...OU, COMO A "POLÍTICA DE VERDADE" FOI A BANHOS.
“Pai, o Cavaco Silva é um aldrabão?”, quando a minha filha me interpelou com esta pergunta reagi de imediato.
“Menina, isso não se diz! Não se fala de um Chefe de Estado eleito democráticamente de forma tão insolente.”
Ela olhou-me misturando um sorriso irónico com um olhar tão surpreso quanto inocente. E retorquiu: “Ó pai, onde é que vives?!
É claro que aproveitei para lhe dar uma daquelas lições que os pais, e só os pais assumem por dever, acreditando na eficácia dos seus conselhos. Comecei por lhe lembrar o respeito pelos cargos e pelas instituições, vincando que o facto dos políticos, por vezes, esquecerem tais princípios, isso não é razão para lhe seguirmos o exemplo. Depois de me ouvir sem esboçar qualquer gesto ela, com ar de vitória, perguntou:
“Tudo bem, nas explica-me então porque é que Cavaco Silva, um homem tão respeitável, tão conhecedor, um economista, semanas antes das eleições dizia que era preciso ter em consideração as agências de rating e semanas depois das eleições diz exactamente o contrário. Um homem sério não muda tão rápidamente de opinião, logo se não está a mentir agora estava a mentir antes.”
“Não!”, contestei. "Antes estavamos em vésperas de eleições e o Senhor Presidente, tendo em conta os supremos interesses do País, considerava que era preciso eleger um novo Governo. Foi o que aconteceu, mas agora estando no poder um Governo do partido onde milita é natural que as suas opiniões sobre as agênciasde rating mudem. As circunstâncias políticas também mudaram. A verdade e a mentira de cada momento dependem dos interesses em jogo, dos objectivos políticos que se pretendem alcançar. É por isso que na luta politico-partidária toda a verdade é relativa e provisória.”
Ainda que lhe tenha percebido na expressão facial alguma reserva, ela deverá ter percebido a explicação porque logo aproveitou para me interpelar com nova dúvida. Desta vez redobrou o tom:
“Então e o Passos Coelho? Como explicas que tenha derrubado o Governo alegando que não aceitava subir impostos, que os cortes teriam de ser feitos na despesa e a primeira coisa que faz quando chega ao poder é aumentar os impostos. Não é isso mentir?”
Logo me lembrei que já Durão Barroso e José Sócrates tinham feito o mesmo. Ainda assim declarei num tom puro e inocente::
“Possivelmente ele acreditava que não precisava de aumentar impostos...”
Fui imediatamente interrompido:
“Estás a gozar comigo, pois se logo no dia seguinte ao chumbo do PEC ele foi a Bruxelas e defendeu o aumento do Iva!”
Calei-me, era dificil ripostar a argumento tão objectivo. Talvez por me sentir vacilar ela ripostou:
“O pior de tudo foi que antes das eleições Passos Coelho assegurava que nunca aceitaria tocar no rendimento disponível dos portugueses, quando afinal se preparava para ir buscar uma parte do teu subsídio de Natal.”
Estava entalado perante um raciocínio tão objectivo. Uma miúda de 15 anos deixava-me sem palavras. Tentava eu alinhar ideias em volta dos interesses e necessidades políticas de um Primeiro Ministro quando ela, sem me deixar exercer o contraditório, declarou:
“ Aqui, ou em qualquer parte do Mundo, isso é mentir! E a mentira transforma-se em aldrabice quando para justificar tal medida o jornal oficial do partido o Povo Livre, manipula e altera as declarações do próprio líder, transformando um “esforço colossal” no tão propalado “desvio colossal”. Não podes dizer que isso não é uma mentira escrita e impressa, não podes dizer que isso não é revelador de uma prática política sem valores, sem ética, sem verdade.”
Fiquei sem argumentos. Pois se em tão pouco tempo e em pleno “estado de graça”, as coisas chegaram a tão baixo nível que poderia eu retorquir. Calei-me.
Ela sorriu vitoriosa e, agarrando-me nas mãos, gesto bem revelador de quem queria toda a minha atenção, atirou a farpa final: “Então diz lá, tu que tanto aprecias dar-me lições, qual é a moral de toda esta história,.”
Olhei-a com carinho, mas não a desiludi: “A moral desta história é que nunca deves acreditar em políticos que andam sempre com a verdade na boca. Em geral são os mais demagógicos, os que têm menos escrúpulos. Cuidado com eles!”
E dito isto fomos dar um mergulho no mar da Costa Nova. Tal como a propalada "verdade", também nós fomos a banhos!
Belino, por altura dos meus 18 anos apoiei, se bem "autarquicamente", um candidato à CM OBR. Andei em campanha e dentro dos bastidores vê-se jogadas políticas fantásticas. Ainda aguentei mais uma campanha (4 anos depois, claro) mas constatei que não tinha estômago para tanta demagogia e que ia contra os meus princípios - a falta de palavr, embora reconheça que na politica aquilo que hoje é, amanhã já não o é.
ResponderEliminarAlexandre Duarte
excerto do Discurso da segunda tomada de posse do Sr. Presidente da República:
ResponderEliminar....
"A nossa sociedade não pode continuar adormecida perante os desafios que o futuro lhe coloca. É necessário que um sobressalto cívico faça despertar os Portugueses para a necessidade de uma sociedade civil forte, dinâmica e, sobretudo, mais autónoma perante os poderes públicos."
(Cavaco Silva)
...
Aqui nos deixa uma agradável alegoria do ps, ou seja do pós-socrates!
ResponderEliminarMeu caro Belino. As coisas no mundo dos países da língua portuguesa,transformaram-se numa cadeia de ações comunitaria e coniventemente repetitivas. Sua crónica, mudando-se-lhe os nomes também serviria para o Brasil. Apenas haveria de lhe ser acrescentado mais alguma coisa sobre a desenfreada corrupção que graça por este mundo de Deus.
ResponderEliminarMeus cumprimentos pela beleza emblemática da criação. Arrais