barreiro repetiu quais eram os procedimentos assépticos inerentes ao parto.

1 comentário:

  1. Anónimo09:28

    Às vezes, neste blog, cria-se uma certa magia... Quando se fala assim das pessoas ligamo-nos a elas, ainda que as mal conheçamos...
    Vivam as Mulheres de Bustos, tão bem representadas neste "conto"!

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