22 de janeiro de 2010

JOÃO PEDRO, DE BUSTOS - " UM MÚSICO SINGULAR"


João foi o último dos Pedros a partir. E avisou.

Rosinda Oliveira fixou João Pedro, músico de bandas e de conjuntos. NB edita a partitura desta esta autora.
"João Pedro - um Músico singular*
João Pedro, nome de músico.
João Francisco Pedro, nome de registo.
Nascido em 21 de Novembro de 1913, fez a quarta classe (hoje 4° ano) de noite, na escola de adultos. É casado com D. Rosa (uma das tais senhoras, filhas de Manuel da Rica), reformado e mora na rua das Lagoínhas, ali próximo quase das bombas de gasolina do Senhor Mário da Silva Cravo, na estrada da Caneira.

Tocou na Banda de 1932 quase até 1966. Além da nossa Banda, tocou também na do Troviscal, na da Pocariça, nas duas de Fermentelos e na Tuna da Amoreira da Gândara. Era primeiro cornetim e, como os mestres de todas estas Bandas se davam bem, de vez em quando, para determinados serviços em que o predomínio de certos sons agudos exigia uma especial capacidade de afinação e altura, lá pediam ao senhor Professor Jaime para lhes dispensar o músico João Pedro.
E foi assim que ele percorreu várias festas e romarias incluído noutras Filarmónicas.
Nesse tempo era natural fazerem-se permutas de certos elementos, entre os regentes das Bandas... Verdade seja que um só músico, às vezes, podia valer mais em termos de qualidade artística do que dois ou três de outro nível inferior.
A este propósito, o senhor João Pedro referiu-nos até várias dessas suas façanhas em relação a tais "empréstimos".
Uma vez, o senhor Professor José de Oliveira tinha um serviço para uma localidade, a 39 Km de Viseu, de uma certa responsabilidade. E lá veio ele.
- Jaime, preciso do João Pedro para domingo.
- Bem, mas olha, que à noite temos nós serviço na Escumalha (hoje Vilamar) e eu quero-o cá, à tardinha.
- Fica descansado, antes do pôr-do-sol, nós estamos cá à vontade.
E o João Pedro lá foi sob a batuta de José de Oliveira para terras de Viriato.
Fizeram missa, procissão... Depois começou o regresso. Só que o senhor Professor José de Oliveira era pessoa muito conhecida nas povoações por onde passavam. E claro, toca de parar, distribuir alguns abraços, trocar umas palavras... O tempo foi-se escoando, abafado, nervoso ... João Pedro de boca calada, colada aos dentes, via as horas correrem como loucas e a tarde madura a cair para a penumbra... E o caminho ainda longo, grandalhão, a separá-lo da santa terrinha. Onde chegou... Chegou, mas já as 11 horas da noite se tinham escapado do relógio da torre.
João Pedro sabia o compromisso com o seu mestre: fazer a noitada na Escumalha. Pega na bicicleta e ei-lo na direcção dos Covões que bem conhece, mas daí para a frente... até à Escumalha?!... Nunca tinha amaciado tal caminho... os pés ignoravam-no completamente, bem como a sua bicicleta... Que fazer? Desistir não, nunca.
Entretanto lobriga luzes de foguetes, lá bem longe do seu nariz. Estrelejam nos ares, os céus riem às luzinhas e chamam-no, iluminando-lhe o caminho e o pensamento... Levanta-se o ânimo no seu peito... - Deve ser acolá, é só seguir as luzes do fogo de artifício que me chamam.
E podem não acreditar, mas foi assim que João Pedro chegou a Vilamar ou Escumalha...
Esbaforido, quase sem fôlego, ei-lo que sobe ao coreto onde o mestre Jaime já havia distribuído pelos colegas a última peça da noite...
Mas eis que avista o músico do aluguer e logo de imediato muda de estratégia: recolhe os papéis já nas mãos dos músicos e entrega "As canções portuguesas", uma peça que então só a Banda da Mamarrosa interpretava e onde se ouvisse era sempre sucesso garantido. E foi o que aconteceu. João Pedro chegara mesmo na hora H para puxar do cornetim os célebres agudos que a partitura exigia.
João Pedro cantava também a solo na orquestra sacra da Banda. Diz ele que nasceu da Banda em que tocou ainda durante a vida do senhor Professor Jaime (uns oito anos) e também continuou com os filhos José e António.
Contudo, ao mesmo tempo que tocava na Banda, como a Música era a sua própria vida, ele fez parte de outros agrupamentos musicais onde tocou trompete.
Logo de início, por volta de 1932, criou em Bustos (donde era natural) um jazz que apelidou de "Rádio". A seguir tocou também vários anos, mais ou menos até 1939, nos "Perus" (orquestra do Troviscal). De seguida ele e o Manuel Ferreira saíram dos “Perús” e formaram este duo "João Pedro e Ferreira" (João Pedro tocava clarinete ou trompete e Manuel Ferreira acordeão).
"João Pedro e Ferreira" tornou-se um conjunto bastante conhecido e afamado, sempre com muito serviço, chegando a cumprir 39 trabalhos (actuações), só no mês de Agosto, descansando apenas um único dia: o 28.
Escusado é dizer que iam de umas localidades para as outras, sempre de bicicleta e com os instrumentos às costas... Nas vésperas de São João do Sobreiro – Bustos, diz ele que chegaram a dar duas voltas a toda a Freguesia (de Bustos), a pé e a tocar.
Uma vez foram fazer um serviço perto do Matadouro de Ílhavo e mal acabaram, puseram-se a pedalar direitos ao Luso para onde estavam convidados e iam actuar logo a seguir …
Este conjunto musical "João Pedro e Ferreira" durou até 1947, data em que ele e outros músicos organizaram um novo conjunto: o Jazz Central do Troviscal. Aí permaneceu uns dezoito anos até finalizar em 1965-1966, e desses seus colegas do Central é hoje o único músico vivo.
Recorda-os todos com saudade e lembra as grandes amizades que se estabeleciam entre os músicos do seu tempo.
Agora, queremos nós aqui registar a apreciação que este músico fez dos dois irmãos e grandes mestres dos sons: os maestros José e Jaime, os dois filhos do professor Manuel José de Oliveira, ambos fundando cada qual a sua Banda Filarmónica: o José a do Troviscal, em 1911 e o Jaime a da Mamarrosa, em 1916.
Segundo João Pedro, o senhor Professor José não precisava de partitura para dirigir, tinha tudo na memória que era extraordinária; o senhor Professor Jaime só dirigia pelo papel, mas em compensação, compunha e escrevia Música na perfeição e era mais meticuloso em certos pormenores do que o irmão José. Mas eram os dois excelentes.
Em ar de desabafo, num misto de saudade e alguma verdade, afirma-nos este homem: - "No meu tempo a Música era natural, as notas entravam e saíam dos instrumentos para dar prazer a quem as ouvia. Agora com esta evolução do tempo, apareceu esta música sintética e as notas entram no bolso"
Supomos que o senhor João Pedro se refere, como é evidente, a um determinado e bem característico número de conjuntos sonoros da actualidade que primam pela camuflagem da autenticidade musical.
Para finalizar esta entrevista aqui fica uma música "A marcha João Pedro" que ele próprio dedicou à Banda; trata-se do arranjo para 1° clarinete (o que ele executava); a partitura completa encontra-se em Fermentelos".
...

