A partir de hoje na sala de
exposições da Junta de Freguesia
Olhando para os 18 retratos
incluídos nesta exposição temos que destacar a sua unidade e o olhar do fotógrafo
que parece ter obedecido a uma preocupação quase jornalística. O seu olhar
incide sobre a sociedade que o cerca.
Há um primeiro conjunto de seis
retratos que têm por cenário o palacete do Visconde de Bustos, apesar de
António Sereno e a sua esposa, Adelaide Brandão, não surgirem em qualquer imagem.
São os trabalhadores do palacete, a começar por Manuel Matos Ala (foto 1), o
contabilista e braço direito do Visconde, que é o único que conseguimos
identificar sem margem para dúvidas. Nos restantes é possível estabelecer a
relação com o palacete mas ainda não foi possível identificar os rostos. O
torreão visto do jardim, e a loja do Sr. Visconde completam este conjunto.
O segundo conjunto reúne imagens de grupo, retratos do povo. São
cinco imagens especialmente ricas e há naqueles rostos muitos traços e
características que nos são comuns. As roupas, os instrumentos de trabalho, os
rostos, as joias, os xailes, os tamancos e a falta deles são pormenores que nos
interpelam. Na última imagem deste núcleo, um senhor (patrão ou taberneiro?),
bem ataviado e melhor calçado, serve um picheira de vinho a grupo sentado à
mesa num momento de convívio.
O terceiro conjunto de fotografias reúne quatro retratos do que
poderemos designar por “individualidades da aristocracia local” a começar no
senhor Prior e a acabar no caçador de camisa branca e laço cuidado. Pelo meio
há a imagem de um homem de belo rosto (provavelmente de olhos claros) e bigode
cuidado que exibe um livro que tem no título a palavra “Calvário”. Curiosamente
em 1906 foi editado em Portugal “O Calvario”, (Lisboa, A Editora, 1906. Tradução de
Ribeiro de Carvalho et Moraes Rosa), do francês Octave Mirbeau, que conta a história de Jean Mintié, um
escritor que por causa duma paixão devastadora por uma mulher de pequena
virtude vive um autêntico calvário. Será que o retratado, ao exibir tal adereço,
quis dar nota sobre a sua vida amorosa?
No quarto e último conjunto vemos três
imagens que têm por tema central a criança. Julgamos ser sempre a mesma
criança. Primeiro entre familiares (?), depois a brincar com um andarilho (a
envolvente sugere o jardim do palacete) e, por fim, ao colo de uma anciã,
possivelmente avó. Um notável retrato, cheio de mística.
Cada uma destas 18 imagens nos
interpela e nos desafia. Quem era esta gente? Ainda há alguém que se lembre destes rostos, destes antepassados? O que faziam?
Quantos anos viveram?
São inúmeras as perguntas, são
muitas as suposições e as incertezas mas talvez esta exposição nos ajude a
responder a algumas delas.
Certamente que ajudará saber como
chegámos até aqui.
Foi entre os papéis e os livros da
professora Zairinha
(Zaida da Anunciação Simões da Silva( 30.11.1917 – 26.10.2012), de Bustos, que
Manuel Romão encontrou duas pequenas caixas contendo um conjunto de chapas de
vidro com impressões fotográficas (Nouvelles Plaques Chiado) que, de acordo com
o estojo onde se encontravam, eram fabricadas na Alemanha para venda nos
Grandes Armazéns do Chiado de Lisboa e Porto.
O Manuel Romão partilha comigo o
gosto por velharias e o interesse pela História de Bustos, pelo que tem o
cuidado de não deixar ir para o lixo livros, objetos e papéis de quem vai
falecendo.
A verdade é que ao longo dos anos
vamos guardando papeis, livros, cartas, fotografias e todo um conjunto de
recordações. São pedaços da nossa vida que por não terem grande valor material
muitas vezes são desprezados ou destruídos após a nossa morte. E por ser esta
uma situação recorrente o Manuel Romão faz o que pode na missão de não deixar
que tais documentos se percam. A ele se deve que os pedaços de memória que a
Professora Zairinha foi guardando ao longo da vida não fossem dispersos ou ignorados.
Quando fui à Azurveira dar uma
olhadela a tais documentos logo o meu interesse incidiu sobre as chapas de
vidro. Aquele conjunto de fotografias poderia fazer parte da memória de Bustos,
ser o testemunho de uma época da qual não temos grandes registos fotográficos.
Era preciso digitalizar tais
imagens, apesar das chapas se encontrarem bastante degradadas. Coube essa
tarefa a um outro amigo, o fotógrafo Xavier Martins, a quem agradeço o
fantástico trabalho que realizou. Toda a intervenção de digitalização e
recuperação das imagens obedeceu ao critério essencial de, em caso algum,
alterar ou manipular as imagens, tendo sido feita apenas uma pequena limpeza
sem eliminar por completo riscos, ou outros problemas. O resultado aí está. À
vista de todos.
Belino Costa
18 RETRATOS
EM CHAPAS DE VIDRO
Coleção Zairinha/Manuel Romão
Fotografo: Desconhecido
Chapas de Vidro (Nouvelles Plaques
Chiado) com o formato 12x9cm.
Época provável: Primeiras décadas
do séc. XX
Localização: Bustos/Bairrada