O MEU SONHO!
“lusitânia”. soalho português. bandeira da pátria.
O «Lusitânia» deu o sinal de partida e os seus propulsores enormes, em marcha, fizeram-no deslisar suavemente pelas águas do Hudson…
A bordo, muitos compatriotas brincavam e cantavam, satisfeitos, como eu, certos de que aquele navio enorme nos levava a Portugal! Parecia-nos respirar um ar mais puro, lá dentro, porque, embora ainda sobre águas americanas, já pisávamos … soalho português e viamos lá em cima flutuar a bandeira da Pátria! ...
estátua da liberdade. símbolos.
Os «arranha-céus» de New-York ficavam próximos ainda; e a estátua da Liberdade, situada numa pequena ilha da grande baía metropolitana, ficáva-nos ao lado, a pouca distância. Essa estátua colossal representa uma mulher gigantesca, segurando com a mão esquerda o livro da Instrução e empunhando com a direita um archote … apagado!
E nós – os passageiros do «Lusitânia» – pobres emigrantes portugueses, depois de tantos anos de luta em terra estranha, sentimos a ventura por deixar a liberdade americana, para procurarmos no seio doce da Pátria a verdadeira liberdade! …
O «Lusitânia», barra fóra, investia furioso contra o turbilhão das águas, deixando atraz de si um vale espumoso, onde as gaivotas mergulhavam a procurar alimento.
lusíadas – missal da pátria
Horas depois, o mar estava ameno; e, no convés do navio, um exímio guitarrista tangia o fado acompanhado duma esbelta e sedutora rapariga que, cantando com tal engenho e arte, nos deixou tocados do mesmo sentimento.
Anoitecia. A lua reflectia a sua luz de prata no convés do «Lusitânia», formando sombras, onde os namorados se escondiam a idealisar venturas …, grupos de pessoas conversavam ou cantavam baixinho … e eu, só olhando o oceano que a lua abrilhantava, fiquei absorto, meditando nos arrojados navegadores portuguesas que outrora ali passariam em frágeis embarcações, á procura de terras desconhecidas e glória para Portugal!
No dia seguinte houve jogos, danças, récitas, discursos e muitos «vivas» a Portugal!
O «Lusitânia» continuava sulcando as águas do Atlântico, na sua marcha veloz, e como ia preparado com aparelhos modernos contra o enjoo, essa viagem mais se nos tornava agradável! …
Uns entretinham-se, lendo; outros conversavam ou brincavam; e eu, sentado numa cadeira de viagem junto à amurada, lia os Lusíadas – missal indestrutível da Pátria, o antifonário do sentimento da grei portuguesa – e sentia o coração pulsar de orgulho! …
Algumas horas depois, vi que todos os companheiros corriam para o lado da amurada, com os braços erguidos, clamando: – «Portugal! Portugal»! …
Sobressaltado, levantei-me e vi, ainda longe, areias da Pátria! … E, numa oração ingénua, mas pura, murmurei: – «Portugal, minha querida Pátria! O meu coração pulsa agitado, sentindo a felicidade de visitar-te! …
Tu, que sempre tens acolhido os teus filhos carinhosamente, não deixes de me receber do mesmo modo porque, se de todos eles eu sou o mais humilde, também sou dos que te adoram com excessivo amor! Agasálha-me debaixo do teu céu azul e da verde rubra bandeira … Abre-me, aí caminho para novos horisontes e deixa-me viver no teu seio, porque, viver longe de ti, oh! é horrivel !!!»
31 de Janeiro, 1891 - evocação
Pouco depois o «Lusitânia» entrava a barra de Lisboa, majestoso e triunfante, apitando fortemente, e era correspondido pelo apito de milhares de navios surtos no Tejo.
Os navios estavam embandeirados; por toda a parte se via flutuar a bandeira da Pátria! É que, naquele dia do norte ao sul de Portugal, se prestava homenagem aos herois de 31 de Janeiro… [de 1891].
O navio atracou ao cais; e, ao desembarcar, eu beijei o chão da minha Pátria em que nasceu a aurora do meu primeiro dia! … – como faz o poeta João de Barros …
bustos. a mãe. os amigos. a banda do troviscal. a portuguesa. o civismo.
Pouco tempo me demorei em Lisboa, e, ao desembarcar em Oliveira do Bairro, esperava-me um automóvel que me transportou á minha risonha aldeia … E – encontro feliz! – á entrada da humilde casinha onde nasci veio acolher-me uma velhinha, curvada ao pêso dos anos, que chorava de alegria; estendeu-me os braços que me embalaram outrora e abraçou-me, enquanto eu lhe pousei nas faces rugadas muitos beijos! …
Aproximou-se a família e vizinhos, a quem estendi os meus braços francos com toda a sinceridade de amigo.
Ao sair á rua, vi muitas crianças a brincar, pessoas desconhecidas, casitas novas; olhei a «agra» com todo o seu explendor de terreno fértil e ouvi em Bustos a harmoniosa e incomparavel filarmónica do Troviscal a tocar a «Portuguesa»!
Descobri-me respeitosamente – todas as pessoas me seguiram o exemplo – e, depois de se ter extinguido o som desse hino vibrante, curvei-me com a maior seriedade e recordei os nomes dos heróis, que foram vencidos em defesa dum ideal – que hoje vive e será eterno! …
Por fim, olhei a minha boa e velha mãesinha, abraçando-a novamente; e, nesse momento, fui acordado pelo alarme do relógio que tenho como despertador – para retomar o meu lugar na luta de todos os dias …
Fiquei triste, sentindo o engano do meu sonho! No entanto, eu digo que, para uma viagem tão agradável, de regresso á Pátria, beijar e abraçar a querida mãesinha e prestar a minha modesta homenagem aos herois de 31 de Janeiro, valeu a pena ter sonhado …
Perth Amboy (América do Norte), 1 de Fevereiro de 1932.
Hissico (pseudónimo de Hilário Costa)
NE - Um bem-haja a Silas Granjo por esta dádiva publicada no Alma Popular, 26.02.1932 que NB reedita.
Os subtítulos são da responsabilidade do editor.
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