12 de março de 2016

TER O PRESIDENTE DA REPÚBLICA ENTRE A VIZINHANÇA

Esta manhã na Rua de Belém

Crónica de Belino Costa

Vivo perto do Palácio da Ajuda e do Palácio de Belém. Ao longo dos últimos vinte anos aprendi a conviver com as sirenes da comitiva presidencial, com as ruas cortadas por via da tomada de posse de um novo governo, ou por causa da visita de um chefe de estado. As rotinas dos dois palácios acabam por interferir com as minhas próprias rotinas e consequentemente acabei interessado nesta curiosa vizinhança e nas suas manifestações exteriores. Acompanhei por exemplo o evoluir das cerimónias do render da guarda presidencial, desde o tempo em que a banda a cavalo se exibia no jardim Botânico até hoje, quando, na rua de Belém, pude presenciar a cerimónia com maior participação popular a que alguma vez assisti.
Marcelo Rebelo de Sousa é o novo presidente e a sua postura tem tocado o coração popular que esta manhã encheu as ruas e se organizou em grandes filas para poder entrar no palácio.

 
Maria e Cavaco Silva nos jardins do palácio no 5 de Outubro de 2006
Já o fiz uma vez, confesso, e ainda por cima com um presidente por quem nunca tive especial estima ou admiração, Cavaco Silva. Aconteceu no 5 de Outubro de 2006 e foi a maneira de estar na presença deste meu vizinho, que de outra forma teria dificuldade em encontrar.
Com Marcelo, que tive o privilégio de ter como professor de Constitucional na Faculdade de Direito de Lisboa, tenho a esperança de me encontrar algumas vezes. Até porque há um restaurante chinês onde vou com frequência que fica quase em frente da porta lateral do palácio. Quem sabe se um dia deste não encontro o presidente de prato na mão em roda do buffet?!

Jorge Sampaio
Jorge Sampaio, o primeiro inquilino presidencial que conheci, tinha hábitos muito regulares e a probabilidade de o encontrar a caminhar junto ao rio, num sábado de manhã, era grande.
Naquele tempo a minha filha mais velha, Beatriz, andava na escola primária e adorava passear nos jardins de Belém. Era costume passearmos junto ao Tejo a ver os barcos, os pescadores e a malta das corridas, das caminhadas e das bicicletas. Foram várias as vezes que encontrámos Jorge Sampaio em caminhada rápida, e sem qualquer guarda visível. Era curioso verificar que os populares o saudavam com um acenar de mão ou uma palavra de saudação mas que seguiam caminho fazendo questão em não incomodar. Foi o que fiz também, até o dia em que a minha filha, que sempre dizia que o presidente tinha cara de bebé, me pediu para o conhecer. Ao vê-lo tão próximo e tão diferente das imagens de televisão, talvez pensando que não era o mesmo, pediu-me para lhe ir dar um beijo. Alinhei. Agarrei-lhe na mão e, em passo de corrida, atacámos o pobre homem que se deslocava em passada firme.
- Senhor Presidente!
 Jorge Sampaio rodou o pescoço e ao ver-me meio esbaforido com a criança pela mão, parou e voltou-se para nós, os dois de rosto avermelhado, consequência da corrida e do atrevimento.
- A minha filha quer dar-lhe um beijo.
Jorge Sampaio sorriu e com afeto dirigiu-se à criança:
- Olá, como te chamas?
- Beatriz.
- És muito bonita. Dá cá um beijo.
Depois me cumprimentar voltou-se para a Beatriz e perguntou:
- Queres passear um bocadinho comigo?
A Beatriz olhou-o, já cheia de vergonha, e respondeu:
- Hoje não posso.
- Fica então para outro dia – sorriu o presidente e retomou a caminhada.
Confesso que este breve momento me tocou a alma. E fiquei a pensar se em mais algum outro país europeu um episódio destes poderia acontecer. Conclui que não e apercebi-me de que viver num país com esta liberdade, onde um presidente pode caminhar nas ruas sem segurança, onde o afeto e a civilidade são maiores que o medo e o ódio é um enorme privilégio.
Marcelo Rebelo de Sousa na festa do Avante
Hoje estou mais certo de que todos aqueles que dividem os portugueses entre bons e maus, que pretendem definir campos sendo que um é o dos que estão certos e o outro dos que estão errados, não terá sucesso na nossa vida pública. Porque não precisamos de quem nos divida, mas de quem nos junte, de quem nos explique a extrema importância da tolerância perante a diferença e a divergência. É o que Marcelo Rebelo de Sousa tem vindo a fazer. 
Quem é que não gostaria de o ter entre vizinhança?


Belino Costa

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