28 de dezembro de 2015

Um bustuense em OURO preto e a lama de MARIANA

MARÉ ALTA  24.12.2015                                                                                   
                   
Um bustuense em Ouro preto e a lama de Mariana
No centro-sul do Estado de Minas Gerais, Brasil, localiza-se uma grande região montanhosa, conhecida como o quadrilátero ferrífero, com a maior reserva nacional do minério de ferro, proporcionando 60% do total da produção nacional, de um país cuja extensão é considerada continental.
Toda esta região compreende os municípios (cidades) de Sabará, Santa bárbara, Mariana, Congonhas, Ouro Preto, João Monlevade, Rio Piracicaba, Itaúna e Itabira, envolvendo uma área que gira em torno de 7.000 quilômetros quadrados (para se ter uma ideia desta superfície diremos que a área dos Distritos de Aveiro e Coimbra juntos – 6755 km² -  é menor que aquela área).   
Deve ser acrescentado que nesta região são extraídos ainda outros minérios, principalmente ouro e manganês.  
 
Um bustuense em OURO preto e a lama de MARIANA - Aristides Arrais (MARÉ ALTA. Mapa)
Na região salientam-se as mais importantes bacias hidrográficas do Estado de Minas Gerais: A do Rio das Velhas e a bacia do Rio Doce. Este rio foi notícia recente no mundo inteiro, atingido que foi, por um catastrófico quanto absurdo desastre ecológico, humano e social. Absurdo porque se houvesse uma consciente responsabilidade, das empresas envolvidas bem como do poder público, este grave acidente teria, certamente, sido evitado.
Dentre os municípios mencionados, Mariana e Ouro Preto são duas cidades distantes 12 km, especialmente destacadas graças à sua formação histórica, hoje representada pela eloquência de sua arquitetura barroca com destaque para a cultura religiosa. Estes aglomerados surgiram em fins do século XVI e seu povoamento teve grande surto de desenvolvimento durante o século XVII e início do século XVIII graças ao apogeu do ciclo de ouro, preservando um natural interesse e similitude entre si.
    
      Maria Fumaça (comboio) que faz o trajeto de 12 km entre Mariana e Ouro Preto proporcionando uma grande visão de belezas paisagísticas.
Em fins do século XVIII o polo aurífero da região começou a decair provocando a consequente estagnação da região.                                                                                  
E eis que é neste momento circunstancial de tempo e espaço, que aqui chegam dois bustuense – João e Antônio (segunda metade do século XVIII) - em busca de melhores oportunidades de vida.
                                                                                                 
Nossos imigrantes bustuenses
De João pouco se sabe. Irmão mais velho que Antônio, acredita-se que tenha chegado até àquelas paragens alguns anos antes de chegada de Antônio ao Brasil. E por lá ficou durante toda a sua existência, jamais voltando à sua terra natal: Bustos.
Antônio aportou no Rio de Janeiro e ali permaneceu durante vários anos seguindo depois  para Ouro Preto a fim de se encontrar com seu irmão. Nesta cidade estabeleceu-se na condição de comerciante e, pelo conteúdo de seu diário, pode-se deduzir ter sido economicamente muito bem sucedido, já que retornou por duas vezes a Bustos, mostrando natural liberalidade em seus gastos, além de ter comprado todos os bens que seu mano João possuía em sua terra natal.
Colocado de outro modo, repetimos que Ouro Preto e Mariana se confundem em sua história pelo conteúdo de suas origens, proximidade, evolução de desenvolvimento e cultura. A formação inicial de seus povoados teve muito da presença e composição de portugueses, que se haviam incorporado aos contingentes bandeirantes que partindo da então província de São Paulo adentravam as virgens matas deste Brasil continental em busca de ouro e aprisionamento de indígenas para torná-los escravos. Dentro deste contexto, os portugueses (de forma geral) nunca tiveram problemas para se amasiarem com mulheres negras ou com mulheres indígenas, independentemente alguns, de serem ou não, casados em Portugal.  
Isto nos induz à conclusão de que, quando chegavam a algum lugar, ali se quedavam formando uma família. No caso, muitos deles enriquecendo com a extração de ouro e pedras preciosas ou com seu ingresso no comércio local, puderam proporcionar a seus filhos boas oportunidades de escola, muitos dos quais enviados para estudar na Europa, já então, objetivando escolaridade superior, principalmente em universidades de Portugal e França.

