11 de outubro de 2007

Busto(s) em documento de 1376

Sérgio Ferreira pôs-me na mão a transcrição de um documento de grande interesse historiográfico. É um aforamento datado de 23 de Dezembro de 1376, da chancelaria de D. Afonso IV, coligido sob o nº 163 no vol. II da obra em 3 vols. Chancelarias Portuguesas que A. H. de Oliveira Marques orientou e foi publicada pelo Instituto Nacional de Investigação Científica em 1990-1992. Tem vivo interesse porque cita Covões, Busto(s) e Mesa(s), entre vários outros topónimos vizinhos destes, documentando-os portanto como existentes já no século XIV. Foi Dinis Ramos - nascido nos Covões - quem informou Sérgio, que foi lê-lo numa biblioteca pública e agora, ao dar-me dele conhecimento, me convida a comentá-lo.

Convite irrecusável, pois nos traz esta grande novidade!

A mim interessou-me desde logo, mas o documento interessa igualmente aos estudiosos das diversas localidades citadas no texto ao demonstrar que essas localidades já eram habitadas em 1376. Suponho que pela redondeza nenhnm estudioso tivera na mão uma prova documental que lhe permitisse recuar até ao século XIV. Traz-nos, creio eu, novidade estreme!

Agradeço-a em primeiro lugar por me permitir classificar mais correctamente a carta régia de 1425 (conforme faço na pág. 29 do meu livro Bustos do Passado). Já não é a mais antiga referência que se conhece ao topónimo que identifica Bustos, pois podemos situá-la agora com segurança bastante mais atrás.

Permite-nos também registar um conjunto de dados interessantes. Além de Covões, Bustos e Mesas, naquela data já existiam como povoados: Sumel (Samel?), mamoa (Mamarrosa?), vale da Pedra (Fornos?, Penedos?) e ssoreens (Sorães). Estes topónimos surgem no documento como termos, ou seja, limites das propriedades aforadas, sendo de realçar que se estendiam, decerto em contínuo, no espaço balizado pelos povoados e sítios indicados.

A identificação de Mamarrosa, nomeada no texto como «mamoa Jusãao», é suficientemente credível mas requer aqui um esclarecimento. Apoia a tese de que o topónimo derivou da existência no local de uma mamoa, monumento funerário megalítico então decerto ainda não raso (ou seja, demolido: mamoa-rasa = Mamarrosa). É o que sustenta Armor Pires Mota no livro que dedicou àquela freguesia. Por outro lado, adverte-se que o termo medieval Jusão - tal como, por exemplo, se diz «a jusante» - significava apenas a direcção «para baixo», no caso, da mamoa. O «vale da Pedra» ou a «pedra de Sentiz» adjacentes apontam para a actualmente designada zona dos Fornos (que recebeu esta designação dada a abundância de pedra calcária que ali permitiu a instalação de fornos de cal).

Entre os dados mais interessantes contidos no aforamento, devem citar-se os géneros em paga a fazer pelos foreiros: pão, vinho, linho, legumes, cebolas e alhos, capão e ovos. Pede-se-lhes que lavrem («arronpam e aproffeytem») os terrenos, a inculcar que ainda deveriam ser muitas por ali as maranhas florestais.

Última nota. Este documento de 23 de Dezembro de 1376 demonstra que na extensão aforada os habitantes se dedicavam à pastorícia e à agricultura. O topónimo antigo «Busto» poderia ter servido para designar uma pastagem, de acordo com um dos significados do termo, isto em concordância com uma interpretação da Doutora Maria Alegria F. Marques (ver meu livro acima citado). Posteriormente, a multiplicação de outras pastagens, porventura mais pequenas, teria originado o plural «Bustos». Mas são deduções no ar, quando a história se constrói apenas com base em documentos…

Arsénio Mota

CHANCELARIA DE D. AFONSO IV

[163]

Aforamento de hũu herdamento no Çomdoiro termo de camtanhede E d outro no val da pedra a vicemte dominguez e a francisco dominguez e a outros nomeados ect

(1) [D]Om Affonso pela graça de Deus Rey de Portugal e do Algarue A quantos esta carta virem ffaço ssaber que Gomez martjnz Priol de Cantanhede me enuyou dizer que el per mnha carta e per meu mandado e porque entendera que era meu seruyço que dera A fforo a vicente dominguez e a ssa molher Domjngas gil e a Martim bertolamei e a ssa molher Marinha annes e a Domingos dominguez essa molher Marinha annes hũu herdamento que eu ey no Çetidoyro E que outrossy dera A fforo a Steuam domiguez e a ssa molher Domjngas acença e a Pero dominguez e a ssa molher Marinha iohanes hũu meu herdamento que eu ey en nos Couões. E que outrossy dera A fforo a ffrancisco dominguez e a ssa molher Domjngas março hũu meu herdamento que eu ey no val da pedra.
E eu ueendo o que me enuyaua dizer. dou e outorgo a fforo pera todo senpre aos dictos vicente dominguez e aa dicta Domjngas gil sa mollher. e ao dicto Martin bertolameu e aa dicta Marinha annes sa molher e ao dicto Domjngos dominguez e aa dicta sa molher Marinha iohanes. o dicto meu herdamento que eu ey en no çeadoyro. e ao dicto Steuam dominguez e aa dicta Steuaninha mjguez ssa molher e ao dicto Bertolameu dominguez e aa dicta Domingas acença sa molher(2) E ao dicto Pero dominguez e aa dicta sa molher Marinha iohanes o dicto meu herdamento que eu ey en os Couçens E ao dicto ffrançisco dominguez e aa dicta Domjngas março sa molher o dicto meu herdamento que eu ey no ual da Pedra dos quaes herdamentos estes som os termhos. como partem com(3) Sumel e com mamoa Jusãao e pela pedra de Sentiz e com busto. e com a mesa e com ssoreens
per tal preito e sso condiçom que eles e seus ssucessores arronpam e aproffeytem os dictos herdamentos. E eles deuem dar a mim em cada hũu Ano e todos meu [sic]ssoscessores A oytaua parte do pam e do vinho e do linho e das legumhas que deus der nos dictos herdamentos E das cebolas e dos Alhos que uvenderm ou ffezerem rreste. deuvem me dar aoytaua parte. E deuem me dar oyto Alqueyres do pam meyado do monte na Eira por eiradiga e hũu Alqueyre de trijgo pera fugaça e hũu capom e dez ouos cada hũu. E eles deuem rresponder dos dictos herdamentos e fazer dereito de Montarcada e sse Algũu deles apelar deuem apelar pera o meu Almoxarife de Coimbra e do meu Almoxarife pera a mnha Corte.
E eles nom deuem os dictos herdamentos uvender nem dar nem alhear a caualeiro nem a dona nem a escudeiro nem a outro homem poderoso nem de Religiom senom aa tal pessoa que seia da ssa condiçom e que façam a mjm os dictos e a todos meus ssocessores assy como dicto he.
En testemunho desto dey aos sobredictos esta mnha carta.
Dada em Sanctarem vijnte e tres dias de Dezenbro. El Rey o mandou per ffernam gonçaluves cogomjnho seu vassalo e per Affonss eannes meu clerigo. Staço uycente a ffez Era de mil e trezentos e sseteenta e seis anos.
ffernam gonçaluez. Affonso annes

(1) À margem esquerda: «concertada» e «escripta». Riscado: «Estremadura».
(2) À margem: «menores».
(3) Letras riscadas.

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