19 de maio de 2010

MARÉ ALTA: PINCELADAS DE UMA MEMÓRIA DISTANTE


Na calada da noite de altas horas transcorridas, movido por estranha força de pensamento inconsciente, fui parar surpreso a uma parte dos escritos do Notícias de Bustos nos idos de dois mil e cinco.
Lá fui encontrar entre tantas coisas emotivas que instantaneamente me levaram à memória da infância, uma que até certo ponto me surpreendeu pelo seu conteúdo. Para não me dispersar, rememoro uma criatura que permanece viva em meu imaginário. Refiro-me ao grande mestre Manoel de Oliveira Crespo.
Nos primeiros meses de 49 ingressei no conglomerado industrial de Manoel da Barroca, como aprendiz de torneiro mecânico. Manoel da Barroca iniciara em passado distante, sua atividade com uma forja fabricando principalmente implementos agrícolas. Posteriormente, expandiu-se abrindo outras frentes de atividades afins, no universo de serralharia, tornearia mecânica e fundição.

A fundição compreendia uma tecnologia avançada para o nosso meio. Não sei até onde é verdadeira uma lembrança que guardo e passo à memória da nossa terra, com a reserva de alguma confirmação mais comprobatória: Manoel da Barroca foi até uma fábrica de Alvergaria-a-Velha (Alba?) e em conversa de rua com alguns operários procurou saber quem era considerado o melhor mestre da especialidade em questão. De posse da informação de um nome consensual, entrou em contato com o profissional indicado para lhe apresentar uma proposta irrecusável. E assim, deste modo, levou para Bustos um grande profissional que morou em nossa terra com a família, numa residência que ficava bem no centro de Bustos (junto à Casa de Modas, taverna de António Nariz. Café Aires... por ali!).

A fundição exigia igualmente, um profissional de desenho que fosse capacitado a transformar em moldes de madeira, os artefatos a fundir. E a pessoa certa, ideal, talhada e enquadrada à finalidade da função, foi o ti Crespo.
Personagem de pequena estatura, corpo franzino, sobre o qual repousava uma cabeça privilegiada, com traços fisionómicos inconfundíveis de expressão enigmática, nariz aguçado sobre a ponta do qual repousava um permanente par de óculos que em minha cabeça de criança, só servia para compor o seu perfil de boa apresentação, uma vez que o ti Crespo dava a impressão que só enxergava por cima dos mesmos. Guardo na lembrança que a confecção dos moldes das peças fundidas eram verdadeiras obras de arte. Acho que, por conta do folclore que sempre envolve criaturas especiais, dizia-se que quando se confrontava com exigências mais complexas na formulação de seu trabalho, ele resolvia com todo o sucesso as suas expectativas, depois de uns bons copos de vinho. É, pois, com grande emoção e muito interesse, que acabei conhecendo pelos escritos ora constatados no Notícias de Bustos de 2005, tão rica quão profunda história da vida desse conterrâneo que está a merecer, como alguns outros, o reconhecimento da terra, em forma de estátua, como pleito de uma memória. Meu abraço.

Aristides Correia Arrais

5 comentários:

  1. Anónimo12:18

    Não há que tirar o mérito as pessoas mencionadas mas também
    Não podemos esquecer este homem de camisa verde (Na foto)
    Que o conheço a trabalhar nesta casa a mais de 50 anos.

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  2. Anónimo19:28

    Sabe bem ler o que bem escrito está. Não conheço o autor do texto mas agradeço-lhe o breve momento de descontração e aprendizagem que me proporcionou. Sem desmérito para os outros articulistas do blog, seria agradável ter outros mais assim, quer pelo teor, quer pela simplicidade, ou mesmo pela riqueza descritiva.
    Fica o desafio!

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  3. Carlos Alberto01:18

    Também eu tenho, como memória da minha infância, a figura do "ti" Crespo, altas horas da madrugada, debruçado sobre a sua mesa de trabalho, situada junto a uma janela iluminada pela luz ténue da época, mas que deixava ver perfeitamente o homem concentrado no seu labor, indiferente a quem passava. Eu achava curiosa a imagem dada pelo homem com os óculos e cigarro já referidos no "post", mas o mais marcante era uma característica que ficou, para mim até hoje, como uma das suas imagens de "marca" - o pingo de ranho a cair do nariz e que a absorção com que trabalhava (os génios são assim...) o fazia certamente esquecer de limpar.
    Foi bom recuar 50 anos (+/-) nas nossas vidas para lembrar uma figura que me era muito grata, até porque o meu pai (Alberto "torneiro") também trabalhou, cerca de 25 anos, desde 1952, na INF (Indústria Nacional de Ferramentas, assim se chamava a serralharia e fundição do "Barroca"), levado de Aveiro, onde aprendera o ofício de torneiro mecânico na ainda existente fábrica do Bóia&Irmão, pelo Sr. Manuel Simões dos Santos, também já falecido.
    Que descansem todos em paz!

    Carlos Alberto Martins

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  4. Aristides Arrais tem um acervo invejável de memórias meio seculares e sempre frescas do seu imaginário. Descreve os episódios com um gostoso suporte poético. A gesta da diáspora ou autóctone se for conhecida poderá contribuir para fortalecer as raízes da alma de Bustos. Aristides Arrais vai editar um livro. De Bustos. Pela amostra tem sucesso garantido. Fico à espera dele. Na primeira fila.
    Aristides Arrais, colaborador do Notícias de Bustos, pode ser lido no seu blogue www.devaneiosatuais.blogspot.com – Maré Alta de Arico Siarra


    Sobre o último comentário apenas uma dica: Alberto Martins saiu no Notícias de Bustos em postal aligeirado
    “Alberto. Um torneiro. Um mestre. Uma escola”… NB 14.03.2006

    http://noticiasdebustos.blogspot.com/2006/03/alberto-um-torneiro-um-mestre-uma.html
    . A INF (indústria Nacional de Ferramentas), que continua em actividade merece que seja escrita uma história da empresa. Tarefa para outros voos .
    Sérgio micaelo ferreira

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  5. Anónimo09:59

    O homem da foto é o Mário dos Santos Pedro, residente na Barreira e o actual encarregado da fundição.
    *
    Anilda da Barroca

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