Na terra do leitão, o frango também faz história. Na Malaposta, meia dúzia de quilómetros a norte da Mealhada, nas instalações da 16.ª "estação de muda" da primeira estrada que ligou Lisboa e Porto. Nesta antiga mala-posta, restaurante há mais de 40 anos, há bom leitão, naturalmente. Mas não é ele, o bácoro assado à moda da Bairrada, que faz com que muitos automobilistas abandonem a auto-estrada e regressem, alguns minutos, à velha Nacional 1 (EN1/IC2). O motivo do desvio é o frango de churrasco do Pompeu.O emblemático prato do Pompeu dos Frangos faz, frequentemente, esquecer as suas outras especialidades maiores: o arroz de miúdos e a costeleta bovina. Uma injustiça, reconhecem mesmo os incondicionais apreciadores do frango de churrasco. Como pouco justo será reduzir o res- taurante à cozinha. O acolhedor espaço, feito a partir dos aposentos da que terá sido a maior mala-posta (inaugurada em 1857) ao longo dos 300 quilómetros entre as já então duas maiores cidades do país, também é responsável pela fama da casa.As suas salas, contando, em painéis de azulejos (fiéis cópias dos expostos no Museu dos CTT), a história das "estações de muda", também explicam a projecção do restaurante. E de espaço de tertúlia, cada vez, porém, menos cultivado, apesar da fidelidade que mantém ao seu ambiente, de granito e madeira, de amplas portas e janelas. Faltam Miguel Torga ou Fernando Valle, entre muitos outros. Mas felizmente ainda há quem continue a apreciar boa mesa em ambiente agradável.O molho que tempera os frangos já não tem o dedo do Pompeu (1920-1992). Mas continua igual, garantem os clientes mais antigos e fiéis, lembrando que o filho do fundador do restaurante desde muito novo substituía o pai nessa e outras tarefas. O crescimento e decoração da casa, aliás, foram - sempre com o apoio do pai -, obra de Carlos Aires, que desde cedo revelou ter herdado do pai a extraordinária sensibilidade para a gerir.Carlos Aires, 59 anos - embora lamentando não ter estudado, "pelo menos mais dois anos", no então emblemático Colégio de Nun'Álvares, em Tomar -, reconhece que a sua vida se confunde com a do pai, no restaurante, inaugurado em 20 de Novembro de 1963. "Mas na véspera, pressionados por alguns clientes, já servimos", recorda. Clientes antes de a casa abrir?
Isso mesmo. A história do Pompeu dos Frangos começou antes, em Bustos, a 14 quilómetros da Malaposta.O Pompeu "nunca gostou muito da agricultura e, assim que pôde, mudou de vida". Abriu um café na aldeia, que, então, tinha três médicos e era, por isso, bastante visitada pelos na altura designados delegados de propaganda médica. Uns e outros frequentavam o café, mas lamentavam não ter uns petisquinhos. O proprietário fez-lhes a vontade e o café acentuou a vocação de ponto de encontro de amigos. Um deles, uma noite, apareceu lá, com "um frango roubado", desafiando o dono da casa a assá-lo, no fogareiro doméstico, e a temperá-la com molhos africanos. Pela sua origem ou tempero, "o frango não ficou bom nem mau", mas Pompeu ficou com a certeza de que, corrigindo métodos e temperos, conseguiria melhor. E conseguiu. De tal modo que o frango, apesar de confeccionado artesanalmente, passou a ser referência do café.O sucesso do churrasco foi tal que Pompeu teve mesmo de ceder à pressão dos amigos e deslocar-se para junto da Nacional 1, para a "estação de muda" (então completamente abandonada) que dá o nome à povoação da Malaposta. Dona Nina, sua mulher (recentemente falecida), resolveu, entretanto, dar utilidade aos miúdos que, em quantidades crescentes, sobravam. E nasceu o arroz de miúdos, melhor ainda, segundo algumas bocas, que os frangos que o sugeriram.
In “Diário de Noticias”, 30 de Julho, 2006