Os Costelos do João
Aires
por Élio Freitas
Para a malta da rua da Póvoa, o Verão era passado na
brincadeira, a jogar futebol e noutros passatempos. Também era o tempo de ir
aos pássaros: sombrias, boieiras, arvelas, estanjardos e não só, mas
precisávamos de ter costelos para os agarrar… Nós tínhamos meia dúzia, mas
sabia-se que o João Aires era dono de uma grande colecção…
Naquele dia, o Natalino (“Linhas” para os colegas)
parecia excitado a conversar com o Alcides (“Bolachinhas”): “Eu sei onde os
costelos estão armados. O Fernando Lusio é que anda a tomar conta deles” --
dizia o Linhas em grande segredo. O Bolachinhas escutava-o com atenção. Como
poderiam eles surripiar os costelos ao João Aires? Isso seria difícil.
“Vamos pela vinha, ao lado da terra de milho, e com um pau
desarmamos os costelos... e já está!” -- garantia o Linhas.
O Alcides pensou no plano e os dois amigos prepararam-se
para o assalto. O Élio, muito mais novo que o irmão, escutou a conversa e
anunciou com determinação: “Eu também vou”.
O Bolachinhas disse logo: “Isto não é para crianças. Tu
ficas aqui ou levas umas lambadas”.
Mas o Élio não ia ficar atrás e começou a segui-los. Por
fim, o Linhas lá disse: “Se vais, tens que estar caladinho. Nem um pio dás”.
E lá foram os três pelos aidos fora, a caminho da Quinta
Nova, para os fins do quintal do Aires.
Os costelos estavam armadas na terra ao lado de uma
vinha. O milho tinha sido apanhado no dia anterior, o que tornava o lugar num
bom sítio para pássaros. Os três larápios entraram na vinha com muito cuidado,
assolapados para não serem vistos. E o Fernando “Formoso” andava a dar a volta
pelo fim da terra...
O Bolachinhas e o Linhas procuraram o melhor sítio para
ver a correnteza de costelos, todos armados ao lado da vinha. A expectativa era
tanta que se sentia o bater do coração. Desta vez, sim, o João Aires ia ficar
sem costelos!
Nesta altura do Verão, os cachos começam a agarrar cor.
O Élio, que sempre tinha apetite para comer, começou a depenicar os bagos mais
negros e mais muidinhos. De repente engasgou-se e começou a tossir.O Alcides
tentou logo fechar-lhe a boca, mas o irmão não podia conter-se.
“Quem anda por aí?” -- gritou logo o Fernando,
desconfiado com o barulho. “Eu sei quem são vocês, ladrões de costelos” --
exclamou o Fernando, aproximando-se mais da vinha. A única solução, agora, era
fugir. E lá foram os três a correr pela vinha dentro, com o Bolachinhas e o
Linhas a rogar pragas ao Élio, que se esforçava por os acompanhar.
“Estragaste a caçada. Nunca mais vens com a gente” --
diziam eles, enquanto o Élio gritava:“Esperem por mim!”… E só na rua da Póvoa
os três encontraram refúgio.
Não foi, portanto, ainda daquela vez que os costelos do
João Aires acabaram surripiados….
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