                   

Pois foi este conjunto de fatores que transformou estas duas cidades em grandes centros de cultura. E foram estes filhos que trouxeram da grande senhora Europa, ideais de liberdade que logo se converteram em movimentos de independência deste país colônia.
 Ouro Preto: Museu da Inconfidência (dois planos)
Não surpreende, pois, que o bustuense Antônio Francisco dos Reis¹, chegado a esta colônia chamada Brasil, analfabeto, tenha se tornado uma pessoa letrada e capacitada a nos proporcionar tão rica discrição da época em que por cá viveu, fruto de sua adquirida capacidade de observação cultural. 
A lama de Mariana
Mariana, como antes afirmado, a seu modo, viveu a mesma ordem de Ouro Preto, quanto a surgimento, desenvolvimento econômico e cultural, apogeu do garimpo do ouro e seu declínio.  Mais tarde, com a retomada da atividade extrativa agora de minério de ferro em Mariana, ocorreu um consequente novo ciclo econômico desde 1977 com a atuação da mineradora Samarco, controlada pela brasileira Vale e a anglo/australiana BHP Belliton.
A técnica da extração do minério de ferro exige a construção de barragens nas quais se processa a limpeza do produto base, restando depositados nestes núcleos, os rejeitos do ferro que formam uma espécie de lama, constituída de areia e óxido de ferro. E o que aconteceu?
No começo de novembro último, uma dessas barragens rompeu-se e seus rejeitos rolaram passando por uma outra barragem de água. O resultado foi a formação de uma densa lama aguada que logo encontrou os leitos de rios Carmo e Gualaxo do Norte, pelos quais foi seguindo e se espalhando qual um tsunami, até encontrar o Rio Doce, principal catalizador das águas nascentes de toda aquela região (É na confluência daqueles dois rios, que nasce o Rio Doce).


E assim canalizada a lama, continuou sua caminhada de destruição ao longo de todo o rio Doce, por uma extensão de 853 km, para finalmente chegar à sua foz como uma grande avalanche a adentrar pelo mar, no litoral do Estado do Espírito Santo deixando para trás, após alguns dias, muita devastação, com a destruição de vilas, matas, áreas agrícolas e a morte de cerca de duas dezenas de pessoas, o que só não foi pior em termos de vítimas fatais, porque este verdadeiro cataclismo ocorreu durante o dia.


  O volume da lama rolada e espalhada ao longo de sua trajetória até à chegada ao mar, foi estimado em 50 milhões de metros cúbicos, quantidade que encheria 20 mil piscinas olímpicas.
Já lá se vão 45 dias em ações e escaramuças a envolver a principal empresa responsável e as autoridades a seus níveis hierárquicos e suas especificidades, discutindo cifrões – que chegam a bilhões – enquanto mais de 300 famílias continuam desabrigadas.
Interessante (se não fosse tristemente sintomático) é que a mídia, de modo geral, embora procurando oferecer um noticiário presente, não se aprofunda numa análise crítica mais detalhada na busca das verdadeiras raízes da questão. Tão pouco levantam quaisquer questionamentos sobre a responsabilidade (ou irresponsabilidade) das omissas autoridades públicas fiscalizadoras envolvidas nessa espécie de atividade de profíquos fins lucrativos (O lucro da empresa em 2014 chegou a R$ 2,8 bilhões - cerca de 650 milhões de Euros).
Pela sua destruição de solo, o município de Mariana recebe pouco mais de 1% desse enorme lucro que a cada ano torna os seus dois grandes acionistas (Vale e BHP Belliton) mais economicamente engordados e mais poderosos (...?) em termos de influência política.

Em tempo, uma curiosidade: Quanto recebe Bustos, pelos buracos da Barreira feitos pelas “Cerâmicas”, com a extração de barro?
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1. Vide texto de Belino Costa, sobre o bustuense em Ouro Preto, no Blog Noticias de Bustos em 27.10.2015.  ANTÓNIO FRANCISCO DOS REIS, “NEGOCIANTE NO BRASIL”

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2 comentários:

  1. Amigo Aristides: excelente trabalho. Muita busca (dita, heurística) e uma excecional apresentação e descrição de factos históricos.
    Parabéns e aquele abraço.

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  2. Anónimo17:40

    EXCELENTE TRABALHO

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