31 de janeiro de 2014

CRÓNICAS DE "BUSTOS DO PASSADO E DO PRESENTE"


BUSTOS E O MOLHO DE PIRI-PIRI NO FRANGO DE CHURRASCO
Milton Simões da Costa
 
A História do Povo de Bustos não é só feita de inaugurações e festas oficiais por gente importante; é feita por todas as pessoas que, de uma forma ou outra, contribuem ou contribuíram para um sentimento peculiar que permeia os Bustoenses e que os levou a atitudes de grande independência, no passado como agora. Histórias como a que vou contar existem por todo o lado, mas esta é uma história da minha terra e por isso é mais importante do que as outras. Trata-se da criação do molho de piri-piri e do frango de churrasco.
O amigo Carlos Luzio falava muito comigo de “coisas da vida” e era sempre com alegria que ouvia aquilo que tinha para dizer. Um dos temas preferidos dizia respeito às “ Tardes do Piri-Piri”. Tratava-se claro, das tardes passadas no Café Piri-Piri, bem no centro de Bustos, durante as nossas férias escolares a conversar e a ver as pessoas passar na rua. Um dia vendo os arbustos de piri-piri carregados de fruto, no meu quintal, o Carlos confidenciou-me que tinha uma receita antiga do molho de piri-piri que foi originalmente inventado em Bustos. A receita, que incluo neste texto, é do Carlos Luzio que a obteve do Sr. Manuel Aires (Aires das Bicicletas) e que foi confirmado pela filha Milita. Não se trata da receita do molho original mas de uma variante criada pouco tempo depois e usada no Café/Restaurante Piri-Piri.

Molho de Piri-Piri do Manuel Aires (via Carlos Luzio):

Alho                                        150 gr.

Piri-piri                                    125 gr.

Margarina “Vaqueiro”             500 gr.

Sumo de limão                        1 colher de sopa

Vinagre                                   1 colher de sopa

Azeite                                     1 colher de sopa

Mostarda                                1 colher de sopa

Unto                                        1 colher de sopa

Sal                                          1 colher de sopa

Uma receita parecida foi inventada por um grupo de “amigos da molhaca” que, nos finais da decada de cinquenta, produziram um molho para o “Frango de Churrasco” que agora se vende em todo o País. Apesar de estes acontecimentos serem recentes, existem algumas incertezas sobre aquilo que realmente aconteceu. Algumas pessoas duvidam, por exemplo, que o Manuel Aires tenha pesado os ingredientes do molho de piri-piri, mas é assim que está escrita e acredito que usasse esta receita no seu restaurante. Há um componente da receita que tem de ser original do Manuel Aires. O Carlos escreveu especificamente que se juntava Margarina “Vaqueiro”. Na altura em que o molho foi inventado vendiam-se poucas marcas de margarina e a Margarina Vaqueiro era, sem dúvida, a mais conhecida. Aliás, lembro-me muito bem do molho de piri-piri, fabricado no Restaurante “Piri-Piri” do sr. Manuel Aires (e da sua mulher Cremilde Aires, a quem chamavamos a Morte Lenta, porque no fim do dia já mal podia caminhar) ter mostarda. O que acontece é que logo no princípio da invenção da receita do molho se fizeram variações e experimentaram novas “fórmulas”.

Recolhi recentemente outra receita do amigo Luis Jorge (Hoss) Rei, filho do Sr. Lino Francisco Rei, que também teve um restaurante onde se fazia Frango de Churrasco. A receita é um pouco diferente.

Molho de Piri-Piri do Lino Rei e do Hoss Rei:

Piri-piri

Alho

Sumo de limão

Carne de fumar (Toucinho)

Whisky

Vinho branco

Azeite

Sal

Os componentes desta receita são medidas “a olho”, mas a receita é muito semelhante àquela que o Carlos Luzio escreveu.
O primeiro utilizador do molho foi o Sr. Heitor de Carvalho, que gostava muito de “molhacas” e tinha estado em Moçambique, de onde trouxe consigo piri-piris ou a ideia de um molho com piri-piri. Certo dia este cidadão de Bustos assou uns frangos com o molho de piri-piri, num fogareiro, e todos os seus companheiros gostaram. No Café Recreio do Pompeu Aires (Pompeu dos Frangos) experimentaram mais e depois começaram a abrir o frango para assar em assador com grelha giratória. E a delícia do frango de churrasco estava inventada e pronta para ser aquilo que é hoje. Estas informações foram transmitidas pelo Dr. Assis Franciso Rei que também era um dos apreciadores da “molhaca”. Ele disse-me também que todas as variações iniciais continham piri-piri, alho, unto e vinagre (ou limão). O Assis Rei, o Manuel Aires e o Lino Rei tiveram todos restaurantes em Bustos ou Aveiro. O Pompeu Aires mudou o seu restaurante no Café Recreio para a Malaposta em Novembro de 1962 e foi o que foi; tornou célebre o Frango de Churrasco inventado em Bustos, por pessoas que nunca pensaram que se tornaria tão famoso.
Esta é uma história simples de pessoas de Bustos que merece ser recordada. Ainda recordo bem ter pedido ao Manuel Silva da Limeira (procurador do meus pais que estavam nos Estados Unidos), para me levar, e ao meu irmão, comer um frango de churrasco no Café Recreio como recompensa de um ano escolar que tinha corrido bem. Todos em Bustos sabiam do Frango de Churrasco e a sua fama tocava até os miúdos da altura. Posso adiantar que o frango estava fantástico e muito picante e que ainda me lembro muito bem desse momento tão especial.

3 comentários:

  1. Saudades.... saudades dos frangos da Ti' Cremilde e do Sr. Manuel Aires, que tão bem conheci. E confirmo, o molho que empregavam era utilizado amiúde pelo Carlos, até em outros petiscos que não tinham nada a ver com frangos.
    Vanda Rafeiro

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  2. Naqueles tempos, o Manuel Aires e a Ti Cremilde iam mais longe: punham o grelhador à disposição do grupo das famosas tardes do Piri-Piri. O Beto do Dr. Assis era o assador de serviço. Um dia "capturámos" numa represa de Ouca um saco de enormes carpas, que sacrificámos na grelha, mas saíram uma porcaria.
    Os frangos do quintal do Manuel da Barroca, esses, a malta apanhava-os sem sair dos anexos da casa do Dr. Assis. Usávamos uma cana de pesca com um grão de milho enfiado na ponta do anzol. À sorrelfa, era assados num fogareiro, dentro do lagar da casa do Dr. Assis, para não dar nas vistas.
    Para não falar das pombas que uma vez roubámos ao Jó e grelhámos no fogareiro, em minha casa. O Jó foi convidado para a "molhaca" e só soube da marosca quando, no dia seguinte, deu pela falta das pombas.
    Se todas as praxes fossem assim...

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  3. Cristina10:06

    Permitam-me um comentário.
    Agradeço a singela homenagem que foi feita aos meus avós Manuel Aires e Cremilde.
    Apenas quero fazer um reparo (isto em tom de brincadeira) que é o seguinte:
    Os frangos não ficavam tão queimados como os da fotografia, as asas eram colocadas de outra forma e eram assados de outra maneira (numa grelha rotativa).

    Cristina

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