MARÉ ALTA 24.12.2015
Um
bustuense em Ouro preto e a lama de Mariana
No centro-sul do Estado de Minas Gerais,
Brasil, localiza-se uma grande região montanhosa, conhecida como o quadrilátero
ferrífero, com a maior reserva nacional do minério de ferro, proporcionando 60%
do total da produção nacional, de um país cuja extensão é considerada
continental.
Toda esta região compreende os
municípios (cidades) de Sabará, Santa bárbara, Mariana, Congonhas, Ouro Preto,
João Monlevade, Rio Piracicaba, Itaúna e Itabira, envolvendo uma área que gira
em torno de 7.000 quilômetros quadrados (para se ter uma ideia desta superfície
diremos que a área dos Distritos de Aveiro e Coimbra juntos – 6755 km² - é menor que aquela área).
Deve ser acrescentado que nesta região são
extraídos ainda outros minérios, principalmente ouro e manganês.
Na região salientam-se as mais importantes
bacias hidrográficas do Estado de Minas Gerais: A do Rio das Velhas e a bacia
do Rio Doce. Este rio foi notícia recente no mundo inteiro, atingido que foi,
por um catastrófico quanto absurdo desastre ecológico, humano e social. Absurdo
porque se houvesse uma consciente responsabilidade, das empresas envolvidas bem
como do poder público, este grave acidente teria, certamente, sido evitado.
Dentre os municípios mencionados,
Mariana e Ouro Preto são duas cidades distantes 12 km, especialmente destacadas
graças à sua formação histórica, hoje representada pela eloquência de sua
arquitetura barroca com destaque para a cultura religiosa. Estes aglomerados surgiram
em fins do século XVI e seu povoamento teve grande surto de desenvolvimento
durante o século XVII e início do século XVIII graças ao apogeu do ciclo de
ouro, preservando um natural interesse e similitude entre si.
Maria Fumaça (comboio) que faz o trajeto de 12 km entre Mariana e Ouro
Preto proporcionando uma grande visão de belezas paisagísticas.
Em fins do século XVIII o polo aurífero
da região começou a decair provocando a consequente estagnação da região.
E eis que é neste momento circunstancial
de tempo e espaço, que aqui chegam dois bustuense – João e Antônio (segunda
metade do século XVIII) - em busca de melhores oportunidades de vida.
Nossos imigrantes
bustuenses
De João pouco se sabe. Irmão mais velho
que Antônio, acredita-se que tenha chegado até àquelas paragens alguns anos
antes de chegada de Antônio ao Brasil. E por lá ficou durante toda a sua existência,
jamais voltando à sua terra natal: Bustos.
Antônio aportou no Rio de Janeiro e ali permaneceu
durante vários anos seguindo depois para
Ouro Preto a fim de se encontrar com seu irmão. Nesta cidade estabeleceu-se na
condição de comerciante e, pelo conteúdo de seu diário, pode-se deduzir ter
sido economicamente muito bem sucedido, já que retornou por duas vezes a Bustos,
mostrando natural liberalidade em seus gastos, além de ter comprado todos os
bens que seu mano João possuía em sua terra natal.
Colocado de outro modo, repetimos que Ouro
Preto e Mariana se confundem em sua história pelo conteúdo de suas origens,
proximidade, evolução de desenvolvimento e cultura. A formação inicial de seus
povoados teve muito da presença e composição de portugueses, que se haviam
incorporado aos contingentes bandeirantes que partindo da então província de
São Paulo adentravam as virgens matas deste Brasil continental em busca de ouro
e aprisionamento de indígenas para torná-los escravos. Dentro deste contexto,
os portugueses (de forma geral) nunca tiveram problemas para se amasiarem com
mulheres negras ou com mulheres indígenas, independentemente alguns, de serem
ou não, casados em Portugal.
Isto nos induz à conclusão de que,
quando chegavam a algum lugar, ali se quedavam formando uma família. No caso, muitos
deles enriquecendo com a extração de ouro e pedras preciosas ou com seu
ingresso no comércio local, puderam proporcionar a seus filhos boas
oportunidades de escola, muitos dos quais enviados para estudar na Europa, já
então, objetivando escolaridade superior, principalmente em universidades de
Portugal e França.
