24 de junho de 2005

AMARAL REIS PEDREIRAS: “TORTURADO ATÉ PERDER A CONSCIÊNCIA”

- Qual é a primeira lembrança que tem da polícia política do Estado Novo, a PIDE?

- Comecei a lidar com a PIDE no ano em que o meu pai foi preso. Levaram-no para Coimbra em 1955 e eu ia lá visitá-lo todos os dias, até que ele adoeceu. Levaram-no para o Hospital onde estava sempre acompanhado por um PIDE, que era rendido de quatro em quatro horas. Eles não gostavam de me ver, viravam-se para mim e diziam que me ia acontecer o mesmo. Não queriam que o visitasse, mas eu nunca deixei de ir.

- O seu pai era Manuel Reis Pedreiras, também da Póvoa. Bateram-lhe?

- Não, a ele não lhe bateram. Em jeito de gozo até lhe diziam que um dia ele ainda havia de ser um deles ao que o meu pai, sem medo, respondia:” Só se vocês mudarem para o MUD”, que era o movimento da oposição a Salazar. Ele tinha sido preso porque o acusaram de ter distribuído propaganda politica. E era verdade! Esteve um mês nas mãos da PIDE, mas como estava doente acabaram por o mandar para casa, diziam que ele estava arrumado. Ele veio para morrer mas ainda resistiu.

- E no seu caso, como se deu a prisão?

- O Arsénio Mota um dia abordou-me no café e falámos sobre a situação política. Estava uma pessoa com ele e o Arsénio disse-me:” Quando este senhor vier por aqui atende-o bem.” Disse-lhe que sim, pois se ele o pedia…
Passado um tempo passa por aqui um outro senhor, chamado José Guerreiro Drago e dei-lhe dormida por duas ou três vezes. Quem ajuda não faz perguntas e eu não sabia que ele era funcionário do Partido Comunista Português. Ora ele lidava com um tal Ribeiro, de Aveiro, que a PIDE entretanto prendeu. Foi na prisão, ao que sei com promessa de ser libertado, que esse Ribeiro denunciou o Drago. Também o Drago foi preso e, já paranóico com tanta tortura, diz um nome, Tita. A PIDE, que sabia que ele tinha estado em Bustos, pede informações para cá e os informadores locais respondem que a Tita é a filha do Amaral Pedreiras.

- Mas Tita é um mero diminutivo, nem sequer é nome próprio!

- Pouco interessou para o caso. Fui preso e o Pompeu João Domingos também. Tiveram-me em Coimbra desde 25 de Junho até 31 de Agosto desse ano 1966.

- Como foi tratado?

- No primeiro dia deram-me pancada. Disseram:” Tens aqui papel e lápis, só tens que escrever os nomes.” Como eu não escrevia batiam-me. No segundo dia mudaram de estratégia passaram à tortura da estátua. Eu tinha de estar sempre em pé, sem poder mudar de sítio ou fechar os olhos. E batiam-me quando lhes respondia que eu não tinha nada para escrever. Estive cinco dias nesta tortura de sono, mas a partir do terceiro dia já não tinha força, nem consciência de nada. Deixei mesmo de saber o que se passava à minha volta durante dois dias. Não me lembro de nada, só daquilo que os meus colegas de cela mais tarde me contaram. Saí em 31 de Agosto depois de ter pago uma caução de vinte escudos na Caixa Geral de Depósitos.

- Livrou-se deles…

- Não livrei nada. Eles vieram aqui a casa e baldearam tudo à procura de “coisas”, a intimidação continuou e quatro meses depois, no primeiro de Dezembro sou avisado que ia ser preso novamente.

- Podia ter fugido.

- Não fugi. Passados três dias recebo ordem para ir ao posto da GNR em Bustos, já eu sabia para quê porque um amigo me tinha avisado. Fui lá e disse: “Eu não fujo mas tenho umas coisas a tratar com o meu irmão Chico (Humberto Pedreiras) por isso deixe-me ir tratar das minhas coisas que volto mais tarde”. O Chefe Celso responde-me:” Você não diga nada mas foi a PIDE que nos ligou. Vá lá tratar das suas coisas e volte quando puder”.

- E voltou?

- Voltei logo que tratei das coisas com o meu irmão. Às três horas levaram-me para o Porto. Foi nos primeiros dias de Dezembro. Fiquei detido até ir responder a Tribunal no dia 3 de Março de 1967, o dia em que fazia 40 anos. Voltei ainda mais duas vezes a Tribunal acabando por ser absolvido, mas com medidas de segurança por um período entre 6 meses e 3 anos.

- Isso significou o quê?

- Que estive mais 15 dias preso no Porto.

- Acabou aí?

- Ainda não, depois levaram-me para o forte de Peniche. Estive detidos dezanove meses e meio, já depois de ter sido absolvido. E quando saí fui obrigado a assinar que não podia estar num grupo com mais de cinco pessoas e ficava com a obrigação de me apresentar ao Presidente da Camâra todos os meses, no primeiro dia útil de cada mês. Mais tarde passei a apresentar-me na GNR de Bustos. Isso durou três anos…

- Três longos anos…

- Quando me libertaram fiz questão de ir levantar o dinheiro da caução que tinha pago inicialmente, os tais vinte escudos. Pois cobraram-me dois por cento por terem ficado com o meu dinheiro!

- E a vida em Peniche, deve ter conhecido presos famosos?

- Alguns, como o Varela Gomes e o Blanquim Teixeira. Quando cheguei estive na cela disciplinar e depois passei para as salas com nove presos, onde fiquei até vir embora.

- O mais espantoso, pelo menos para mim, é que o Amaral não era um verdadeiro “agitador político”. Limitou-se a ajudar, a ser solidário.

- Eu nem sabia que o Drago era do Partido Comunista. Ele pediu-me ajuda e eu ajudei-o, mas cheguei a dizer-lhe para ele se afastar, que não me queria comprometer.

- Mas comprometeu-se, chegou a ser candidato a deputado pela oposição democrática nas “eleições” de 1973?

- Eu não queria, não tinha capacidade para isso. Foi a primeira vez em que me meti em qualquer coisa política. E só aceitei porque mo pediu esse grande amigo que era o Álvaro Seiça Neves.

- Esteve também para ser Presidente da Junta de Freguesia na sequência do 25 de Abril.

- É verdade, queriam que eu fosse o Presidente. Foi quando o povo se juntou no café Primor e votou de dedo no ar. Insistiram muito comigo e não aceitei, pelo que ficou o Hilário Costa como presidente. Mas não me livrei de ficar como tesoureiro. E lá fomos eleitos os três, o Hilário presidente, eu tesoureiro e o Jó Duarte secretário.

- Ocupou outros cargos?

- Nessa mesma altura também me propuseram para a Câmara mas disse que não. Nunca fui homem dado ao poder, nem nunca fui político.

- Mas integrou outras associações.

- Estive ligado à União Liberal de Bustos, ao futebol quando houve a fusão dos Canecas e Gavetas e fiz parte do ABC na fundação.

B.IAmaral Simões dos Reis Pedreiras, nasceu na Póvoa de Bustos no dia 3 de Março de 1927, é filho de Manuel Reis Pedreiras, da Póvoa, e Maria Augusta Simões Aires, da Azurveira. Casado com Ditosa das Neves Mota, da Póvoa, tem dois filhos: Élio Neves Reis Pedreiras e Maria Augusta Neves Reis Pedreiras.

Belino Costa

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