22 de dezembro de 2010

Biblioteca Fixa nº 26 está viva e recomenda-se*

O próximo Dia de Bustos vai o meio século da Biblioteca Fixa da FCGulbenkian - nº 26 cruzar-se com o trigésimo aniversário da Associação de Beneficência e Cultura de Bustos, por sinal a hospedeira daquela sem-abrigo. Pela oportunidade, NB mostra a entrevista publicada no Jornal da Bairrada a uma das Figuras da Comissão de Melhoramentos de Bustos'1960, o Dr. Assis Francisco Rei, que a seu sustento, impediu o encerramento daquela instituição mal amada.
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Eis a entrevista:


Salta à vista de um sobrescrito da ABC de Bustos. O pensamento interroga, Biblioteca da Gulbenkian ... Fixa com número tão baixo (26)? Como foi possível, se a de Águeda tem o nº 89 e a de Oliveira do Bairro queda-se pelo 148...? Olhar através do caleidoscópio dos anos 50/60 impõe-se. O Dr. Assis Francisco Rei (AR), com o mesmo sorriso de sempre, disponibiliza-se a ciceronear o passeio pelas cortadas dessas décadas



RESISTÊNCIAS E ENTRAVES
JB – Nos anos 50, os leitores tinham ao seu dispor um serviço regular da Biblioteca Itinerante da Fundação Calouste Gulbenkian (FCG). Entretanto, no Dia de Bustos/61 (18 de Fevereiro) é inaugurada uma Sala de Leitura[1] recheada de livros. Como foi possível conseguir tal evento?
AR – Nessa época existia uma Comissão de Melhoramentos que apostava na concretização de várias realizações que ainda hoje são indicadores de qualidade de vida. A criação de uma Biblioteca Pública constituía um dos objectivos. Havia leitores em número apreciável. O Arsénio Mota era membro desta Comissão e que já andava pelo mundo das letras, foi o grande responsável pelo aparecimento da Biblioteca Fixa.
JB – Que individualidades participaram na inauguração?
AR. – Esteve presente uma entidade superior da FCG, além dos membros da Comissão de Melhoramentos.
JB – Sendo Bustos uma terra onde eram evidentes os conflitos políticos (Salazar/Oposição), a Sala de Leitura era frequentada pelas forças da então Situação?
AR. – Vejamos. ... Inicialmente, amedrontavam a população. Dizia-se que não se perdia nada por não frequentar a Biblioteca e que os livros que lá estavam não eram os mais aconselhados.
JB– A tomada dessa posição não estaria relacionada com as tendências políticas dos membros da Comissão de Melhoramentos?
AR. – Não, porque a Comissão sempre se afirmou apolítica e defendia, sem equívocos, que todos os bustuenses eram necessários ao progresso da sua terra. Bustos estava acima de tudo.
JB– Ainda se recorda da frequência dos utentes da biblioteca?
AR. – No início havia mais utentes do sexo masculino, predominando a leitura domiciliária. Caso curioso, a biblioteca servia as redondezas de Bustos, com destaque para o Troviscal.
JB A Biblioteca teve “a oferta de cerca de duzentos livros diversos” (1) de um lisboeta e amigo de Bustos, Albino de Seabra Coelho. Existe nas instalações alguma indicação que ilustre tal dádiva?
AR. – De facto não existe. E merecia-o, já que se tratou de uma pessoa que gostava da nossa maneira de viver e de conviver ... Passava sempre as férias na nossa terra.



PRIMEIROS PASSOS
JB– A Sala de Leitura deu os primeiros passos numa sala onde funcionara a Barbearia dos Luzios, a seguir transitou para o 1º andar do edifício do Ferreira da Silva (recentemente demolido). Como conseguiam as verbas para a manter as instalações?
AR. – Inicialmente, as despesas de renda, luz e limpeza foram suportadas pelo Arsénio Mota que também se encarregou do atendimento. Entretanto, a Comissão de Melhoramentos desfez-se. Fiquei só. Um dia, o Abel Martins (Serralheiro), exímio torneiro do Manuel da Barroca e leitor assíduo, ofereceu-se para desempenhar a função de bibliotecário nas horas vagas e sem qualquer encargo. Eu dispus-me a suportar o pagamento da renda, luz e limpeza. Entretanto o Abel emigra para África do Sul e, por sorte, sucede-lhe, nas mesmas condições, o seu irmão, o Manuel Carteiro ...



JB Bustos raramente teve as boas graças do poder de Oliveira do Bairro ...
AR.– ... Mesmo a seguir ao 25 de Abril, a Biblioteca de Bustos mudou para um edifício comprado pela população e amigos da terra (O Palacete do Visconde), já a de O do Bairro foi instalada em edifício público pago pelos cofres do Estado. Mas há mais .. A encarregada da nossa biblioteca recebia um pequeno subsídio, enquanto que a da sede do concelho tinha uma funcionária a tempo inteiro, com vencimento da Câmara. Enfim, ... para bibliotecas fixas iguais, tratamento diferente ...
JB– A Biblioteca estava sujeita a inspecção periódica da FCG. Que impressão levavam os inspectores?
AR.– A melhor ... fundamentalmente constatavam a existência de um número apreciável de leitores, dos pedidos de novos títulos e admiravam-se do que hoje se chama a promoção do livro e da leitura.




OBRAS PARA RECEBER UM LUDOTECA
JB– Mas, voltando atrás, como desarmadilhou a pretensão da sede do concelho em querer extinguir a nossa biblioteca?
AR.– ... (Um sorriso aberto) ... Os serviços de inspecção da FCG eram assessorados por um professor da Universidade de Coimbra que conhecia a nossa realidade. Esteve sempre ao nosso lado, dando-nos sugestões. E nós seguíamos com entusiasmo, ...
JB Era só isso? ...
AR.– ... Bem ... Depois do serviço, havia sempre um pequeno convívio no restaurante Piri-Piri. ... Bustos sempre acolheu bem os amigos da terra ... o nosso amigo chegou a sugerir que se criasse um grupo de folclore, de teatro ou de outra actividade lúdica que a FCG asseguraria os subsídios ...
JB– E por que não se concretizou?
AR.– Bustos entrou em letargia, até o futebol do União acabara. Outros que expliquem. ...
JB Como sente hoje a sua biblioteca?
AR.– Visito-a diariamente. Está mais atraente. Tem novo equipamento. Além disso, a bibliotecária é jovem e gosta da sua actividade .... Mas parece ser sina, ...além do seu trabalho, faz serviço da Casa do Povo, ... preenche impressos, ... desloca-se a Oliveira do Bairro para entregar papelada, etc... Como curiosidade ainda recentemente vi um utente de Amoreira da Gândara a entregar uma ficha de um livro... Momentaneamente a biblioteca está em obras para receber uma ludoteca (pólo da futura Biblioteca Municipal).
JB– Mas as valências oferecidas pela nova dinâmica de funcionamento da biblioteca e da ludoteca não exigiriam a construção de um edifício próprio?
AR.– (Encolheu os ombros) ... Anda-se a remendar, ... para remediar ...
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Comentário: Pela entrevista passearam figuras que, pela sua dedicação ao serviço da comunidade, deveriam pertencer ao património da nossa história. Existem mais, felizmente. É uma questão de ir procurá-las aos perdidos & achados de cada um.
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AR. - Dr. Assis Rei; 

(1) Mota, Arsénio – in Bustos, Elementos para a sua História, edição da ABC, 1983.

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*Título e subtítulos do JB, 15.04.1999

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