Esta manhã na Rua de Belém |
Crónica
de Belino Costa
Vivo
perto do Palácio da Ajuda e do Palácio de Belém. Ao longo dos últimos vinte
anos aprendi a conviver com as sirenes da comitiva presidencial, com as ruas
cortadas por via da tomada de posse de um novo governo, ou por causa da visita
de um chefe de estado. As rotinas dos dois palácios acabam por interferir com
as minhas próprias rotinas e consequentemente acabei interessado nesta curiosa
vizinhança e nas suas manifestações exteriores. Acompanhei por exemplo o
evoluir das cerimónias do render da guarda presidencial, desde o tempo em que a
banda a cavalo se exibia no jardim Botânico até hoje, quando, na rua de Belém,
pude presenciar a cerimónia com maior participação popular a que alguma vez
assisti.
Marcelo
Rebelo de Sousa é o novo presidente e a sua postura tem tocado o coração popular
que esta manhã encheu as ruas e se organizou em grandes filas para poder entrar
no palácio.
Já
o fiz uma vez, confesso, e ainda por cima com um presidente por quem nunca tive
especial estima ou admiração, Cavaco Silva. Aconteceu no 5 de Outubro de 2006 e
foi a maneira de estar na presença deste meu vizinho, que de outra forma teria
dificuldade em encontrar.
Com
Marcelo, que tive o privilégio de ter como professor de Constitucional na
Faculdade de Direito de Lisboa, tenho a esperança de me encontrar algumas
vezes. Até porque há um restaurante chinês onde vou com frequência que fica quase
em frente da porta lateral do palácio. Quem sabe se um dia deste não encontro o
presidente de prato na mão em roda do buffet?!
Jorge Sampaio |
Jorge Sampaio, o primeiro inquilino presidencial que conheci, tinha hábitos
muito regulares e a probabilidade de o encontrar a caminhar junto ao rio, num
sábado de manhã, era grande.
Naquele
tempo a minha filha mais velha, Beatriz, andava na escola primária e adorava
passear nos jardins de Belém. Era costume passearmos junto ao Tejo a ver os
barcos, os pescadores e a malta das corridas, das caminhadas e das bicicletas.
Foram várias as vezes que encontrámos Jorge Sampaio em caminhada rápida, e sem
qualquer guarda visível. Era curioso verificar que os populares o saudavam com
um acenar de mão ou uma palavra de saudação mas que seguiam caminho fazendo
questão em não incomodar. Foi o que fiz também, até o dia em que a minha filha,
que sempre dizia que o presidente tinha cara de bebé, me pediu para o conhecer.
Ao vê-lo tão próximo e tão diferente das imagens de televisão, talvez pensando
que não era o mesmo, pediu-me para lhe ir dar um beijo. Alinhei. Agarrei-lhe na
mão e, em passo de corrida, atacámos o pobre homem que se deslocava em passada
firme.
-
Senhor Presidente!
Jorge
Sampaio rodou o pescoço e ao ver-me meio esbaforido com a criança pela mão,
parou e voltou-se para nós, os dois de rosto avermelhado, consequência da
corrida e do atrevimento.
-
A minha filha quer dar-lhe um beijo.
Jorge
Sampaio sorriu e com afeto dirigiu-se à criança:
-
Olá, como te chamas?
-
Beatriz.
-
És muito bonita. Dá cá um beijo.
Depois
me cumprimentar voltou-se para a Beatriz e perguntou:
-
Queres passear um bocadinho comigo?
A
Beatriz olhou-o, já cheia de vergonha, e respondeu:
-
Hoje não posso.
-
Fica então para outro dia – sorriu o presidente e retomou a caminhada.
Confesso
que este breve momento me tocou a alma. E fiquei a pensar se em mais algum outro
país europeu um episódio destes poderia acontecer. Conclui que não e
apercebi-me de que viver num país com esta liberdade, onde um presidente pode
caminhar nas ruas sem segurança, onde o afeto e a civilidade são maiores que o
medo e o ódio é um enorme privilégio.
Marcelo Rebelo de Sousa na festa do Avante |
Hoje
estou mais certo de que todos aqueles que dividem os portugueses entre bons e
maus, que pretendem definir campos sendo que um é o dos que estão certos e o
outro dos que estão errados, não terá sucesso na nossa vida pública. Porque não
precisamos de quem nos divida, mas de quem nos junte, de quem nos explique a
extrema importância da tolerância perante a diferença e a divergência. É o que Marcelo Rebelo de Sousa tem vindo a
fazer.
Quem é que não gostaria de o ter entre vizinhança?
Belino Costa
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