5 de janeiro de 2014

EUSÉBIO: O ÚLTIMO VOO DO FLAMINGO


"O que me inveja não são esses jovens, esses fintabolistas, todos cheios de vigor. O que eu invejo, doutor, é quando o jogador cai no chão e se enrola e rebola a exibir bem alto as suas queixas. A dor dele faz parar o mundo. Um mundo cheio de dores verdadeiras pára perante a dor falsa de um futebolista.
As minhas mágoas que são tantas e tão verdadeiras e nenhum árbitro manda parar a vida para me atender, reboladinho que estou por dentro, rasteirado que fui pelos outros. Se a vida fosse um relvado, quantos penalties eu já tinha marcado contra o destino?"

[Mia Couto, “O Fio das Missangas”]
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Eusébio da Silva Ferreira nasceu na capital de Moçambique (Lourenço Marques, hoje Maputo) em 25 de janeiro de 1942.
Foi o maior futebolista português de todos os tempos.
Faleceu na madrugada de hoje.
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O poeta e romancista Mia Couto também é moçambicano, nascido na Beira. Uma das suas obras publicadas chama-se precisamente "O último voo do flamingo".
..
"...o flamingo disse:
– Hoje farei meu último voo!
...
– Mas vai voar para onde?
– Para um sítio onde não há nenhum lugar.
O pernalta, enfim, chegou e explicou – que havia dois céus, um de cá, voável, e um outro, o céu das estrelas, inviável para voação. Ele queria passar essa fronteira.
– Porquê essa viagem tão sem regresso?
O flamingo desvaloriza seu feito:
– Ora, aquilo é longe, mas não é distante.
...
– Por favor, não vá!
– Tenho que ir!
A avestruz se lhe interpôs e lhe disse:
– Veja, eu, que nunca voei, carrego as asas como duas saudades. E, no entanto, só piso felicidades.
– Não posso, me cansei de viver num só corpo.
E falou. Queria ir lá para onde não há sombra, nem mapa. Lá onde tudo é luz. Mas nunca chega a ser dia. Nesse outro mundo ele iria dormir, dormir como um deserto, esquecer que sabia voar, ignorar a arte de pousar sobre a terra.
– Não quero posar mais. Só repousar.
E olhou para cima.
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- Mia Couto, O Último Voo do Flamingo, Ed. Caminho, págs. 117 a 119.

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