Pois foi este conjunto de fatores que
transformou estas duas cidades em grandes centros de cultura. E foram estes
filhos que trouxeram da grande senhora Europa, ideais de liberdade que logo se
converteram em movimentos de independência deste país colônia.
Ouro Preto: Museu da Inconfidência (dois planos) |
Não surpreende, pois, que o bustuense
Antônio Francisco dos Reis¹, chegado a esta colônia chamada Brasil, analfabeto,
tenha se tornado uma pessoa letrada e capacitada a nos proporcionar tão rica
discrição da época em que por cá viveu, fruto de sua adquirida capacidade de
observação cultural.
A lama de Mariana
Mariana, como antes afirmado, a seu modo,
viveu a mesma ordem de Ouro Preto, quanto a surgimento, desenvolvimento
econômico e cultural, apogeu do garimpo do ouro e seu declínio. Mais tarde, com a retomada da atividade
extrativa agora de minério de ferro em Mariana, ocorreu um consequente novo ciclo
econômico desde 1977 com a atuação da mineradora Samarco, controlada pela
brasileira Vale e a anglo/australiana BHP Belliton.
A técnica da extração do minério de
ferro exige a construção de barragens nas quais se processa a limpeza do
produto base, restando depositados nestes núcleos, os rejeitos do ferro que
formam uma espécie de lama, constituída de areia e óxido de ferro. E o que
aconteceu?
No começo de novembro último, uma dessas
barragens rompeu-se e seus rejeitos rolaram passando por uma outra barragem de
água. O resultado foi a formação de uma densa lama aguada que logo encontrou os
leitos de rios Carmo e Gualaxo do Norte, pelos quais foi seguindo e se
espalhando qual um tsunami, até encontrar o Rio Doce, principal catalizador das
águas nascentes de toda aquela região (É na confluência daqueles dois rios, que
nasce o Rio Doce).
E assim canalizada a lama, continuou sua
caminhada de destruição ao longo de todo o rio Doce, por uma extensão de 853 km,
para finalmente chegar à sua foz como uma grande avalanche a adentrar pelo mar,
no litoral do Estado do Espírito Santo deixando para trás, após alguns dias,
muita devastação, com a destruição de vilas, matas, áreas agrícolas e a morte de
cerca de duas dezenas de pessoas, o que só não foi pior em termos de vítimas
fatais, porque este verdadeiro cataclismo ocorreu durante o dia.
O volume da lama rolada e espalhada ao
longo de sua trajetória até à chegada ao mar, foi estimado em 50 milhões de
metros cúbicos, quantidade que encheria 20 mil piscinas olímpicas.
Já lá se vão 45 dias em ações e
escaramuças a envolver a principal empresa responsável e as autoridades a seus
níveis hierárquicos e suas especificidades, discutindo cifrões – que chegam a
bilhões – enquanto mais de 300 famílias continuam desabrigadas.
Interessante (se não fosse tristemente
sintomático) é que a mídia, de modo geral, embora procurando oferecer um
noticiário presente, não se aprofunda numa análise crítica mais detalhada na
busca das verdadeiras raízes da questão. Tão pouco levantam quaisquer
questionamentos sobre a responsabilidade (ou irresponsabilidade) das omissas
autoridades públicas fiscalizadoras envolvidas nessa espécie de atividade de
profíquos fins lucrativos (O lucro da empresa em 2014 chegou a R$ 2,8 bilhões -
cerca de 650 milhões de Euros).
Pela sua destruição de solo, o município
de Mariana recebe pouco mais de 1% desse enorme lucro que a cada ano torna os
seus dois grandes acionistas (Vale e BHP Belliton) mais economicamente
engordados e mais poderosos (...?) em termos de influência política.
Em tempo, uma curiosidade: Quanto recebe
Bustos, pelos buracos da Barreira feitos pelas “Cerâmicas”, com a extração de
barro?
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1. Vide texto de Belino Costa, sobre o bustuense em Ouro Preto, no Blog Noticias de Bustos em 27.10.2015. ANTÓNIO FRANCISCO DOS REIS, “NEGOCIANTE NO BRASIL”
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Amigo Aristides: excelente trabalho. Muita busca (dita, heurística) e uma excecional apresentação e descrição de factos históricos.
ResponderEliminarParabéns e aquele abraço.
EXCELENTE TRABALHO
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