in Rosinda Oliveira, A Banda Filarmónica da Mamarrosa – Música na Batuta do Tempo, (pg.s 268 a 272) edição da Câmara Municipal de Oliveira do Bairro, 2001.

Em 28.11.08,NB editou: João Pedro – um músico de eleição, aqui

Nota do editor NB –
* a) Um obrigado a Rosinda de Oliveira por ter feito a radiografia do João Pedro, interventivo na música de banda e de conjunto
b) João Pedro produziu um «passo doble» (para o “Central”, se a memória é fiel) que porventura deve estar gravado. O Pai, João Francisco Pedro, que, segundo se dizia, foi um tocador de viola que encantava os “auditórios”, transmitiu o ADN da música aos seus filhos: Manuel, João, (último a partir), Amadeu (construiu a sua primeira viola. Nos USA foi o professor de música – creditado – do seu neto). A Clarinda, por ser mulher, não teve possibilidade de mostrar os prováveis dotes da arte dos sons.
As bandas, os conjuntos e os amigos do João Pedro «estiveram» hoje na Mamarrosa. O Zé Valério também não podia faltar.
sérgio micaelo ferreira, 22.01. 2010 (sexta-feira)

1 comentário:

  1. Anónimo19:55

    Olá boa tarde.. foi com muita alegria que tive conhecimento deste blogue dedicado ao meu falecido avô João Francisco Pedro Júnior... muito obrigada!
    Susana Cristina Silva Neves Pedro Simões (neta) (susanacristinapedro@gmail.com)

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